Quinta Turma admite prova bancária obtida no exterior conforme a lei local e sem autorização judicial

Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em situação de cooperação jurídica internacional, as diligências feitas em países estrangeiros conforme as leis locais são válidas no Brasil mesmo se não houver prévia autorização judicial ou participação das autoridades centrais.

Com esse entendimento unânime, o colegiado negou provimento a recurso da defesa e manteve a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) a um réu acusado de crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

O relator, ministro Ribeiro Dantas, explicou que não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento de dados bancários que, no exterior, foram obtidos sem prévia autorização judicial, quando tal autorização não era exigida pela legislação local.

Além disso, ele assinalou que, “respeitadas as garantias processuais do investigado, não há prejuízo na cooperação direta entre as agências investigativas, sem a participação das autoridades centrais”.

Bane​​stado

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o recorrente foi denunciado pelo crime de evasão de divisas (artigo​ 22 da Lei 7.492/1986) e por manter depósito de valores no exterior de 1999 a 2005, sem a declaração respectiva ao órgão competente no Brasil.

A denúncia decorreu de inquérito instaurado pela Polícia Federal no âmbito de investigações sobre contas bancárias que receberam recursos oriundos de agência do extinto Banco do Estado do Paraná (Banestado) na cidade de Nova York.

No recurso ao STJ, a defesa sustentou que todo compartilhamento de provas entre Brasil e Estados Unidos deveria passar pelas autoridades centrais de ambos os países, sendo ilícita a colaboração informal entre as respectivas agências investigativas e órgãos acusadores. A defesa pediu ainda que fossem desconsiderados os dados e extratos bancários remetidos por autoridades norte-americanas à Polícia Federal e à 2ª Vara Federal de Curitiba, os quais comprovaram haver depósito em conta-corrente no Delta National Bank de Nova York em nome do acusado.

O relator lembrou que, em hipóteses semelhantes, também em processos derivados das investigações do Caso Banestado, as duas turmas de direito penal do STJ já se manifestaram pela validade das provas obtidas por meio de cooperação jurídica internacional na modalidade de auxílio direto.

Coope​ração

Segundo Ribeiro Dantas, a colaboração entre Brasil e EUA é regulada pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (conhecido pela sigla MLAT, de Mutual Legal Assistance Treaty), incorporado ao ordenamento nacional pelo Decreto 3.810/2001.

O ministro destacou que o acordo institui um procedimento específico para as solicitações de cooperação, com a participação das autoridades centrais de cada país – Ministério da Justiça, no Brasil, e procurador-geral, nos Estados Unidos.

Dessa forma, frisou o magistrado, o MLAT busca facilitar a cooperação entre os Estados signatários, não só pelo rito estabelecido no artigo 4º do acordo (em que a solicitação é feita pela autoridade central do país requerente), mas também por qualquer outra forma de assistência (artigo 1º, 2, “h”), ajuste ou outra prática bilateral cabível (artigo 17).

“Tratar o procedimento formal do artigo 4º como impositivo, sob pena de nulidade das provas obtidas por formas atípicas de cooperação, desconsideraria o teor desses textos normativos e violaria frontalmente o artigo 1º, 5, do acordo”, observou.

Garantias proces​​suais

Para o ministro, no caso julgado, foram respeitadas as garantias processuais do investigado durante a cooperação direta que ocorreu entre as agências investigativas.

“A ilicitude da prova ou do meio de sua obtenção somente poderia ser pronunciada se a parte recorrente demonstrasse alguma violação de suas garantias ou das específicas regras de produção probatória, o que não aconteceu”, afirmou.

Ribeiro Dantas acrescentou que, como a manutenção de valores na agência do Delta National Bank ocorreu em Nova York, é à luz da legislação daquele estado que deve ser aferida a licitude da obtenção das provas, segundo o artigo 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

“Nesse ponto, não há controvérsia: tanto o recorrente como o acórdão recorrido concordam que o acesso às informações bancárias ocorreu em conformidade com a legislação então vigente no estado de Nova York”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EVASÃO DE DIVISAS. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492⁄1982. ALEGADA ILICITUDE DAS PROVAS QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO. DADOS BANCÁRIOS OBTIDOS POR AUTORIDADES NORTE-AMERICANAS, EM CONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO LOCAL, E REMETIDAS À POLÍCIA FEDERAL. FALTA DE PARTICIPAÇÃO DAS AUTORIDADES CENTRAIS DE BRASIL E EUA NESTE PROCEDIMENTO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ACORDO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA FIRMADO ENTRE OS DOIS PAÍSES. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO DE ORDEM PÚBLICA (ART. 17 DA LINDB). DESCABIMENTO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. O recorrente se insurge contra o reconhecimento da licitude das provas que fundamentaram sua condenação (a saber, dados e extratos bancários remetidos por autoridades norte-americanas à PF e à 2ª Vara Federal de Curitiba⁄PR, os quais demonstravam a existência de depósito em conta corrente no Delta National Bank de Nova Iorque).
2. Em hipóteses semelhantes, também em processos derivados das investigações do Caso Banestado, as duas Turmas da Terceira Seção desta Corte Superior já se manifestaram pela validade das provas obtidas por meio de cooperação jurídica internacional na modalidade de auxílio direto.
3. A colaboração entre Brasil e EUA é regulada pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (conhecido pela sigla MLAT, de Mutual Legal Assistance Treaty), incorporado ao ordenamento nacional pelo Decreto 3.810⁄2001. Seu art. 4º institui um procedimento específico para as solicitações de cooperação, com a participação das autoridades centrais de cada país (o Ministério da Justiça, no Brasil, e o Procurador-Geral, nos EUA).
4. O MLAT busca facilitar a cooperação entre os Estados signatários, não só pelo rito do art. 4º (em que a solicitação é feita pela autoridade central do país requerente), mas também por “qualquer outra forma de assistência” (art. 1º, n. 2, “h”), “ajuste ou outra prática bilateral cabível” (art. 17). Tratar o procedimento formal do art. 4º como impositivo, sob pena de nulidade das provas obtidas por formas atípicas de cooperação, desconsideraria o teor destes textos normativos e violaria frontalmente o art. 1º, n. 5, do Acordo.
5. Respeitadas as garantias processuais do investigado, não há prejuízo na cooperação direta entre as agências investigativas, sem a participação das autoridades centrais. A ilicitude da prova ou do meio de sua obtenção somente poderia ser pronunciada se a parte recorrente demonstrasse alguma violação de suas garantias ou das específicas regras de produção probatória, o que não aconteceu.

Leia o acórdão.​​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 701833

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