Clientes impedidas de embarcar em cruzeiro têm direito a indenização

Empresas alegaram “teoria do fato do príncipe”.

A 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento ocorrido no último dia 13, manteve decisão do juiz Alessandro de Souza Lima, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, para condenar duas empresas a indenizar clientes que compraram pacote de cruzeiro marítimo, mas foram impedidas de embarcar. A reparação por danos morais foi fixada em R$ 8 mil para cada coautora, além do ressarcimento das despesas com alimentação e hospedagem, no valor de R$ 423,90.

De acordo com os autos, duas amigas adquiriram o pacote temático, em comemoração aos 30 anos de carreira de uma famosa dupla sertaneja. Ambas confirmaram as reservas, deslocaram-se de São José dos Campos a Santos, apresentaram cartão de vacinação e teste negativo para Covid-19, conforme exigido. No entanto, não conseguiram embarcar, porque a cabine foi cancelada pela limitação de ocupação de 75% da embarcação no período da pandemia.

Para a relatora, desembargadora Rosangela Telles, o dever de indenizar corresponde à ausência de informação e de logística das empresas. “É certo que a recorrente poderia ter envidado esforços para negociar com as consumidoras uma alternativa de prestação de serviços ou até mesmo para evitar o desgaste da viagem e da frustração sofrida”, afirmou. “Ao revés, a apelante, por seus prepostos, transmitiu informação errônea e equivocada, no sentido de que tudo estaria certo com a cabine”, completou.

As empresas alegaram a chamada “teoria do fato do príncipe”, pretendendo justificar o inadimplemento em razão de caso fortuito ou de uma força maior, caracterizada por um ato estatal, porque a Anvisa teria imposto o limite de 75% da capacidade do navio. “Ocorre que, no caso concreto, não é possível reconhecer que o resultado danoso se deveu exclusiva e determinantemente à edição do despacho administrativo de contenção de circulação em embarcações marítimas, uma vez que o elemento essencial caracterizador do dever de indenizar corresponde à desídia informacional, operacional e logística da própria apelante”, escreveu a desembargadora.

O recurso ficou assim ementado:

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TURISMO. CRUZEIRO MARÍTIMO. Apeladas que contrataram das litisconsortes passivas pacote de cruzeiro marítimo temático para a comemoração de aniversário de 30 anos de dupla sertaneja. Recorridas que, malgrado tenham se dirigido ao terminal marítimo de Santos/SP para embarque, tendo cumprido todos os protocolos individuais sanitários de ingresso, foram barradas sob a alegação de que o despacho nº 157-ANVISA teria impedido o ingresso de pessoas em limite superior a 75% da capacidade total do navio. DEVER DE INDENIZAR. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE. Ao invocar o fato do príncipe, o devedor pretende justificar o inadimplemento sob a escusa de um caso fortuito ou de uma força maior, caracterizada por um ato estatal que, em virtude de sua cogência (ius imperii), impossibilita em absoluto o cumprimento da obrigação. Ocorre que, no caso concreto, não é possível reconhecer que o resultado danoso se deveu exclusiva e determinantemente à edição do despacho administrativo de contenção de circulação em embarcações marítimas, uma vez que o elemento essencial caracterizador do dever de indenizar corresponde à desídia informacional, operacional e logística da própria apelante. As recorridas apenas tomaram ciência da possibilidade de embarcar após terem se deslocado de São José dos Campos/SP a Santos/SP, tendo recebido a notícia exclusivamente quando da hora do embarque. Apelante que poderia ter envidado esforços para negociar com as consumidoras uma alternativa de prestação de serviços, ou até mesmo para evitar o desgaste da viagem e da frustração sofrida, tendo se quedado inerte, fato que não pode ser imputado ao Estado Brasileiro. Ao revés, a apelante, por seus prepostos, transmitiu informação errônea e equívoca, no sentido de que tudo estaria certo com a cabine. DANOS MORAIS. Ocorrência. As recorridas se deslocaram de sua cidade a Santos, tomaram hospedagem em hotel da região e realizaram exame nasal para COVID-19, notoriamente incômodo, para que, apenas ao chegarem no terminal marítimo, tomassem ciência da impossibilidade de embarque, situação que configura evidente desrespeito aos direitos consumeristas e ao tempo dispendido para a empreitada frustrada. Quantum debeatur mantido no patamar de R$ 8.000,00 em favor de cada coautora. SUCUMBÊNCIA. Manutenção dos critérios arbitrados, com incidência da majoração decorrente do art. 85, § 11 do CPC/15. RECURSO NÃO PROVIDO.

O julgamento, unânime, contou com a participação dos desembargadores Francisco Casconi e Paulo Ayrosa.

Processo nº 1032249-70.2021.8.26.0577

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