Competência para julgar tentativa de saque de cheque falso é do juízo do local da agência bancária da vítima

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual a competência para julgamento de tentativa de saque de cheque falso é do juízo do local da obtenção da vantagem ilícita – configurado como aquele em que se situa a agência bancária onde seria sacado o cheque adulterado, ou seja, o local onde a vítima possui conta bancária.

Com esse entendimento, o colegiado reconheceu a competência do juízo da comarca de Urupês (SP) para julgar a tentativa de estelionato contra uma correntista de agência bancária localizada no município. A vítima procurou a delegacia local para denunciar a tentativa de compensação de um cheque clonado, o qual não foi pago por insuficiência de fundos.

Apurou-se que o cheque foi depositado em Curitiba. O juízo de Urupês declinou da competência sob o argumento de que eventual crime de estelionato se consuma no momento e no local em que o agente obtém a vantagem ilícita – local que, para ele, seria a capital paranaense.

Os autos do inquérito foram distribuídos ao juízo da 5ª Vara Criminal de Curitiba, o qual suscitou o conflito no STJ, por entender que a competência, no caso de tentativa de estelionato por meio de cheque fraudulento, é do local da agência em que ele seria sacado, ou seja, o local no qual a vítima possui conta.

Competência é do local da agência onde a vítima tem conta bancária

A relatora do conflito de competência, ministra Laurita Vaz, explicou que, nos termos do artigo 70 do Código de Processo Penal (CPP), a competência “será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Segundo ela, quanto ao delito de estelionato (artigo 171 do Código Penal), a Terceira Seção pacificou o entendimento de que a consumação ocorre no lugar em que aconteceu o efetivo prejuízo à vítima.

A magistrada ressaltou que a Lei 14.155/2021 acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 70 do CPP, estabelecendo que a competência para o julgamento do crime de estelionato, quando praticado mediante emissão de cheque sem fundos em poder do banco ou com o pagamento frustrado, “será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção“.

Contudo, a ministra observou que a hipótese dos autos não foi expressamente prevista na nova legislação, visto que não se trata de emissão de cheque sem provisão de fundos ou com pagamento frustrado, mas de tentativa de saque de cheque falso, em prejuízo do correntista. “Assim, aplica-se o entendimento pela competência do juízo do local do eventual prejuízo, que ocorre com a autorização para o saque do numerário no local da agência bancária da vítima”, disse.

Em seu voto, a relatora destacou julgado da Terceira Seção segundo o qual, “quando se está diante de estelionato cometido por meio de cheques adulterados ou falsificados, a obtenção da vantagem ilícita ocorre no momento em que o cheque é sacado, pois é nesse momento que o dinheiro sai efetivamente da disponibilidade da entidade financeira sacada para, em seguida, entrar na esfera de disposição do estelionatário”. Para a Terceira Seção, entende-se que o local de obtenção da vantagem ilícita, nesses casos, é o da agência em que foi sacado o cheque falso, isto é, onde a vítima possui conta.

 

O recurso ficou assim ementado:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. CRIME PRATICADO MEDIANTE CHEQUE FRAUDULENTO. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NA LEI N. 14.155⁄2021. CONSUMAÇÃO DO CRIME NO LOCAL ONDE A VÍTIMA POSSUI CONTA BANCÁRIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.
1. O delito de estelionato, tipificado no art. 171, caput, do Código Penal, consuma-se no lugar onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima. Por essa razão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no caso específico de estelionato praticado por meio de depósito em dinheiro ou transferência de valores, firmara a compreensão de que a competência seria do Juízo onde se auferiu a vantagem ilícita em prejuízo da vítima, ou seja, o local onde se situava a conta que recebeu os valores depositados.
2. A Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, que incluiu o § 4.º no art. 70 do Código de Processo Penal, criou hipótese específica de competência no caso de crime de estelionato praticado mediante depósito, transferência de valores ou cheque sem provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado. Diante da modificação legislativa, não mais subsiste o entendimento firmado por esta Corte Superior, devendo ser reconhecida a competência do Juízo do domicílio da vítima.
3. Contudo, a hipótese dos autos, como bem ressaltou o parecer ministerial, não foi expressamente prevista na nova legislação, visto que não se trata de cheque emitido sem provisão de fundos ou com pagamento frustrado, mas de tentativa de saque de cártula falsa, em prejuízo de correntista. Assim, aplica-se o entendimento pela competência do Juízo do local do eventual prejuízo, que ocorre com a autorização para o saque do numerário no local da agência bancária da vítima.
4. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA DE URUPÊS⁄SP, o Suscitado.

Leia o acórdão no CC 182.977.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 182977

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