Diante da falta de efetividade das medidas típicas adotadas na execução, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a restrição de saída do país imposta a dois devedores, pelo menos enquanto não apresentarem garantia da dívida. A restrição foi determinada nos autos da execução de sentença proferida em ação de cobrança contra a empresa da qual os dois são sócios.
A ação foi ajuizada por outra empresa, em 2010, para cobrança de pouco mais de R$ 6 mil. Após muitas tentativas de satisfação do crédito – que incluíram a desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora –, o juízo de primeiro grau acolheu o pedido de adoção de medidas atípicas de execução, como a comunicação à Polícia Federal para anotação da proibição de deixar o país e a suspensão das Carteiras Nacionais de Habilitação, entre outras.
Os sócios recorreram ao Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual apenas afastou a suspensão das CNHs, mantendo as demais medidas de execução indireta. O recurso ao STJ não foi conhecido.
Em janeiro de 2020, eles ajuizaram habeas corpus afirmando que estão sendo mantidos em “prisão territorial” e que o impedimento de sair do país, medida excessivamente desproporcional, deveria ser afastado até o trânsito em julgado da ação de cobrança.
Técnicas indiretas
O relator do pedido no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem reconhecido que a apreensão de passaporte limita a liberdade de locomoção do indivíduo, o que pode significar, dependendo do caso concreto, constrangimento ilegal e arbitrário, passível de ser analisado em habeas corpus.
Entretanto, o ministro também lembrou que as turmas de direito privado do tribunal firmaram orientação no sentido de que o juiz pode se valer de técnicas executivas indiretas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, conforme o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil.
“Buscando garantir um processo eficiente, o legislador quis disponibilizar ao magistrado um poder geral de efetivação, autorizando o uso de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para pressionar psicologicamente o executado a cumprir, voluntariamente, a obrigação”, disse.
Gastos incompatíveis
Por possuírem caráter subsidiário – ressaltou o relator –, a adoção dessas providências atípicas deve observar os requisitos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. “Dessa forma, apenas estarão autorizadas quando constatadas, no caso concreto, a falta de efetividade da medida típica e a presença de indícios de que o devedor vem ocultando o seu patrimônio para frustrar a execução”, destacou.
O ministro verificou que a decisão que determinou a apreensão do passaporte dos sócios destacou a incompatibilidade da alegada falta de recursos com a realização de viagens ao exterior. Para o relator, os deslocamentos internacionais – sejam a negócios ou para visitar familiares – “certamente acarretam dispêndios incompatíveis com a alegação de falta de recursos”.
“Nesse contexto, não se constata arbitrariedade na medida coercitiva estabelecida pelas instâncias ordinárias, pois evidenciada a inefetividade das medidas típicas adotadas”, concluiu o ministro ao não conhecer do pedido de habeas corpus.
O recurso ficou assim ementado:
“HABEAS CORPUS”. PROCESSUAL CIVIL. CPC⁄15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC. RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA GARANTIA DA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. ATENDIMENTO ÀS DIRETRIZES FIXADAS PELAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ.1. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, não é cabível a impetração de “habeas corpus” como sucedâneo de recurso próprio, salvo nos casos de manifesta ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente,quando a ordem poderá ser concedida de ofício. Precedentes.2. Esta Corte Superior de Justiça, pelas suas duas Turmas da Seção de de Direito Privado, tem reconhecido que o acautelamento de passaporte é medida capaz de limitar a liberdade de locomoção do indivíduo, o que pode significar constrangimento ilegal e arbitrário, passível de ser analisado pela via do “habeas corpus”3. A adoção desta medida coercitiva atípica, no âmbito do processo de execução, não configura, em si, ofensa direta ao direito de ir e vir do indivíduo, razão pela qual a eventual abusividade ou ilegitimidade da ordem deve ser examinada no caso concreto.4. Segundo as diretrizes fixadas pela Terceira Turma desta Corte, diante da existência de indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio (REsp 1.782.418⁄RJ e REsp 1788950⁄MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgados em 23⁄4⁄2019, DJe 26⁄4⁄2019).5. In casu, a Corte estadual analisou a questão nos moldes estatuídos pelo STJ, não se denotando arbitrariedade na medida coercitiva adotada com fundamento no art. 139, IV, do CPC, pois evidenciada a inefetividade das medidas típicas adotadas, bem como desconsiderada a personalidade jurídica da empresa devedora, uma vez constatada a sua utilização como escudo para frustrar a satisfação do crédito exequendo.6. Ausência, ademais, de indicação de meio executivo alternativo menos gravoso e mais eficaz pelos executados, conforme lhes incumbia, nos termos do parágrafo único do art. 805 do CPC⁄2015.7. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, INEXISTINDO SUBSTRATO PARA O DEFERIMENTO DA ORDEM DE OFÍCIO.
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