Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em razão de sua natureza executória, é da competência do juízo estatal a ação de despejo por falta de pagamento, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes.
Na controvérsia analisada pelo colegiado, um shopping center ajuizou ação de despejo por falta de pagamento contra uma empresa locatária. Além de parar de pagar, a empresa teria abandonado o imóvel locado em 17 de junho de 2010, acumulando-se uma dívida de R$ 182 mil.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença que declarou o contrato de locação rescindido. A corte estadual afastou a competência do juízo arbitral sob o fundamento de que, por estar resolvido o contrato de pleno direito, em razão do abandono do imóvel, teria sido superada a necessidade de apresentação do objeto do litígio ao árbitro, estando exaurido o seu conteúdo.
Ao STJ, a locatária sustentou que as partes celebraram expressamente o compromisso de submeter ao juízo arbitral todos os litígios decorrentes do contrato, renunciando ao direito de recorrer ao Poder Judiciário.
Cláusula arbitral tem força vinculante
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, explicou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que, por acordo de vontades, as partes podem subtrair do Judiciário a solução de determinadas questões, submetendo-as aos árbitros (REsp 1.331.100).
O magistrado destacou que, na hipótese analisada, a controvérsia surgiu exatamente pela previsão, no contrato, de cláusula estabelecendo que a solução das demandas ocorreria na instância arbitral, regida pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996).
Para Salomão, a cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo a competência do juízo arbitral eleito para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais sobre os quais os litigantes possam dispor – o que revoga a jurisdição estatal.
Árbitro não tem poder coercitivo direto
Todavia, ressalvou o ministro, embora a convenção arbitral exclua a apreciação do Judiciário, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, pois os árbitros não têm poder para a prática de atos executivos – como afirmam vários precedentes do tribunal.
“Especificamente em relação ao contrato de locação e à sua execução, a Quarta Turma do STJ decidiu que, no âmbito do processo executivo, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, já que os árbitros não são investidos do poder de império estatal para a prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto”, destacou o relator.
Ação de despejo
No caso julgado, segundo Salomão, não se tratou propriamente de execução de contrato de locação, mas de ação de despejo por falta de pagamento e imissão na posse em razão do abandono do imóvel. Mesmo assim, ressaltou, não é possível designar a competência ao juízo arbitral.
Despejo é ação executiva lato sensu
“A ação de despejo tem o objetivo de rescindir a locação, com a consequente devolução do imóvel ao locador ou proprietário, sendo enquadrada como ação executiva lato sensu, à semelhança das possessórias”, observou o magistrado.
“Diante da sua peculiaridade procedimental e sua natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão na posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo”, acrescentou.
Assim, o relator negou provimento ao recurso especial – por fundamento diverso do adotado pelo acórdão do TJSP – e reconheceu a competência exclusiva do juízo togado para apreciar a ação de despejo, “haja vista a natureza executória da pretensão”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO E ABANDONO DO IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ESTABELECENDO QUE A REGÊNCIA E A SOLUÇÃO DAS DEMANDAS OCORRERÃO NA INSTÂNCIA ARBITRAL. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO E ABANDONO DO IMÓVEL. NATUREZA EXECUTÓRIA DA PRETENSÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO TOGADO PARA APRECIAR A DEMANDA.
1. A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a jurisdição estatal.
2. No processo de execução, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal para a prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto.
3. Especificamente em relação ao contrato de locação e sua execução, o STJ já decidiu que na “execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, haverá limitação material do seu objeto de apreciação pelo magistrado. O Juízo estatal não terá competência para resolver as controvérsias que digam respeito ao mérito dos embargos, às questões atinentes ao título ou às obrigações ali consignadas (existência, constituição ou extinção do crédito) e às matérias que foram eleitas para serem solucionadas pela instância arbitral (kompetenz e kompetenz), que deverão ser dirimidas pela via arbitral. A exceção de convenção de arbitragem levará a que o juízo estatal, ao apreciar os embargos do devedor, limite-se ao exame de questões formais do título ou atinentes aos atos executivos (v.g., irregularidade da penhora, da avaliação, da alienação), ou ainda às relacionadas a direitos patrimoniais indisponíveis, devendo, no que sobejar, extinguir a ação sem resolução do mérito” (REsp 1465535⁄SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21⁄06⁄2016, DJe 22⁄08⁄2016).
4. A ação de despejo tem o objetivo de rescindir a locação, com a consequente devolução do imóvel ao locador ou proprietário, sendo enquadrada como ação executiva lato sensu, à semelhança das possessórias.
5. Em razão de sua peculiaridade procedimental e natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão na posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo. Com efeito, a execução na ação de despejo possui característica peculiar e forma própria. Justamente por se tratar de ação executiva lato sensu, verifica-se ausente o intervalo que se entrepõe entre o acatamento e a execução, inerente às ações sincréticas, visto que cognição e execução ocorrem na mesma relação processual, sem descontinuidade.
6. Na hipótese, o credor optou por ajuizar ação de despejo, valendo-se de duas causas de pedir em sua pretensão – a falta de pagamento e o abandono do imóvel –, ambas não impugnadas pela recorrente, para a retomada do bem com imissão do credor na posse. Portanto, há competência exclusiva do juízo togado para apreciar a demanda, haja vista a natureza executória da pretensão.
7. Recurso especial não provido.