A 4ª Turma Cível do TJDFT manteve decisão que concede a um motorista de van escolar a possibilidade de revisão contratual e consequente suspensão do pagamento do financiamento de dois veículos contratado com a Porto S.A. Na visão dos desembargadores, a pandemia da Covid-19 e a interrupção das aulas interferiram no orçamento mensal do autor, o que justifica o adiamento das parcelas para o final do contrato.
O autor alega desequilíbrio econômico-financeiro decorrente da alteração extraordinária, qual seja a atual pandemia da Covid-19, que o motivou a solicitar a suspensão de seis prestações vencidas, visto que, com a ausência de trabalho, ficou impossibilitado de manter seu sustento e o pagamento do contrato, conforme pactuado inicialmente. Na 1a. instância teve o pedido revisional julgado procedente.
A empresa recorreu, alegando que a sentença original acatou o pedido do autor, sem observar o fato de que ele não comprovou sua impossibilidade em cumprir com as obrigações do contrato. Acrescenta que o Banco Central autorizou a suspensão de pagamentos pelo prazo de 60 dias em determinados serviços, medida esta que não alcançou o financiamento de veículos. Ademais, considera que o autor busca pela via judicial uma chancela para renegociar dívidas, sem qualquer amparo legal ou normativo, sem antes ter buscado alternativa junto à ré, o que representaria “indevida e deletéria intromissão do Poder Judiciário na relação entre particulares”. Assim, requereu a reforma da decisão para que os pedidos fossem julgados improcedentes.
O desembargador relator lembrou que a pandemia impôs a suspensão de aulas presenciais nas redes públicas e privadas de ensino, sendo que, em muitas escolas privadas foi adotado sistema de ensino híbrido, isto é, parte presencial e parte pela internet. Além disso, de acordo com o julgador, “é possível afirmar com segurança que muitos dos pais ficaram receosos de enviar seus filhos à escola em veículos coletivos para evitar aglomerações e possíveis contaminações”. Assim, na visão dos desembargadores, há prova suficiente de que o autor sofreu perda significativa em sua condição econômica, capaz de impossibilitar a continuidade do pagamento das prestações dos dois financiamentos bancários.
“Não se trata de pessoa que inadimpliu inúmeras parcelas e depois procurou o Poder Judiciário para pleitear a anulação ou a rescisão da avença. Ao contrário, apenas solicitou a revisão contratual com o intuito de pagar o que deve, mas com o prazo ajustado às suas atuais condições financeiras”, acrescentou o magistrado.
Dessa maneira, o colegiado concluiu que restou comprovada a alteração do equilíbrio contratual provocada pela superveniência de fato extraordinário e imprevisível – a pandemia -, que impactou de maneira severa a atividade profissional de transporte escolar e tornou o cumprimento do contrato excessivamente oneroso para o contratado. Portanto, é cabível a intervenção excepcional do Poder Judiciário para determinar a postergação do pagamento de seis parcelas do financiamento para data posterior ao término do prazo de vigência inicialmente acordado.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS. PANDEMIA DO VÍRUS COVID-19. MOTORISTA DE VAN ESCOLAR. TEORIA DA IMPREVISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. BOA-FÉ OBJETIVA DEMONSTRADA. IMPACTO SOBRE A ATIVIDADE PROFISSIONAL DO AUTOR. POSTERGAÇÃO DO PRAZO DE PAGAMENTO DE SEIS PARCELAS. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CORRENTE OBJETIVA.
1. Aplicando as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, possível concluir com segurança que a atividade profissional desenvolvida pelo autor, transporte escolar de alunos, sofreu impacto significativo em decorrência da pandemia do vírus Covid-19, comprometendo de forma significativa sua renda, ainda que o demandante não comprove de maneira cabal quanto recebia antes e quanto passou a receber depois das medidas restritivas de circulação de pessoas e contato pessoal adotadas pelas esferas governamentais.
2. Comprovada a alteração do equilíbrio contratual provocada pela superveniência de fato extraordinário e imprevisível, qual seja, o surgimento da pandemia do vírus Covid-19 — que impactou de maneira severa a atividade profissional de transporte escolar e tornou o cumprimento do contrato nos exatos moldes em que ajustado excessivamente oneroso para o contratado —, afigura-se cabível a intervenção excepcional do Poder Judiciário para determinar a postergação do pagamento de seis parcelas da avença para data posterior ao término do prazo de vigência inicialmente entabulado, com base nos arts. 421 e 421-A, do CC.
3. A possibilidade de postergação do prazo de pagamento ganha reforço ante a constatação de que a conduta do autor se mostra consentânea com os ditames da boa-fé objetiva. Não se trata de pessoa que inadimpliu inúmeras parcelas e depois procurou o Poder Judiciário para pleitear a anulação ou a rescisão da avença, mas de contratante que pagou todas as prestações de ambos os financiamentos em dia, inclusive as parcelas postergadas por liberalidade da recorrente, e, estando em dia com suas obrigações, postulou a revisão do contrato, com o intuito de pagar tudo que deve, mas com o prazo ajustado às suas atuais condições financeiras.
4. O princípio que rege a distribuição dos ônus da sucumbência, como regra, é o da sucumbência, segundo o qual as partes devem arcar com as custas e honorários advocatícios na proporção em que forem vencedoras e vencidas. O princípio da causalidade é aplicado apenas subsidiariamente, quando o critério principal não é suficiente para imputar os ônus da sucumbência às partes, pela falta de parâmetros suficientes para auferir quem foi vencedor e quem foi vencido.
5. Apelo não provido.
A decisão foi unânime.
PJe2: 0706437-19.2020.8.07.0010