Sindicato é advertido por expor versão distorcida dos fatos do processo

Depoimento lido na sessão como se fosse da federação dos trabalhadores é do presidente do sindicato empresarial

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho advertiu o Sindicato das Empresas de Vigilância, Segurança, Transporte de Valores e Curso de Formação do Estado do Amazonas (Sindesp) em razão da exposição, por seu advogado, de versão distorcida dos fatos do processo. Segundo o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, os princípios da boa-fé e da lealdade processual exigem que todas as partes do processo, em especial os advogados, adotem comportamento diligente, transparente e confiável, e o descumprimento dos deveres éticos previstos na legislação pode ensejar a aplicação de penalidade processual.

Nulidade

A entidade patronal pretendia a nulidade de cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho 2018/2019 firmada com a Federação Profissional dos Vigilantes Empregados em Serviços de Vigilância, Transporte de Valores, Curso de Formação, Segurança Pessoal, Vigias, Similares e Afins do Norte e Nordeste (Fesvine). O argumento era a suposta identificação, após a assinatura do documento, da inclusão de benefícios que não haviam sido discutidos nas negociações. Segundo o Sindesp, a federação dos empregados teria agido de má-fé, ao permanecer inerte quando solicitada a sanar as irregularidades apontadas.

Cláusulas

Segundo o relator do recurso empresarial, ministro Mauricio Godinho Delgado, na sessão telepresencial da SDC de 16/11/2020, o advogado da entidade patronal apresentou oralmente, “com enorme eloquência”, sua versão dos fatos para convencer a seção de que quatro cláusulas foram alteradas indevidamente no curso da negociação, a ponto de induzir a erro o Sindesp ou caracterizar o dolo da federação dos empregados.

Confissão

A tese central da sustentação oral baseou-se na suposta confissão do preposto da federação dos empregados de que teria reconhecido um equívoco na redação das cláusulas. Segundo o ministro, essa afirmação causou certa perplexidade, pois o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR), após exaustivo exame das provas, convenceu-se de que não foram comprovados nem o dolo da federação nem o erro do sindicato empresarial passível da nulidade do ato praticado.

Depoimento

O relator observou que o depoimento transcrito no recurso e lido na sessão da SDC como se fosse a confissão da federação dos trabalhadores foi extraído do depoimento do presidente do sindicato empresarial. O advogado da entidade expôs uma versão distorcida dos depoimentos prestados em audiência, na tentativa de convencer que a parte contrária teria confessado a ocorrência de um fato que, ao final da instrução, não fora provado. “Fica, portanto, a parte advertida quanto às penalidades da lei pela reiteração de conduta contrária ao ordenamento jurídico, já que expôs, por descuido ou temeridade, uma artificial e inadequada versão dos fatos do processo, provocando sério risco de estimular um julgamento fundado em valoração equivocada da prova”, afirmou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO DAS EMPRESAS DE VIGILÂNCIA, SEGURANÇA, TRANSPORTE DE VALORES E CURSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO DO AMAZONAS. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. AÇÃO ANULATÓRIA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PRETENSÃO ANULATÓRIA DO INSTRUMENTO NORMATIVO.

