Um cabeleireiro que sofreu humilhação, constrangimento e exposição vexatória por sua orientação sexual quando participava como jurado de uma gincana, em tradicional colégio de Blumenau, será indenizado por danos morais em R$ 5 mil. A instituição de ensino foi condenada por decisão da 3ª Câmara Civil do TJ/SC, em matéria sob a relatoria do desembargador Marcus Tulio Sartorato, ao permitir que seus alunos promovessem ataque de cunho homofóbico contra o profissional, em fato registrado em agosto de 2013.
Segundo os autos, o cabeleireiro fora convidado para atuar como jurado em uma das provas da gincana escolar, intitulada “penteado maluco”. Divididos em equipes, os estudantes tinham que apresentar cortes de cabelo vanguardistas. Após avaliar todos os candidatos, o jurado – sozinho nesta condição – repassou o resultado ao professor que coordenava o concurso, responsável pelo anúncio do vencedor. Foi nesse momento que integrantes das equipes descontentes com o resultado, presentes no ginásio do colégio, puxaram coro que atacou o moral do profissional: “Bicha, bicha, bicha…”.
O cabeleireiro sustentou que, em razão desses fatos e também pelo descaso da instituição de ensino, que não agiu para interromper as ofensas verbais proferidas pelos alunos, sofreu abalo anímico, motivo pelo qual ingressou com a ação judicial. Em 1º grau, contudo, seu pleito não prosperou. Para o juiz, parte das testemunhas ouvidas não confirmou os apupos e, mais que isso, a eventual responsabilidade pela ação dos estudantes recairia sobre seus pais e não sobre o estabelecimento de ensino.
Contudo, ao analisar o recurso, o desembargador Sartorato fez outra leitura dos fatos. Inicialmente, apontou que três pessoas ouvidas nos autos – e justamente aquelas que disseram não ter tomado conhecimento dos xingamentos homofóbicos – eram funcionários do colégio. Por esse motivo, explicou, tais testemunhas devem ser tratadas apenas como informantes. Com base na doutrina, esclareceu ainda que enquanto o aluno se encontra no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade, este responde não somente por sua incolumidade como também pelos atos ilícitos praticados pelo discente a terceiros ou a outro educando.
“Assim, constatado o ilícito civil praticado pelos alunos que estavam sob o dever de vigilância da instituição de ensino, e aplicando-se a teoria da responsabilidade objetiva (…) impõe-se à ré o dever de indenizar eventual dano suportado pelo autor”, afirmou. Esclarecida esta situação, o desembargador não teve dificuldade para entender que o cabeleireiro sofreu efetivamente danos morais, merecedores de reparo.
“A ofensa motivada por condição pessoal é capaz de atingir as esferas mais íntimas do ofendido, causando-lhe sentimentos de humilhação, de exclusão e de desprezo, e ataca valores estimados não apenas à pessoa a quem se dirigiu a ofensa, senão a toda a sociedade e também ao direito, em cuja base se encontram os imperativos de inclusão, pluralismo e fraternidade”, escreveu o relator no acórdão. A decisão foi unânime.
O recurso ficou assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS VERBAIS DE CUNHO HOMOFÓBICO PROFERIDAS CONTRA O AUTOR POR ALUNOS DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO RÉ EM EVENTO ORGANIZADO PELO COLÉGIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO DO AUTOR. PRELIMINAR. CONTRADITA DE DUAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA RÉ. DEPOENTES QUE, ALÉM DE POSSUÍREM VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O COLÉGIO BOM JESUS, PARTICIPAVAM DO EVENTO ESCOLAR, UM NA CONDIÇÃO DE INSTRUTOR DOS ALUNOS, E O OUTRO NA QUALIDADE DE ORGANIZADOR DA GINCANA EM QUE OS FATOS RELATADOS NA INICIAL OCORRERAM. EVIDENTE INTERESSE NO LITÍGIO ORIUNDO DA EVENTUAL ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE À EMPREGADORA. COMPROMISSO LEGAL INEXIGÍVEL. DECLARAÇÕES SOPESADAS EM CONFORMIDADE COM A CONDIÇÃO DE INFORMANTES DO JUÍZO. EXEGESE DOS ART. 447, § 3º, II, §§ 4º e 5º, e ART. 457, § 2º, AMBOS DO CPC. NULIDADE DA SENTENÇA, PORÉM, NÃO DECLARADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO MÉRITO DE FORMA FAVORÁVEL À PARTE A QUEM APROVEITAVA A NULIDADE. MÉRITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO PELOS ATOS PRATICADOS PELOS ALUNOS QUE ESTAVAM SOB SUA RESPONSABILIDADE. ARTS. 932, IV, e 933, DO CÓDIGO CIVIL. CONJUNTO PROBATÓRIO A EVIDENCIAR A OCORRÊNCIA DE OFENSAS VERBAIS DE CONOTAÇÃO HOMOFÓBICA PROFERIDAS POR ALUNOS DESCONTENTES COM O RESULTADO DA PROVA DA GINCANA ESCOLAR EM QUE O AUTOR PARTICIPOU COMO JURADO. ATO ILÍCITO CONSTATADO. ABALO MORAL CARACTERIZADO. OFENSA DIRECIONADA À CONDIÇÃO ÍNTIMA DA PESSOA COM CLARO INTUITO DE HUMILHAÇÃO. EXPOSIÇÃO NEGATIVA DA IMAGEM PESSOAL E PROFISSIONAL DO AUTOR, QUE FOI APRESENTADO NA OCASIÃO POR SEU OFÍCIO PROFISSIONAL. VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CARÁTER PÚBLICO DAS OFENSAS. CAPACIDADE FINANCEIRA DA OFENSORA. FIXAÇÃO EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. 1. A responsabilidade dos estabelecimentos de educação está fixada de forma não muito clara no mesmo dispositivo que cuida dos donos de hotéis. O art. 932, IV, estatui que a hospedagem para fins e educação faz com que o hospedeiro responda pelos atos do educando. […] Em princípio, deve ser alargado o dispositivo. Não se deve restringir o alcance apenas aos estabelecimentos que albergam os alunos sob a forma de internato ou semi-internato, hoje quase inexistentes no país. Enquanto o aluno se encontra no estabelecimento de ensino e sob sua responsabilidade, este é o responsável não somente pela incolumidade física do educando, como também pelos atos ilícitos praticados por este a terceiros ou a outro educando. Esse dever de vigilância é, desse modo, tanto no tocante a atos praticados contra terceiros como contra os próprios alunos e empregados do estabelecimento. É pressuposto, contudo, da indenização, que o educando esteja sob vigilância do estabelecimento quando do ato danoso (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2010, p. 105-106). 2. A ofensa motivada por condição pessoal é capaz de atingir as esferas mais íntimas do ofendido, causando-lhe sentimentos de humilhação, de exclusão e de desprezo, e ataca valores estimados não apenas à pessoa a quem se dirigiu a ofensa, senão a toda a sociedade e também ao direito, em cuja base se encontram os imperativos de inclusão, pluralismo e fraternidade. 3. O abalo moral decorrente de ofensa de cunho homofóbico – assim como aquele decorrente de discriminação de teor racista, sexual, capacitista ou em razão da idade – ocorre in re ipsa e, por isso, prescinde de comprovação para que se o reconheça.
Apelação Cível n. 0603261-66.2014.8.24.0008