A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão de tribunal local e afastou os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios de uma sociedade empresária.
Para o colegiado, é inviável uma interpretação extensiva do artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), devido à sua especificidade e às consequências de sua aplicação.
Segundo o processo, os recorrentes eram administradores não sócios de uma sociedade do ramo imobiliário que estava sendo executada pelo descumprimento do distrato relativo a uma promessa de compra e venda de imóvel.
As instâncias ordinárias entenderam que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica deveriam ser estendidos aos administradores da executada, com base na chamada teoria menor, constante do parágrafo 5º do artigo 28 do CDC, sob o fundamento de não terem sido localizados bens da empresa para penhora.
No recurso dirigido ao STJ, os recorrentes requereram a reforma do acórdão de segundo grau, sustentando que a aplicação do dispositivo foi indevida.
Previsões normativas da desconsideração da personalidade jurídica
O relator, ministro Marco Buzzi, esclareceu que a desconsideração da personalidade jurídica está disciplinada tanto no artigo 50 do Código Civil quanto no artigo 28 do CDC.
O ministro destacou que a teoria maior, prevista no artigo 50 do CC e no caput do artigo 28 do CDC, permite que os administradores sejam atingidos na desconsideração, mas para isso há requisitos rígidos, como abuso de direito, excesso de poder, prática de ato ilícito e outras situações.
Por outro lado, Buzzi observou que a teoria menor (artigo 28, parágrafo 5º, do CDC) é mais flexível, de modo a ampliar as hipóteses de desconsideração. Segundo explicou, “aplica-se a casos de mero inadimplemento, em que se observe, por exemplo, a ausência de bens de titularidade da pessoa jurídica hábeis a saldar o débito”.
Não há previsão expressa para o administrador não sócio
O ministro apontou que – ao contrário do que ocorre com a teoria maior, prevista no Código Civil – o artigo 28, parágrafo 5º, do CDC não admite expressamente a extensão da responsabilidade ao administrador que não integra o quadro societário.
O relator também destacou o entendimento no REsp 1.862.557 e no REsp 1.658.648, ambos da Terceira Turma, que adotaram, no mesmo sentido, a impossibilidade da responsabilização pessoal daquele que não integra o quadro societário da pessoa jurídica, ainda que administrador.
Para Buzzi, o acórdão de segundo grau deve ser reformado porque a desconsideração da personalidade jurídica teve como base exclusiva o artigo 28, parágrafo 5º, do CDC, diante da ausência de bens penhoráveis da empresa, não tendo havido a indicação – muito menos a comprovação – da prática de qualquer abuso, excesso ou infração.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL (ART. 105, INC. III, “a” e “c”, da CRFB/88) – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ACOLHIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INSURGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES NÃO-SÓCIOS. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA ESPECÍFICA PARA APLICAÇÃO DO § 5º DO ART. 28 AOS ADMINISTRADORES NÃO-SÓCIOS – IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
Hipótese: incidente de desconsideração da personalidade jurídica requerido com fulcro no artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, e acolhido pelas instâncias ordinárias, à luz da teoria menor, para responsabilização de administradores não-sócios.
1. O parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, lastreado na teoria menor, é autônomo em relação ao caput e incide em hipóteses mais amplas/flexíveis, isto é, sem a necessidade de observância aos requisitos como abuso da personalidade jurídica, prática de ato ilícito ou infração à lei ou estatuto social;
aplica-se, portanto, em casos de mero inadimplemento em que se observe, por exemplo, a ausência de bens de titularidade da pessoa jurídica, hábeis a saldar o débito. Com efeito, dada especificidade do parágrafo em questão, e as consequências decorrentes de sua aplicação – extensão da responsabilidade obrigacional -, afigura-se inviável a adoção de um interpretação extensiva, com a atribuição da abrangência apenas prevista no artigo 50 do Código Civil, mormente no que concerne à responsabilização de administrador não sócio.
1.1 “O art. 50 do CC, que adota a teoria maior e permite a responsabilização do administrador não-sócio, não pode ser analisado em conjunto com o parágrafo 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor, pois este exclui a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC permitindo a desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, pelo simples inadimplemento ou pela ausência de bens suficientes para a satisfação do débito. Microssistemas independentes”. (REsp n. 1.658.648/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 20/11/2017) 1.2 Na hipótese, a partir da leitura da decisão proferida pelo magistrado singular e do acórdão recorrido, observa-se que a desconsideração da personalidade jurídica operou-se com base exclusivamente no artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor (teoria menor), ante a ausência de bens penhoráveis de titularidade da executada, não tendo sido indicada, tampouco demonstrada, pelos requerentes, a prática de qualquer abuso, excesso ou infração ao estatuto social e/ou à lei.
2. RECURSO ESPECIAL conhecido e provido, a fim de reformar o acórdão recorrido para afastar os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica de JFE 10 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. em relação aos recorrentes, pessoas naturais, na condição de administradores não sócios.
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