Compete à Justiça da Infância e da Juventude julgar processos sobre reformas de creches e escolas

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a competência para julgar processos que discutem reformas de estabelecimentos de ensino para crianças e adolescentes é da Justiça da Infância e da Juventude. Assim, em segundo grau, o julgamento do recurso cabe ao órgão do tribunal que tenha competência para os processos dessa natureza.

A decisão teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) contra o poder público estadual, visando a melhoria das condições do prédio da Escola Estadual Deputado Salomão Jorge – instituição de ensino fundamental e médio de Carapicuíba (SP).

O MPSP alegou que uma perícia realizada em dezembro de 2019 apontou a existência de irregularidades prediais graves, capazes de comprometer a integridade física dos alunos. Além da reforma, o órgão pleiteou a realocação dos estudantes em outras escolas.

Em liminar, o juízo de primeira instância determinou ao estado o cumprimento de alguns reparos na estrutura, mas negou o pedido de realocação dos alunos – decisão mantida pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Ao STJ, o MPSP sustentou que, por se tratar de demanda que busca a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, o processo foi julgado pela Vara da Infância e Juventude de Carapicuíba, de modo que caberia à Câmara Especial do TJSP – que tem competência para matéria relativa à infância e juventude –, e não à 6ª Câmara Cível, analisar o recurso contra a decisão de primeiro grau.

Acesso e permanência são mutuamente dependentes

A relatoria do recurso no STJ foi do ministro Francisco Falcão, o qual lembrou que, conforme previsão da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), o poder público deve garantir a igualdade de condições tanto para o acesso quanto para a permanência do aluno na escola.

“A igualdade nas condições para o acesso (matrícula) ao ensino não basta, se as condições de permanência na instituição de ensino são precárias. Assim, permanência na escola implica a viabilidade de permanência física e funcionamento das instalações da instituição de ensino sem riscos à integridade física dos alunos e professores”, afirmou.

O magistrado destacou que, de acordo com a jurisprudência já consolidada pelo STJ no REsp 1.846.781, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar causas envolvendo matrícula em creches ou escolas, nos termos dos artigos 148, IV, e 209 da Lei 8.069/1990. Segundo o relator, se o acesso e a permanência são mutuamente dependentes, a respectiva competência jurisdicional segue a mesma lógica.

“Esse precedente obrigatório sobre acesso (matrícula) ao ensino se aplica, portanto, a demandas que discutam a permanência, o que abrange reformas de estabelecimento de ensino, como no presente caso”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRÉDIO ESCOLAR COM SÉRIOS PROBLEMAS ESTRUTURAIS. PERMANÊNCIA NO ENSINO. AGRAVO   DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO POR CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO SEM COMPETÊNCIA PARA MATÉRIA DE INFÂNCIA E JUVENTUDE. RESP 1.846.781⁄MS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. VIOLAÇÃO.
I – Na origem, foi ajuizada ação civil pública visando à melhora das condições do prédio onde funciona a Escola Estadual Deputado Salomão Jorge (instituição de ensino fundamental e médio de Carapicuíba⁄SP), que   comprometem   a   integridade física de   todos   os   seus frequentadores.
II – Deferida parcialmente a tutela provisória, foi interposto agravo de instrumento, julgado por câmara cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
III – Nos termos da Constituição da República (art. 206, I, da Constituição) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º, I, da Lei n. 9.394⁄1996), o Poder Público deve ter em conta “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. A igualdade nas condições para o acesso (matrícula) ao ensino não basta, se as condições de permanência e funcionamento da instituição de ensino são precárias. Como acesso e permanência na escola  são mutuamente dependentes, a respectiva competência jurisdicional segue a mesma lógica.
IV – Em matéria de acesso (matrícula) ao ensino de crianças e adolescentes e a respectiva competência para o conhecimento de demandas judiciais, verifica-se que a Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069⁄1990. Este entendimento foi assentado, em regime de recursos repetitivos, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1846781⁄MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 29⁄3⁄2021).
V – Esse precedente obrigatório sobre acesso (matrícula) ao ensino se aplica, portanto, a demandas que discutam permanência, o que abrange reformas de estabelecimentos de ensino.
VI – Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, anulando o acórdão recorrido, a fim de determinar que a Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que possui competência para matéria relativa à infância e juventude, julgue o agravo de instrumento.

Leia o acórdão do AREsp 1.840.462.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 1840462

1 comentário em “Compete à Justiça da Infância e da Juventude julgar processos sobre reformas de creches e escolas”

  1. Pingback: MPPR recorre de decisão que extinguiu ação que busca assegurar vagas em creches de Curitiba para crianças de zero a três anos

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar