No caso de seguro-garantia, é incabível a denunciação da lide pela seguradora àquele que, em contrato de contragarantia, assumiu a posição de fiador, para o fim de ressarcir o pagamento de eventual indenização securitária.
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as relações jurídicas estabelecidas pela seguradora com o segurado são autônomas em relação àquelas mantidas com o tomador/garantidor; o direito de regresso da seguradora pode ser posteriormente exercido em ação distinta; e a denunciação inaugura lide incidental capaz de tumultuar o processo principal.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para indeferir a litisdenunciação dos fiadores do contrato de contragarantia firmado entre a seguradora e uma usina.
Cobrança de indenização contra a seguradora
Segundo os autos, uma cooperativa de produtores de cana-de-açúcar ajuizou ação de cobrança de indenização securitária contra uma companhia de seguros. No pacto firmado entre a seguradora e a cooperativa, foi coberto o risco do não cumprimento de cinco diferentes contratos de entrega futura, celebrados entre a cooperativa e três de suas cooperadas.
As usinas cooperadas, por sua vez, firmaram com a seguradora, na condição de tomadoras, contratos de contragarantia. Ainda na vigência dos contratos de entrega futura, garantidos pela empresa de seguros, as usinas tomadoras requereram recuperação judicial e o desligamento da cooperativa, o que fez com que se antecipasse o vencimento das obrigações.
Ao julgar a ação de cobrança do seguro, o juízo de primeiro grau deferiu o pedido de denunciação da lide aos fiadores do contrato de contragarantia firmado entre a seguradora e uma das usinas tomadoras.
O TJSP confirmou a sentença, entendendo que seria suficiente para justificar a denunciação da lide a existência do contrato de contragarantia, tendo como base o artigo 70, III, do Código de Processo Civil de 1973.
No recurso especial submetido ao STJ, a cooperativa alegou que a matéria em discussão é fundada em contrato de seguro-garantia, e não em fiança dada por terceiros em contragarantia a apenas uma das partes. Pleiteou, portanto, a rejeição da litisdenunciação dos fiadores do contrato de contragarantia.
Cumprimento das obrigações assumidas com o segurado
Segundo o relator do caso, ministro Moura Ribeiro, o objetivo do seguro-garantia é assegurar o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador, que é quem contrata o seguro perante o segurado, o qual, por sua vez, será o beneficiário da indenização securitária.
O ministro explicou que o contrato de contragarantia é o pacto previamente firmado entre a seguradora e o tomador (contratado), por força do qual este e seus eventuais fiadores ratificam a obrigação de ressarcir os danos causados, indenizando a seguradora pelos valores desembolsados com o pagamento do seguro, tudo a fim de autorizar a emissão da apólice que regulará a relação entre o segurado e a seguradora.
Moura Ribeiro destacou que, conforme precedentes do STJ, a denunciação da lide somente se torna obrigatória quando a omissão da parte implica a perda do seu direito de regresso, hipótese não retratada no inciso III do artigo 70 do CPC/1973 (REsp 1.635.636).
“A relação segurado-seguradora é independente da relação tomador-seguradora, havendo apenas subordinação por um ou mais fatos (ou condições ou motivos), que dão à seguradora o direito de acionar o tomador para ressarci-la quando esta pagar ao segurado os prejuízos por ele sofridos em razão do inadimplemento do tomador”, afirmou.
No entender do magistrado, apesar do contrato de contragarantia, com sua previsão do dever de reembolso por parte da tomadora, a melhor interpretação do artigo 70, III, do CPC/1973 “implica a reforma do acórdão recorrido”, por não ser possível, de forma direta, denunciar a lide aos fiadores desse contrato.
Para o relator, integrar os fiadores do contrato de contragarantia ao processo poderia tumultuá-lo, retardando a prestação jurisdicional e abrindo uma lide paralela, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. SUPOSTA OMISSÃO. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS LEGAIS. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL E AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NºS 282 E 284 DO STF. CONTRATO DE CONTRA GARANTIA. PEDIDO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE AOS FIADORES. DESCABIMENTO. RECURSO PROVIDO.
- O presente recurso especial foi interposto contra decisão publicada na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016:
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
- Não se pode conhecer da apontada violação ao art. 1.022 do NCPC, porque as alegações que fundamentaram a suposta ofensa são genéricas, sem indicação efetiva dos pontos omissos, contraditórios ou obscuros. Tal deficiência, impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula nº 284 do STF, aplicável, por analogia, neste Tribunal Superior.
- A alegada afronta dos arts. 6°, 244, 264 e 472, todos do CPC/73, além de não estar prequestionada, não possue comando normativo compatível com a tese e o pedido recursal, para que seja afastada a litis denunciação.
Incidência das Súmulas nºs 282 e 284, ambas do STF, igualmente aplicadas por analogia.
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O objetivo do seguro garantia é o de assegurar o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador, que é aquele que contrata o seguro perante o segurado, e que, por sua vez, será o beneficiário da indenização securitária.
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O contrato de contragarantia é o pacto previamente firmado entre a seguradora e o tomador (contratado), por força do qual este (e seus eventuais fiadores) ratifica(m) a obrigação de ressarcir os danos causados, indenizando a seguradora pelos valores desembolsados com o pagamento do seguro, tudo a fim de autorizar a emissão da apólice que regulará a relação entre o segurado e a seguradora.
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Conforme reiterado entendimento desta Corte, a denunciação da lide somente se torna obrigatória quando a omissão da parte implicar perda do seu direito de regresso, hipótese não retratada no inciso III do art. 70 do CPC/73.
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A relação segurado-seguradora é independente da relação tomador-seguradora, havendo apenas subordinação por um ou mais fatos (ou condições ou motivos), que dão à seguradora o direito de acionar o tomador para o ressarcir quando esta pagar ao segurado os prejuízos por ele sofridos em razão do inadimplemento do tomador.
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Em que pese o contrato de contragarantia, prevendo o dever de reembolso por parte da tomadora, a melhor interpretação do art. 70, III, do CPC/73, implica a reforma do acórdão recorrido, tendo em conta que não é possível, de forma direta, denunciar da lide aos fiadores do mencionado contrato.
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Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
Leia o acórdão no REsp 1.713.150.