Para a Sexta Turma, não se trata de ultratividade da norma, mas de sua prorrogação por comum acordo
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação da Spread Teleinformática Ltda. ao pagamento de multas normativas pelo descumprimento, em 2018, de cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho de 2017. Segundo a relatora, ministra Kátia Arruda, a discussão não envolve a chamada ultratividade das normas coletivas (permanência automática das cláusulas, mesmo após o término de sua vigência), mas de acordo para a manutenção da validade da convenção, até que novo instrumento seja definido.
Acordo e descumprimento
O caso julgado na Turma trata da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) de 2017 celebrada entre o Sindicato dos Empregados de Empresas de Processamento de Dados do Estado de São Paulo e a Spread. Após o término de sua vigência, o sindicato e a empresa acordaram, em janeiro de 2018, que, enquanto o novo instrumento normativo era discutido, permaneceriam válidas as cláusulas da CCT de 2017.
Após diversas rodadas, as negociações foram encerradas sem acordo, e o sindicato ajuizou dissídio coletivo no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Em agosto de 2018, a entidade ajuizou nova ação, visando ao pagamento de multas normativas por descumprimento de cláusulas da CCT de 2017. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) acolheram a pretensão.
Ultratividade
A Spread, ao recorrer ao TST, sustentou que a CCT 2017 teria perdido a eficácia com o ajuizamento do dissídio coletivo, que encerraria a prorrogação acertada. Outro argumento foi o de que o STF havia determinado a suspensão de todos os processos em que se discute a ultratividade de acordos e convenções coletivas de trabalho, objeto de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 323).
Ato negocial legítimo
Esse argumento, no entanto, foi afastado pela relatora, ministra Katia Arruda. Ela explicou que o objeto da ação de cumprimento são os efeitos de um ato negocial legítimo entre as partes, pelo qual ficou acordada a aplicação da CCT de 2017 de maneira indefinida no tempo, até a celebração de nova convenção, a fim de evitar o vazio normativo.
Segundo a ministra, não se ignora que a ADPF 323, em que foi concedida liminar para determinar a suspensão dos processos sobre o tema, está pendente de julgamento pelo STF. “Contudo, no caso em questão, não está em discussão a ultratividade de normas coletivas”, assinalou.
A ministra considera que o entendimento em sentido contrário violaria o princípio da autodeterminação coletiva e o reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, XXVI, da Constituição da República).
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMADA.
Na sistemática vigente na Sexta Turma à época da prolação da decisão monocrática, após ter sido reconhecida a transcendência das matérias objeto do recurso de revista da reclamada, negou-se provimento ao agravo de instrumento, ante o não preenchimento de outros requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
AÇÃO DE CUMPRIMENTO. CCT 2017/2017. MULTAS NORMATIVAS. ATO NEGOCIAL ATRIBUINDO EXPRESSAMENTE EFEITO CONSERVATIVO À CCT 2017/2017 E ESTABELECENDO QUE A VIGÊNCIA PERDURARIA ATÉ A CELEBRAÇÃO DE NOVA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
1 – Mantém-se a decisão monocrática com acréscimo de fundamentação.
2 – De plano, verifica-se que, nas razões do presente agravo, a parte não impugna o fundamento constante da decisão agravada quanto à inespecificidade do aresto colacionado nas razões de revista.
3 – Também é importante salientar que não se ignora que, muito embora o STF tenha julgado prejudicadas as ADIs 2200 e 2288, ajuizadas contra a revogação de preceitos da Lei nº 8.542/1992 que dispunham sobre a chamada ultratividade das convenções e acordos coletivos de trabalho, ainda está pendente de julgamento pelo STF a ADPF 323, na qual foi concedida liminar para determinar a suspensão de todos os processos em curso que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas coletivas.
4 – Contudo, no caso concreto, não está em discussão a ultratividade das normas coletivas por força de lei ou da jurisprudência.
5 – Com efeito, é incontroverso que se trata de ação de cumprimento da CCT 2017/2017, ajuizada pelo sindicato ora agravado em razão da inobservância, pela ora agravante, das cláusulas 11ª (pagamento da primeira parcela do 13º salário até 1º de julho) e 5ª (adiantamento salarial 40%), ambas da CCT 2017/2017.
6 – No acórdão recorrido foi mantida a condenação imposta na sentença ao pagamento das multas normativas pelo descumprimento das referidas cláusulas, sendo que, em relação à cláusula 5ª (adiantamento salarial 40%), a condenação foi imposta apenas partir do término da vigência do ACT 2017/2018 (25/04/2018) – celebrado diretamente entre o Sindicato e a ora agravante -, mediante o qual a agravante ficou dispensada da obrigatoriedade de efetuar adiantamentos salariais aos seus empregados.
