A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o valor a ser restituído ao consumidor em virtude da aquisição de carro zero-quilômetro com vício, na hipótese em que o produto é, posteriormente, revendido a terceiro, deve corresponder à diferença entre o valor de um veículo equivalente na data da alienação a terceiros e o valor recebido na revenda.
Com esse entendimento, o colegiado negou recurso no qual uma concessionária argumentou que o valor a ser restituído ao consumidor, nesse tipo de situação, deveria considerar também o período no qual o veículo continuou sendo utilizado. A empresa alegou ainda que, em casos de vício no produto, a responsabilidade das concessionárias é subsidiária, por se tratar de comerciante.
O recurso teve origem em uma ação ajuizada por uma consumidora que pleiteou a substituição do veículo por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, em razão de diversos defeitos apresentados no carro, de forma intermitente.
O juízo de primeiro grau determinou a substituição do carro por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, bem como condenou a concessionária e a fabricante por danos materiais e morais. Em virtude da alienação do veículo, antes do trânsito em julgado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso converteu a obrigação de fazer em perdas e danos.
CDC impõe a substituição por produto novo
A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que, se o consumidor adquiriu produto novo com vício e o fornecedor resiste em cumprir com sua obrigação de repará-lo – conforme disposto no artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) –, prolongando a demanda judicial, não pode a demora ser imputada à parte vulnerável que foi obrigada a recorrer ao Poder Judiciário para ter seus direitos respeitados.
“Tampouco há que se falar, nesse cenário, em eventual desconto do valor referente ao período em que o produto continuou sendo utilizado pelo consumidor, pois, à toda evidência, pelo mesmo lapso de tempo, também o fornecedor teve à sua disposição o valor desembolsado pelo consumidor para a aquisição do produto, podendo dele fazer uso como entendesse mais adequado”, disse.
No caso dos autos, a relatora ponderou que, em razão da alienação do veículo, a consumidora já foi parcialmente restituída da quantia que gastou para adquirir o veículo viciado, de modo que a restituição deverá corresponder à diferença entre o valor de um produto novo na data da alienação a terceiros e o valor recebido nesta transação.
Responsabilidade por vício e defeito no produto
Segundo a ministra, o sistema criado pelo CDC trabalha com as noções de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. Ela explicou que um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de criar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.
Por outro lado, completou, são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e que lhes diminuam o valor.
A partir dessas distinções, a relatora concluiu que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço decorre da caracterização de um vício grave, isto é, de um defeito. Nesse caso, o CDC estabelece, no artigo 13, a responsabilidade apenas subsidiária do comerciante.
Já a responsabilidade pelo vício, afirmou a ministra, decorre da caracterização de um vício menos grave, circunscrito ao produto ou serviço em si, sendo-lhe inerente ou intrínseco. De acordo com a relatora, em razão de o CDC não fazer qualquer distinção entre os fornecedores, o entendimento é de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável, inclusive o comerciante.
Na hipótese em análise, a ministra verificou que, ao lado da responsabilidade pelo vício do produto – em que há a responsabilidade solidária –, há, igualmente, a responsabilidade pelo fato do serviço, consubstanciada na má prestação dos serviços de manutenção e reparo, que ocasionou ofensa tanto patrimonial quanto extrapatrimonial à consumidora.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. DECADÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. SOLIDARIEDADE. CONFIGURAÇÃO. VÍCIO DO PRODUTO. CARACTERIZAÇÃO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ. SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE. PRODUTO NOVO. ALIENAÇÃO A TERCEIROS. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. POSSIBILIDADE.1- Recurso especial interposto em 24⁄6⁄2021 e concluso ao gabinete em 3⁄2⁄2022.2- O propósito recursal consiste em determinar: a) se está caracterizada a decadência do direito do consumidor de pleitear a substituição do produto, o abatimento proporcional do preço ou a restituição da quantia paga; b) se a responsabilidade da recorrente é subsidiária, por se tratar de comerciante; c) se a mera existência de vício do produto não reparado no prazo de 30 dias, mas que não o torna impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou que não lhe diminua o valor, confere ao consumidor direito a exercer as prerrogativas previstas no § 1º, do art. 18, do CDC; e d) o valor a ser restituído ao consumidor tendo em vista a utilização do veículo por determinado lapso de tempo e sua alienação a terceiro.3- No que diz respeito à tese relativa à decadência, tem-se, no ponto, inviável o debate, porquanto não se vislumbra o efetivo prequestionamento, o que inviabiliza a apreciação da tese recursal apresentada, sob pena de supressão de instâncias.4- Na hipótese dos autos, se está, a um só tempo, diante de responsabilidade pelo vício do produto e de responsabilidade pelo fato do serviço, de modo que não há como afastar a responsabilidade da parte recorrente, porquanto, de acordo com a sistemática adotada pelo CDC, em ambas as hipóteses, há a responsabilidade solidária entre todos os fornecedores, sem qualquer distinção relativa ao comerciante.5- O acolhimento da tese sustentada pela parte recorrente, no sentido de que não estaria caracterizado vício do produto, derruindo a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, demandaria o revolvimento do arcabouço fático-probatório acostado aos autos, o que é vedado pelo enunciado da Súmula 7 do STJ.6- Na hipótese de responsabilidade pelo vício, a substituição do produto “por outro da mesma espécie” – prevista no inciso I, do §1°, do art. 18, do CDC – implica a substituição por outro produto novo na data da substituição.7- Ocorrendo a alienação do produto viciado, a restituição da quantia paga prevista no inciso II, § 1º, do art. 18, do CDC, deverá corresponder à diferença entre o valor de um produto novo na data da alienação a terceiros e o valor recebido nesta transação.8- Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido.
Leia o acórdão no REsp 1.982.739.