  1. SUSTENÇÃO ORAL DO ADVOGADO DA PARTE RECORRENTE EM SESSÃO TELEPRESENCIAL DA SDC. DEFESA DE TESE COM APOIO EM ENQUADRAMENTO EQUIVOCADO DA CONFISSÃO. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E LEALDADE PROCESSUAL. ADVERTÊNCIA SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DO DESVIO DOS DEVERES ÉTICOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO. Em primeiro lugar, é preciso destacar e examinar os argumentos reiterados pelo Advogado do Sindicato Empresarial na sustentação oral realizada na sessão telepresencial desta SDC no dia 16/11/2020. Neste ponto, salienta-se que a participação ativa das partes na defesa de seus interesses, trazendo aos autos alegações e provas que auxiliarão o Julgador na formação de seu convencimento, é conduta absolutamente regular e condizente com o princípio da cooperação, a partir do qual se espera que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º do CPC/15). O amplo direito de defesa, de influenciar o Julgador a se convencer de que as suas razões são as mais justas, porém, não pode ser exercido a qualquer custo, com exageros, com exacerbações ou artificialismos, sob pena de abuso dessa posição jurídica. É por isso, inclusive, que existem diversas balizas éticas na legislação processual que regem a conduta das Partes no processo, todas decorrentes dos princípios da boa-fé e lealdade processual. Ilustrativamente, o art. 77 do CPC, que estabelece uma série de deveres para a observância da adequada realização dos atos processuais; e o art. 80 do CPC, que enumera um rol de atos tipificados como de má-fé, passíveis de penalidade processual. Na situação vertente, o Advogado do Sindicato Autor apresentou com eloquência sua versão sobre os fatos para convencer a Seção de que as cláusulas “17ª – Adicional de Periculosidade”, “18ª – Diárias”, “45ª – da Jornada de Trabalho” e “46ª – Intervalo Intrajornada” tiveram suas redações indevidamente alteradas unilateralmente no curso da negociação, a ponto de incidir em equívoco e tentar induzir também a equívoco a compreensão dos fatos da causa. Na sustentação oral, a tese central para a declaração de nulidade da CCT baseou-se em suposta confissão do preposto da Federação obreira, no sentido de que este teria reconhecido que houve um equívoco na redação das cláusulas que constaram no instrumento normativo assinado pelas Partes. Causou certa perplexidade, a este Relator, essa afirmação do Sindicato patronal, uma vez que a confissão consiste em um meio de prova relevante para a solução da lide, e o Tribunal Regional – perante quem se desenvolveu toda a instrução processual, em contato direto com as partes e todos os elementos dos autos – sequer tangenciou essa questão em sua decisão. Examinando melhor os fatos, porém, verifica-se que a declaração transcrita no apelo e lida, eloquentemente, na sessão como se fosse a confissão da Parte Ré (ou seja, a Federação dos Trabalhadores) foi extraída do depoimento prestado pelo Presidente do SINDESP (o Sindicato Autor, o Sindicato Empresarial) – e não pela FESVINE, parte ré -, conforme consta na ata da audiência realizada no TRT no dia 15/2/2019. Como se sabe, a confissão ocorre quando “a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário” (art. 389 do CPC), sendo logicamente impossível que a parte confesse um fato que beneficie a si própria. O que se observa, pois, é que o Sindicato Autor (patronal) expõe uma versão distorcida dos depoimentos prestados em audiência, na tentativa de convencer que a Parte contrária confessou a verdade de um fato que, ao final, não foi provado nos autos. Registre-se que os princípios da boa-fé e lealdade processual (art. 5º do CPC) exigem que todos os partícipes do processo, em especial os Advogados, adotem um comportamento diligente, transparente e confiável. O descumprimento dos deveres éticos previstos na legislação processual pode, inclusive, ensejar a aplicação de penalidade processual prevista nos art. 81, caput, do CPC/15 e no art. 793-C, caput, da CLT. Fica, portanto, a Parte advertida quanto às penalidades da lei pela reiteração de conduta contrária ao ordenamento jurídico, já que expôs, por descuido ou temeridade, uma artificial versão dos fatos do processo, com grave risco de provocar um julgamento fundado em valoração equivocada da prova.

  2. VÍCIO DE VONTADE NÃO DEMONSTRADO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Cinge-se a controvérsia em examinar se o ato de composição de interesses consubstanciado na assinatura da CCT 2018/2019 pelas Partes em 6/7/2018 encontra-se eivado de algum vício passível de anulação. É cediço que a convenção coletiva de trabalho, como acordo de vontade entre sujeitos coletivos sindicais, inscreve-se na linha genérica dos negócios jurídicos privados bilaterais e/ou plurilaterais. No caso concreto, os elementos essenciais à validade do negócio jurídico – a CCT 2018/2019 – encontram-se presentes: partes capazes e legítimas, objeto lícito e forma prescrita em lei – art. 104, I a III, do CCB/2020. A esses três classicamente acolhidos, soma-se a higidez da manifestação de vontade (ou consenso válido), sobre a qual o Sindicato Autor (patronal) aponta o alegado defeito. Note-se que a complexidade do processo de negociação coletiva e a relevância das repercussões do instrumento normativo no plano das inúmeras relações individuais de trabalho de certa comunidade laboral pressupõe a atuação diligente e cuidadosa de entidades sindicais com força institucional, em consonância com a responsabilidade que lhes é outorgada pela Constituição da República (art. 8º, III, VI). Na situação vertente, não há controvérsia sobre o fato de que o instrumento normativo autônomo foi assinado em conjunto pelos representantes de entidades sindicais, na sede do Sindicato Autor, após uma série de reuniões e a confirmação de seu conteúdo pelos signatários com a assessoria dos advogados presentes. Diante desse contexto, a eventual declaração de nulidade do negócio jurídico, especificamente em relação a quatro cláusulas e com base em suposto erro ou dolo da Federação Obreira, conforme pretende o Sindicato Autor, depende de demonstração inequívoca do vício que tenha atingido sua vontade, por meio de robusta prova. Contudo, após a análise de todo o conteúdo probatório dos autos, não ficou demonstrado o alegado vício de consentimento. Por isso, deve ser mantida a decisão do Tribunal Regional, que julgou improcedente a ação anulatória. Recurso ordinário desprovido.

Processo: RO-282-80.2018.5.11.0000

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