É nulo o provimento de agravo de instrumento sem prévia intimação, mesmo que o agravado ainda não faça parte da lide

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é nulo o provimento de agravo de instrumento sem que seja dada a oportunidade para o agravado se manifestar, ainda que ele não seja integrante da lide, por falta de citação.

Com a decisão, o colegiado acolheu recurso especial interposto por uma operadora de plano de saúde para declarar nulo, por inobservância do contraditório e da ampla defesa, o acórdão que deu provimento a um agravo em seu desfavor, sem ouvi-la.

Na origem do caso, uma beneficiária ajuizou ação, com pedido de tutela de urgência, para que a operadora custeasse cirurgia plástica reparadora pós-cirurgia bariátrica. Negado o pedido de urgência, ela interpôs agravo de instrumento, na tentativa de reverter a decisão em segunda instância.

O tribunal deu provimento ao recurso, determinando que a operadora custeasse o procedimento pleiteado. Sobre a nulidade apontada pela empresa, a corte local afirmou que, na ocasião em que o agravo foi interposto, ela ainda não era parte do processo, por não ter sido citada, de modo que o acórdão não seria nulo por falta de sua intimação.

Antes da citação, parte agravada deve ser intimada pessoalmente

Relatora do recurso no STJ, a ministra Nancy Andrighi afirmou que “o fato de a parte agravada ainda não integrar a lide e, portanto, não ter procurador constituído nos autos, impõe que seja ela intimada pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, consoante determina o artigo 1.019, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015“.

A magistrada lembrou que, na vigência do código processual de 1973, o STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu que a intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório; e que essa intimação é dispensada apenas quando o relator nega seguimento ao agravo, uma vez que tal decisão beneficia o agravado (Temas 376 e 377 do STJ).

“Conclui-se que a intimação para a apresentação de contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente”, declarou a ministra.

Desnecessidade de intimação apenas quando não houver prejuízo

Segundo a relatora, o código em vigor também não autoriza o julgador a dar provimento ao agravo sem a oitiva da parte agravada, pois foi estabelecido que o provimento do recurso é possível após ser facultada a apresentação de contrarrazões (artigo 932, inciso V), além da necessidade de intimação pessoal descrita no artigo 1.019, inciso II.

Nancy Andrighi destacou que o legislador autorizou o julgamento do agravo antes da intimação do agravado apenas quando for para não conhecer do recurso ou lhe negar provimento, “já que, nessas hipóteses, o julgamento não lhe causa qualquer prejuízo”.

“Logo, há de ser reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, por inobservância do devido processo legal, em especial das garantias do contraditório e da ampla defesa”, concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso especial da operadora.

A magistrada ressaltou que seu voto não tratou do mérito da causa, tendo em vista que a questão acerca da obrigatoriedade de custeio, pelo plano de saúde, de cirurgia plástica pós-cirurgia bariátrica será examinada pelo STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.069). Com exceção das tutelas provisórias de urgência, até o julgamento do tema, a corte suspendeu todos os processos que tratem dessa controvérsia no país.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO QUE INDEFERE A GRATUIDADE DE JUSTIÇA E A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVIMENTO SEM PRÉVIA OITIVA DA PARTE AGRAVADA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ACÓRDÃO ANULADO. JULGAMENTO: CPC⁄2015.
1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 27⁄01⁄2021 e concluso ao gabinete em 06⁄05⁄2021.
2. O propósito recursal é decidir sobre a nulidade do acórdão recorrido por ofensa ao contraditório e à ampla defesa, bem como sobre o preenchimento dos requisitos para a concessão da tutela de urgência.
3. É incabível recurso especial fundado em violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, “a” da CF⁄88.
4. Na vigência do CPC⁄1973, a Corte Especial do STJ, ao julgar o REsp 1.148.296⁄SP (julgado em 01⁄09⁄2010, DJe de 28⁄09⁄2010), pela sistemática dos recursos repetitivos, firmou a tese de que “a intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório, nos termos do art. 527, V, do CPC” e “a dispensa do referido ato processual ocorre tão-somente quando o relator nega seguimento ao agravo (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia o agravado, razão pela qual conclui-se que a intimação para a apresentação de contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente” (temas 376 e 377).
5. Assim como no CPC⁄1973, o CPC⁄2015 não autoriza o órgão julgador a dar provimento ao agravo de instrumento sem a oitiva prévia da parte agravada. 6. A par da possibilidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, o legislador apenas autoriza o relator a julgar o agravo de instrumento, antes da intimação da parte agravada, quando a decisão for no sentido de não conhecer do recurso ou de a este negar provimento, já que, nessas hipóteses, o julgamento não lhe causa qualquer prejuízo.
7. Hipótese em que há de ser reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, por inobservância do devido processo legal, em especial das garantias do contraditório e da ampla defesa, porquanto provido o agravo de instrumento antes de facultada a apresentação de contrarrazões pela parte agravada.
8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.

Leia o acórdão no REsp 1.936.838.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1936838

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