A ausência de indeferimento expresso e fundamentado acerca do pedido de concessão da Justiça gratuita implica o reconhecimento de seu deferimento tácito, desde que a parte não tenha praticado qualquer ato incompatível com o pleito de gratuidade.
Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu não ter havido renúncia tácita ao pedido de assistência judiciária gratuita quando o postulante do benefício, após solicitar a gratuidade, recolheu as custas iniciais, e posteriormente o juiz consignou no processo que o autor da ação gozaria da Justiça gratuita.
“A despeito da anterior prática de ato incompatível do recorrente com o seu pleito de concessão da gratuidade de Justiça, houve posterior menção, por parte do julgador, de que o autor da ação estaria gozando dos benefícios da Justiça gratuita, de forma que o recorrente, ao interpor o seu recurso de apelação, agiu sob legítima expectativa de deferimento da benesse”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.
Ao dar provimento ao recurso, a ministra destacou que o juiz em nenhum momento indeferiu expressamente e com fundamentos o pedido de gratuidade, “de forma que não há como se exigir do recorrente o recolhimento de preparo da apelação posteriormente interposta”.
Ação de cobrança
No caso analisado pelo colegiado, o recorrente, em petição inicial de ação de cobrança, pediu a concessão da Justiça gratuita. O juiz abriu prazo para ele apresentar comprovantes da situação de miserabilidade.
Os documentos apresentados, no entanto, não foram os solicitados pelo julgador, que determinou novamente a entrega da documentação, sob pena de indeferimento da Justiça gratuita.
Em vez de juntar a documentação solicitada, o recorrente procedeu ao recolhimento das custas judiciais. Após a citação da parte contrária e o oferecimento de contestação, o julgador proferiu decisão que determinou a produção de prova pericial, registrando expressamente que o ônus de arcar com o pagamento dos honorários do perito seria da ré, tendo em vista que o autor gozaria dos benefícios da Justiça gratuita.
Jurisprudência
Segundo a ministra Nancy Andrighi, a Corte Especial do STJ entende que se presume o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita não expressamente indeferido por decisão fundamentada.
A ministra afirmou que isso pode ocorrer, inclusive, na instância especial, “pois a ausência de manifestação do Poder Judiciário quanto ao pedido de assistência judiciária gratuita leva à conclusão de seu deferimento tácito, a autorizar a interposição do recurso cabível sem o correspondente preparo” (AgRg no EAREsp 440.971).
A relatora destacou que também é pacífico no STJ o entendimento de que a prática de ato incompatível com o interesse da concessão dos benefícios da Justiça gratuita configura a preclusão lógica do tema. No caso julgado pela Terceira Turma, porém, o ato incompatível foi praticado antes da manifestação do juiz indicando que a parte gozaria da gratuidade.
Ao dar provimento ao recurso especial, a ministra afastou a deserção da apelação interposta no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. PLEITO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. APELAÇÃO. DESERÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.1. Ação ajuizada em 18⁄01⁄2012. Recurso especial atribuído ao gabinete em 26⁄08⁄2016. Julgamento: CPC⁄73.2. Ação de cobrança, por meio da qual se objetiva o pagamento de indenização securitária relativa ao seguro DPVAT.3. O propósito recursal – a fim de que se possa concluir pela deserção ou não do recurso de apelação – é definir se houve a renúncia tácita ao pedido de concessão da assistência judiciária gratuita pelo fato de o recorrente ter procedido ao recolhimento das custas iniciais.4. Presume-se o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita não expressamente indeferido por decisão fundamentada, inclusive na instância especial. Precedentes.5. A ausência de indeferimento expresso e fundamentado acerca do pleito de concessão da benesse implica no reconhecimento de seu deferimento tácito, desde que, obviamente, a parte não tenha praticado qualquer ato incompatível com o seu pleito de concessão dos benefícios da justiça gratuita.6. Na espécie, o recorrente, ao invés de juntar a documentação exigida pelo julgador, preferiu proceder ao recolhimento das custas iniciais, de forma que, em um primeiro momento, pensa-se na efetiva prática de ato incompatível com o pleito de deferimento dos benefícios da justiça gratuita. Ocorre que os atos que sucederam ao recolhimento das custas por parte do recorrente revelam inegável particularidade a ser considerada no presente processo.7. É que a despeito da anterior prática de ato incompatível do recorrente com o seu pleito de concessão da gratuidade de justiça, houve posterior menção, por parte do julgador, de que o autor da ação estaria gozando dos benefícios da justiça gratuita, de forma que o recorrente, ao interpor o seu recurso de apelação, agiu sob legítima expectativa de deferimento da benesse.8. Agrega-se a isso o fato de que, em nenhum momento nos autos, houve o indeferimento expresso e fundamentado do pleito do recorrente, de forma que não há como se exigir do mesmo o recolhimento de preparo da apelação posteriormente interposta. A deserção de seu recurso deve ser, portanto, afastada.9. Recurso especial conhecido e provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1721249