7 – De outro lado, observa-se que a delimitação constante no acórdão recorrido, segundo o trecho transcrito no recurso de revista, é de que, após o término da vigência da CCT 2017/2017 (31/12/2017), tiveram início as negociações coletivas para a CCT 2018, tendo as partes acordado expressamente, na 1ª Reunião da Negociação Coletiva, a subsistência da validade da CCT 2017/2017, nesses termos: “Restou acordado a garantia da data base janeiro de 2018 e que, enquanto não for definida uma nova CCT, permanecerá válida a Convenção Coletiva/2017“.
8 – O TRT noticiou, ainda, que “as categorias não chegaram a uma composição quanto aos termos da norma coletiva e encerraram as negociações, conforme Circular de nº 12/2018, enviado pelo SEPROSP aos associados na data de 27/03/2018 (fl. 223), a qual informa que o sindicato suscitou Dissídio Coletivo no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região“.
9 – Diante desse contexto, o TRT adotou a compreensão de que “a ata da 1ª reunião de negociação de 2018 (fls. 102/103) realizada entre os sindicatos refere-se a um ato negocial válido, que estabeleceu efeito conservativo à Convenção Coletiva de 2017/2017, de forma indefinida no tempo, possuindo como marco final resolutivo a celebração de novo instrumento coletivo“, ressaltando que “a controvérsia não diz respeito à norma coletiva, mas a um ato negocial que estipulou efeito conservativo à Convenção Coletiva de 2017, evitando-se, com isso, o consequente vazio normativo“.
10 – Desse modo, como bem salientado na decisão monocrática agravada, percebe-se que a discussão não gira em torno da ultratividade da CCT 2017/2017, mas sim dos efeitos de legítimo ato negocial celebrado entre as partes, pelo qual ficou acordada a aplicação do referido instrumento normativo de maneira indefinida no tempo (efeito conservativo), cuja condição resolutiva residiu expressamente na celebração de nova CCT, com a finalidade de evitar o vazio normativo. Não se trata da ultratividade da norma coletiva em si, mas de uma negociação entre as partes, resultando em um acordo válido, já que decorrente da autodeterminação coletiva dos próprios atores sociais. Entendimento contrário violaria o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.
11 – Nesse passo, não se sustenta a tese da ora agravante de que a manutenção da condenação ao pagamento das multas normativas não se coadunaria com a decisão proferida na Medida Cautelar na ADPF 323-DF e violaria o artigo 614, § 3º, da CLT (“Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.“), uma vez que, como já exaustivamente referido, não se discute no caso concreto a ultratividade de norma coletiva.
12 – Por fim, é preciso consignar que a versão de que a instauração do dissídio coletivo teria encerrado qualquer possibilidade de prorrogação da CCT 2017/2017 não foi objeto de enfrentamento no acórdão recorrido, razão pela qual a parte não logrou efetuar no recurso de revista o indispensável confronto analítico de teses, previsto no artigo 896, § 1º-A, inciso III, da CLT, não havendo reparos a fazer na decisão monocrática também nesse particular.
13 – Agravo a que se nega provimento.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. AÇÃO PROPOSTA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/17.
1 – Mantém-se a decisão monocrática com acréscimo de fundamentação.
2 – Considerando que não foi acolhida a insurgência recursal da ora agravante no tema “AÇÃO DE CUMPRIMENTO. CCT 2017/2017. MULTAS NORMATIVAS. ATO NEGOCIAL ATRIBUINDO EXPRESSAMENTE EFEITO CONSERVATIVO À CCT 2017/2017 E ESTABELECENDO QUE A VIGÊNCIA PERDURARIA ATÉ A CELEBRAÇÃO DE NOVA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO“, não há falar na alegada improcedência da presente ação capaz de ensejar a condenação do sindicato-reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, razão por que – como bem assinalado na decisão monocrática – afigura-se impertinente a invocação da norma do artigo 791-A, § 4º, da CLT, a qual versa sobre as condições de execução das obrigações decorrentes da sucumbência no caso de beneficiário da justiça gratuita.
3 – Desse modo, impunha-se a negativa de provimento do agravo de instrumento, não se sustentando a versão de que o despacho denegatório do recurso de revista da ora agravante importou cerceamento do seu direito de defesa, estando ileso o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.
4 – Agravo a que se nega provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: 1001093-04.2018.5.02.0055