Com fundamento em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido da reponsabilidade de provedores de acesso à internet manterem dados cadastrais de seus usuários mesmo antes do Marco Civil da Internet, de 2014, a Terceira Turma rejeitou o recurso de provedor condenado a fornecer informações sobre um usuário que, em 2009, invadiu o e-mail de uma pessoa e disparou mensagens ofensivas aos destinatários.
O provedor alegou que passou a armazenar os dados 23 dias após os fatos narrados na ação, mas o colegiado entendeu que a obrigatoriedade de registro e armazenamento dessas informações já estava disciplinado no Código Civil de 2002.
Nos autos da ação de obrigação de fazer, a autora disse que o invasor redigiu mensagens com ameaças e ofensas e as enviou para outras pessoas a partir de seu e-mail.
O juiz de primeiro grau determinou à empresa telefônica o fornecimento das informações para identificação do invasor, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. A sentença foi parcialmente reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo apenas para conceder o prazo de 48 horas para o cumprimento da obrigação e para reduzir a multa diária a R$ 1 mil.
No recurso especial dirigido ao STJ, a empresa telefônica alegou que antes de 2009 não armazenava informações de conexão à internet feitas a partir de redes móveis. Afirmou também que, no período da suposta invasão do e-mail, o IP tinha atribuição dinâmica, ou seja, um único número de registro era utilizado por vários usuários.
Dever de armazenamento
A ministra Nancy Andrighi, relatora, apontou que o STJ tem o entendimento de que as prestadoras de serviços de internet estão sujeitas ao dever legal de registro de suas atividades durante o prazo prescricional de eventual ação de reparação civil, conforme previsto pelo artigo 1.194 do Código Civil de 2002. Segundo ela, os dados armazenados pelos provedores devem ser suficientes para a identificação do usuário.
“Dessa forma, com base nesses fundamentos, pode-se concluir que o provedor de acesso já possuía o dever de armazenar os dados cadastrais e os respectivos logs de seus usuários, para que estes pudessem ser identificados posteriormente, mesmo antes da publicação da Lei 12.965/2014, que instituiu o Marco Civil da Internet”, afirmou a ministra.
Em relação ao argumento de que o IP dinâmico impediria a identificação do usuário, Nancy Andrighi também citou precedentes da Terceira Turma no sentido de que o número do IP foi projetado para ser único, de modo que, em cada acesso, ela corresponda a um único dispositivo conectado à rede.
“Assim, mesmo com a utilização do IP dinâmico, ao se determinar o local e a hora de acesso, é possível a identificação do usuário”, concluiu a ministra.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. INTERNET. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE ACESSO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. DEVER. GUARDA DOS DADOS. OBRIGAÇÃO. PRAZO. DEVER DE ARMAZENAMENTO. POSSIBILIDADE FÁTICA E JURÍDICA DO PEDIDO. MULTA DIÁRIA. CABIMENTO.1. Ação ajuizada em 25⁄11⁄2009. Recurso especial interposto em 17⁄02⁄2014 e atribuído a este Gabinete em 25⁄08⁄2016.2. O propósito recursal consiste na verificação da obrigatoriedade da apresentação de informações relativas ao número IP o qual acessou sem autorização a conta de e-mail da recorrida, apesar das alegações de impossibilidade técnica da recorrente.3. Ausentes a omissão, a contradição e o erro material, não há violação ao art. 535 do CPC⁄73.4. A jurisprudência do STJ está orientada no sentido de estabelecer um dever jurídico dos provedores de acesso de armazenar dados cadastrais de seus usuários durante o prazo de prescrição de eventual ação de reparação civil. Julgados desta Corte Superior.5. Descabimento da alegação de impossibilidade fática ou jurídica do fornecimento de dados cadastrais a partir da identificação do IP, conforme precedentes do STJ.6. Não subsiste a alegação de que o uso de IP dinâmico – consistente naquele não atribuído privativamente a um único dispositivo – impediria a identificação do seu usuário em determinado momento.7. É possível a imposição de multa diária para o caso de descumprimento da ordem, mesmo que seja para a apresentação de dados cadastrais.8. Recurso especial não provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1785092