Jurisprudência sobre concurso busca compensar diferenças e igualar oportunidades

Diante da luta das mulheres por igualdade de direitos e de participação no mercado de trabalho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem garantido tratamento diferenciado para elas quando o assunto é concurso público com exigências físicas.

Tal tratamento tem o intuito de observar o “princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças”, como afirma o ministro Dias Toffoli – atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) – no RE 658.312, julgado sob o regime de repercussão geral. Ele garante não haver ofensa ao princípio da isonomia na aplicação de padrões diferentes dos masculinos.

Segundo Toffoli, o princípio da igualdade estabelecido pela Constituição Federal de 1988 não é absoluto, tendo a Carta Magna se utilizado de alguns critérios para o tratamento diferenciado entre homens e mulheres.

De acordo com o ministro do STF, a Constituição “levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho”.

Equilíbrio das forças produtivas

Esse entendimento está expresso no voto do ministro do STJ Herman Benjamin no RMS 47.009. O ministro explica que, ao levar em consideração a diferença de estatura entre os gêneros, o edital que prevê exigências distintas para eles e elas está em conformidade com o objetivo constitucional de “proteção e inserção da mulher no mercado de trabalho como mecanismo de equilíbrio das forças produtivas (artigo 7º, XX, da CF)”.

O caso julgado teve origem em mandado de segurança impetrado por candidato eliminado de concurso público para soldado da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, em razão da exigência de altura mínima de 1,65m para candidatos do sexo masculino. Ele alegou que, ao se fixar estatura mínima inferior para as mulheres, de 1,60m, haveria violação ao princípio da isonomia.

Conforme afirma Benjamin, “a diferenciação de critério de altura mínima entre homem e mulher para ingresso, mediante concurso, em cargo público não se afigura, por si só, como violação do princípio da isonomia”.

De acordo com o ministro, a jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no sentido de que “é constitucional a exigência de altura mínima para o ingresso em carreiras militares, desde que haja previsão legal específica”, como no caso.

Benjamin mencionou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para ilustrar que, com base nos princípios da Constituição, é admitido o tratamento diferenciado entre homens e mulheres “em situações específicas em que se consubstancie a igualdade material entre os gêneros, notadamente, como no presente caso, em que o componente distintivo orgânico indica que estatisticamente a altura média do homem brasileiro de 18 anos era de 1,72m em 2008, enquanto que a da mulher brasileira era de 1,61m (fonte: IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009)”.

Gravidez avançada

No RMS 28.400, da relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, uma candidata grávida foi excluída do concurso para soldado da Polícia Militar da Bahia por deixar de apresentar três dos 28 laudos de exames exigidos: a radiografia, o teste ergométrico e o preventivo. Isso porque estava no último mês de gravidez à época da terceira etapa do certame, e naquela fase da gestação os exames seriam prejudiciais ao bebê.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de não ser possível conferir tratamento diferenciado a candidato em razão de alterações fisiológicas temporárias, quando o edital proíbe expressamente a realização de novo teste de aptidão física, em homenagem ao princípio da igualdade, devendo ser eliminado o candidato que não comparece à realização do teste. Apesar disso, o ministro relator entendeu que “a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para lhe impor qualquer prejuízo, tendo em conta a proteção conferida pela Carta Constitucional à maternidade (artigo 6º, CF)”.

A solução para esse caso deu-se conforme o pensamento do STF, que “admite, excepcionalmente, a possibilidade de remarcação de data para avaliação, para atender o princípio da isonomia, em face da peculiaridade (diferença) em que se encontra o candidato impossibilitado de realizar o exame, justamente por não se encontrar em igualdade de condições com os demais concorrentes”.

Sebastião Reis Júnior explicou ainda que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que “não implica ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior”, como pode ser visto no AgRg no AI 825.545, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

O entendimento foi seguido pela Sexta Turma do STJ no RMS 31.505, em que se discutiu o caso de candidata a escrivã da Polícia Civil do Ceará eliminada do concurso por estar com seis meses de gravidez no momento do teste de aptidão física, o que a impediu de fazer a prova. A candidata apresentou laudo médico atestando que haveria risco para o bebê.

O edital não proibia grávidas, mas determinava que nenhum candidato teria tratamento diferenciado em razão de problemas que diminuíssem sua capacidade física ou impedissem sua participação nos testes. O colegiado, porém, entendeu que a proteção constitucional à maternidade não só autoriza como impõe a dispensa de tratamento diferenciado à candidata gestante, sem que isso represente violação ao princípio da isonomia.

Diferenciação positiva

No RMS 44.576, de relatoria do ministro Humberto Martins, um candidato ao cargo de sargento da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul alegou desigualdade para as promoções dos policiais, pois o preenchimento das vagas adota critério diferente para homens e mulheres, sendo necessários 26 anos de efetivo exercício para eles e 23 para elas.

A Segunda Turma do STJ entendeu que a diferenciação, em si mesma, “não se traduz na preterição de homens em detrimento de mulheres”, uma vez que as vagas de cada grupo são diferenciadas.

De acordo com o colegiado, há amparo legal para tal diferenciação. Também, para o ministro Martins, “a existência de critérios diferenciados para promoção de mulheres não viola o princípio da igualdade, tal como está insculpido no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal”.

O ministro ainda citou em seu voto precedente no qual o STF apreciou matéria similar e concluiu que o estabelecimento de critérios diferenciados para promoção de militares, em razão das peculiaridades de gênero, não ofende o princípio da igualdade (AI 786.568, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski).

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