A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que a prescrição referente a pedido de anulação ou desconstituição de alterações de contrato social, em caso em que foi reconhecida a natureza contratual, é de quatro anos, regendo-se pelo artigo 178 do Código Civil de 1916, em vigor quando da realização das alterações.
Segundo os sócios que ingressaram com a ação, foi realizada uma série de alterações no contrato social da empresa, registrada na Junta Comercial entre 1994 e 1996. As irregularidades teriam modificado de forma errônea o percentual de participação dos sócios, em virtude de atualização monetária.
Origem
A representação do sócio já falecido, acusado de ter cometido irregularidades, defendeu que a alteração relativa às cotas se justifica pelo restabelecimento da participação de um dos sócios, que não concluiu a integralização de imóvel prometido.
Conforme os autos, a ação foi proposta em agosto de 2001. O juízo de primeiro grau considerou o pedido prescrito de acordo com o artigo 286 da Lei das S.A., ou seja, adotou o prazo de dois anos. Nas razões recursais, os sócios argumentaram que não houve prescrição porque seria aplicável à situação o artigo 442 do Código Comercial, com prazo de 20 anos.
LSA versus Código Comercial
A relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, explicou que a Lei das S.A. trata de prazo referente à anulação de deliberações tomadas em assembleia geral ou especial, o que não é o caso. Também não se aplica o prazo de 20 anos previsto no Código Comercial, que trata especificamente da pretensão relativa a inadimplemento de obrigações comerciais contraídas por escritura pública ou particular por sociedade.
“Haja vista a inexistência de elementos nos autos que indiciem que as alterações contratuais que os recorrentes pretendem desconstituir tenham se originado de deliberações tomadas em alguma espécie de conclave de sócios, o prazo prescricional de dois anos do artigo 286 da LSA não é aplicável à hipótese”, esclareceu a relatora.
Quanto às regras previstas no Código Comercial, a ministra explicou que não cabem na situação em análise, porque não há discussão acerca de obrigações comerciais, “uma vez que se trata aqui de pretensão de invalidação de alterações promovidas em contrato social”.
Espécie peculiar
Diante dessa análise, a Terceira Turma do STJ concluiu que, no caso, aplica-se o artigo 178, parágrafo 9º, V, do Código Civil de 1916, o qual estabelece que a ação de anular ou rescindir contratos prescreve em quatro anos, pois se trata de pedido de regularização de alterações societárias nas quais ocorreram erro ou simulação.
“Ainda que o contrato social constitua uma espécie bastante peculiar de contrato, não se pode descartar a aplicação das normas gerais de direito civil à sua disciplina – ainda que seja extreme de dúvidas a não incidência de toda e qualquer regra relativa à formação, ao inadimplemento e à extinção dos contratos em geral –, sobretudo quando se verifica, como no particular, a ausência de previsão legal específica a respeito da questão controvertida”, concluiu a ministra Nancy Andrighi.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ALTERAÇÃO DE CONTRATO SOCIAL. SOCIEDADE LIMITADA. PRESCRIÇÃO. DECRETO 3.078⁄1919. LEI DAS S⁄A E CÓDIGO COMERCIAL. INAPLICABILIDADE À SITUAÇÃO FÁTICA. CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES CONCERNENTES À ANULAÇÃO DE CONTRATOS. PRETENSÃO PRESCRITA.1- Ação ajuizada em 29⁄8⁄2001. Recurso especial interposto em 13⁄12⁄2013 e concluso à Relatora em 25⁄8⁄2016.2- O propósito recursal é definir se a pretensão deduzida na inicial – desconstituição de alterações promovidas no contrato social da empresa recorrente – está prescrita.3- Os fatos narrados na inicial ocorreram na vigência do Decreto 3.708⁄1919 – que regulava as sociedades por cotas de responsabilidade limitada –, do Código Comercial e do Código Civil de 1916.4- A norma do art. 286 da Lei das S⁄A (de aplicação subsidiária às sociedades limitadas) cuida especificamente do prazo incidente sobre pretensões deduzidas com o objetivo de anulação de deliberações tomadas em assembleia-geral ou especial, circunstância distinta da tratada neste processo.5- Por outro lado, os fatos narrados na inicial também não se subsomem à norma legal invocada pelos recorrentes, veiculada pelo art. 442 do Código Comercial, pois tal regra trata especificamente da prescrição da pretensão derivada do inadimplemento de obrigações comerciais contraídas por escritura pública ou particular pela sociedade.6- Reconhecida a natureza contratual do contrato social, afigura-se razoável, à míngua de qualquer disposição legal que lhe seja própria, o entendimento no sentido de que a prescrição incidente sobre a pretensão de anulação ou desconstituição de alterações nele promovidas rege-se, em circunstâncias como a verificada na hipótese, de acordo com a disposição do art. 178 do CC⁄16 (art. 178, II, CC⁄02 – decadência), que fixa prazo de quatro anos para seu exercício.7- Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.