A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um homem condenado por roubo que foi reconhecido pela vítima a partir de fotografias retiradas por ela da rede social de um corréu. Para o colegiado, além de as fotos encontradas pela vítima terem sido a única prova que embasou a condenação, o reconhecimento formal do suspeito foi realizado – tanto na delegacia quanto em âmbito judicial – sem respeitar as regras do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).
De acordo com o processo, a vítima foi assaltada por dois homens em uma moto e acionou imediatamente a polícia. Os agentes conseguiram capturar o piloto, mas a pessoa que estava na garupa fugiu.
Em investigação própria, a vítima descobriu o perfil do homem preso em uma rede social e, vasculhando sua lista de amigos, encontrou fotos que seriam do comparsa. A vítima levou as fotos à delegacia, onde se formalizou o ato de reconhecimento – procedimento depois repetido em juízo.
Reconhecimento baseado na memória visual pode levar a falsas identificações
Relator do habeas corpus no STJ, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que, assim como o reconhecimento formal de pessoas, a identificação feita a partir da lista de amigos do corréu em rede social teve por base apenas a memória visual da vítima sobre a fisionomia de alguém que, no dia do crime, foi visto por poucos segundos e sob grande tensão emocional.
O ministro observou que, segundo vários estudos, a vítima em tais circunstâncias pode ser levada a identificações equivocadas, razão pela qual esse reconhecimento, por si só, não é suficiente para comprovar com segurança a autoria do delito.
Além disso, o relator ressaltou que o ato de reconhecimento realizado na delegacia descumpriu os requisitos do artigo 226 do CPP, tendo em vista que não constaram do termo as características da pessoa a ser reconhecida e havia apenas a fotografia do acusado. Na fase judicial, o reconhecimento foi novamente feito em desacordo com o CPP.
Acidente sofrido pelo réu pode indicar fenômeno dos “erros honestos”
Segundo Rogerio Schietti, a defesa apresentou documentos comprovando que o réu tinha se envolvido em acidente de carro um mês antes do crime e sofrido fratura em uma perna. Sobre esse ponto, consta nos autos que, em decorrência do acidente, o acusado estava afastado do trabalho pelo INSS na data dos fatos e assim ficou até dois meses depois do crime.
O ministro relatou, ainda, que uma testemunha disse ter visto o réu com bota ortopédica na véspera do assalto, o que contrasta com a narrativa da vítima de que o criminoso teria descido da moto para anunciar o assalto e, depois, escapado da polícia ao fugir correndo.
Schietti comentou que não se trata de uma insinuação de que a vítima teria mentido, mas que pode ter ocorrido no caso o fenômeno dos “erros honestos” – hipótese em que há uma percepção equivocada da vítima sobre o que realmente aconteceu e quem são as pessoas envolvidas, podendo haver uma distorção da realidade.
“O que se pondera, apenas, é que, não obstante a vítima esteja sendo sincera, isto é, afirmando aquele fato de boa-fé, a afirmação pode não corresponder à realidade por decorrer de um ‘erro honesto’, causado pelo fenômeno das falsas memórias”, concluiu.