União deve indenizar servidor em desvio de função atingido por disparo de arma de fogo

Após ser atingido por disparo de arma de fogo durante assalto em seu local de trabalho e, consequentemente, ficar impossibilitado de exercer as funções, um servidor público ajuizou ação na Justiça Federal solicitando indenização por danos morais.

De acordo com os autos, no momento do disparo, o servidor operava na função de vigilante, com desvio da atividade de operário de campo para a qual fora contratado. Com base nisso, a 5ª Turma do TRF1 condenou a União a indenizar o servidor, tendo em vista que ao desviar a função original do autor para a de vigilante a administração o colocou em posição de risco.

O Colegiado entendeu que o requerente estava sob a tutela estatal em decorrência da prestação do serviço, sendo da administração a responsabilidade de zelar pela integridade física e pela segurança dos servidores no local de trabalho.

“Além de o desvio de função verificado, o fato é que o autor estava na prestação de serviço, dentro da escola onde exercia suas funções, quando foi alvejado por um terceiro que empreendeu roubo contra a repartição pública, o que densifica a responsabilidade do Estado. Isto porque, tendo a administração colocado o servidor em serviço alheio às suas atribuições institucionais, sob sua ordem direta, é inegável que assumiu o risco quanto aos eventuais danos sofridos pelo servidor, ainda que provenientes de fato de terceiro”, afirmou o relator, juiz federal convocado Emmanuel Mascena de Medeiros.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. TERMO A QUO NA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INVALIDEZ. MÉRITO. SERVIDOR ALVEJADO POR DISPARO DE ARMA DE FOGO NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA ONDE EXERCIA A FUNÇÃO. RESPONSABILDIADE DO ESTADO PELA SEGURANÇA DO SERVIDOR EM SERVIÇO. FATO DE TERCEIRO DE CARÁTER PREVISÍVEL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO ROMPIDO. DANOS MORAIS PRESUMIDOS EM DECORRÊNCIA DA INVALIDEZ. VALORES ARBITRADOS PELO JUÍZO A QUO MANTIDOS. APELAÇÕES IMPROVIDAS. REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA PARA ADEQUAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO.

1. Se a própria União reconheceu a invalidez do autor somente em 2005, quando da aposentação do autor, é essa data de que deve ser considera como ciência inequívoca por parte do autor acerca de sua condição de invalidez. Pelo laudo médico de fls. 36, poderia ter o autor mera expectativa de que não pudesse mais trabalhar, o que só foi confirmado, contudo, pela aposentação. Dito de outro modo, a ciência inequívoca da condição incapacitante somente se efetiva com a concessão da aposentadoria por invalidez, inexistindo prescrição a ser declarada, já que a ação foi ajuizada em 07/08/2008, logo, menos de 5 anos contados da aposentadoria, que se deu em 21/07/2005.

2. A questão posta nestes autos envolve o exame da responsabilidade civil da ré pelos danos sofridos pelo autor quando exercia seu trabalho dentro da sede do órgão público respectivo.

3. O desvio de função está comprovado pela certidão emitida pelo próprio Diretor da Instituição de Ensino em que o autor foi alvejado no ano de 1996, conforme fls. 230, não tendo a União feito prova que desconstitua tal registro, que é corroborado pelo documento de fls. 119, que trata do registro de acompanhamento do servidor, do qual consta que esteve em disfunção como vigilante durante 05 anos, inclusive no dia 28/08/1996, quando foi baleado durante assalto à Escola em que laborava.

4. Ademais, para a configuração da responsabilidade civil do Estado na hipótese, é igualmente importante verificar se o autor estava sob a tutela estatal, em decorrência da prestação do serviço, já que o Estado é responsável pela integridade física de seus servidores quando estes estão no exercício de sua missão institucional. Com efeito, a administração tem a responsabilidade de zelar pela integridade física e a segurança de seus servidores no local de trabalho.

5. Assim, além do desvio de função verificado, o fato é que o autor estava na prestação de serviço, dentro da Escola onde exercia suas funções, quando foi alvejado por um terceiro que empreendeu roubo contra a repartição pública, o que densifica a responsabilidade do Estado.. Isto porque, tendo a administração colocado o servidor em serviço alheio às suas atribuições institucionais, sob sua ordem direta, é inegável que assumiu o risco quanto aos eventuais danos sofridos pelo servidor, ainda que provenientes de fato de terceiro.

6. Assim, não se vislumbra a ocorrência de caso fortuito ou força maior para se afastar a responsabilidade da União, porque as notas marcantes de tais excludentes legais são a imprevisibilidade e a inevitabilidade. Essas características não são observáveis neste caso. Primeiramente, porque é previsível que, ao desviar o autor da função de operário de campo para a função de vigilante, inegavelmente perigosa, a administração colocou o servidor em posição que sabidamente é de risco. Além disso, os prédios públicos desprovidos de medidas de reforço na segurança estão inegavelmente mais expostas a intempéries provocadas por terceiros, sobretudo quando localizados em áreas afastadas, sendo certo que, no caso concreto, não se demonstrou a presença de número de vigilantes compatível com o tamanho da escola e com o número de frequentadores (Emarc – Escola Media de Agropecuária Regional da Ceplac, em Valença/BA), malgrado a instituição de ensino esteja edificada próximo à rodovia, como bem anotado pela sentença, sendo inegavelmente lugar mais propício à atuação criminosa de terceiros, posto que tem menor vigilância pública ostensiva, facilitando a execução do crime e a própria fuga.

7. Ademais, o dano moral é indiscutível, posto que in re ipsa, na medida em que a lesão sofrida pelo autor em virtude de disparo de arma de fogo em local de serviço, que acabou ocasionando sua invalidez, por óbvio impõe fardo incalculável sob a sua condição psicológica, independentemente de prova específica de qualquer constrangimento.

8. Por fim, reputo que os valores arbitrados para os danos morais, no importe de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), estão dentro de um patamar razoável a ser observado para casos desta estirpe, em que a consequência é a aposentadoria por invalidez do servidor, não havendo que se falar em redução ou majoração.

9. Ao contrário do que sustenta a União, não há que se falar na aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, eis que, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, tal dispositivo, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 870947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/9/2017 (repercussão geral).

10. Assim sendo, como a sentença foi omissa ao fixar o índice de correção, determino a aplicação do IPCA-E, a contar da sentença, nos termos da Súmula 362-STJ. Juros de mora pelo índice da poupança, desde a citação (TRF-1 – AC: 00752039420144013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 05/06/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 12/06/2019).

11. Apelações desprovidas e remessa necessária provida apenas para fixar o IPCA-E como índice de correção monetária, desde o arbitramento dos danos morais, com juros da poupança desde a citação.

Processo: 0010416-75.2008.4.01.3300

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