A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, negou recurso especial interposto por um empresário que moveu ação de cobrança para receber suposto empréstimo de R$ 430 mil feito por ele a um sindicato da área esportiva. Para o colegiado, as circunstâncias do processo indicam a caracterização de doação da quantia, fato que não foi confrontado com nenhum documento pelo empresário.
No processo, o sindicato alegou que o dinheiro transferido tinha sido doado e apresentou comprovante de pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, mas o juiz julgou procedente a ação e determinou que a entidade pagasse o valor ao empresário – sentença reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
No voto acompanhado pela maioria da Terceira Turma, o ministro Moura Ribeiro explicou que, segundo os fatos demonstrados no processo, após algumas negociações, o empresário e sua esposa responderam a um e-mail do sindicato afirmando que seria realizada uma doação em dinheiro.
Doação de pequeno valor pode ser verbal
O magistrado observou que a falta de escritura pública ou instrumento particular não descaracteriza a doação, tendo em vista que, como entendeu o tribunal paulista, o empresário possui um patrimônio bilionário, de forma que o valor transferido pode ser considerado pequeno, atraindo a regra do artigo 541, parágrafo único, do Código Civil. Essa orientação, enfatizou, foi fixada no Enunciado 622 da VIII Jornada de Direito Civil.
Segundo Moura Ribeiro, embora o contrato de mútuo não possua requisito nem exija solenidade, era de se esperar que, caso se tratasse realmente de um empréstimo, o empresário tivesse providenciado a formalização de um documento com a especificação do negócio, do vencimento, da forma de pagamento e das garantias, entre outros elementos.
O ministro destacou que, nos termos do artigo 373, incisos I e II, do Código de Processo Civil, incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, e, ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Ao manter o acórdão do TJSP, Moura Ribeiro concluiu que o sindicato conseguiu comprovar a existência de fato extintivo do direito do autor, derrubando a alegação de empréstimo e demonstrando que o negócio jurídico firmado entre as partes foi uma doação.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. TRANSFERÊNCIA DO VALOR REALIZADO COMO DOAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recurso interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
Nos termos dos incisos I e II do art. 373 do NCPC, incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
As circunstâncias fáticas delimitadas pelo acórdão recorrido, passível de revaloração por esta Corte Superior, convergem para a realização da doação do dinheiro transferido, ressaltando a inexistência documento que traga algum indício da realização do alegado empréstimo.
O mútuo não possui requisito necessário ou exige solenidade. Todavia, se, de um homem médio não se espera a realização de mútuo gratuito verbal no valor de R$430.000,00, muito menos de um empresário da área financeira. Não é o costume; daí a presunção homnis da realização de doação, porque quem pode evita o prejuízo.
O termo pequeno valor constante do parágrafo único do art. 541 do CC/02 deve considerar o patrimônio doador comparado com o bem doado.
Recurso especial a que se nega provimento.
Leia o acórdão no REsp 1.902.405.