A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região confirmou no dia 27 de julho por unanimidade, a sentença que obriga o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a considerar os companheiros ou companheiras homossexuais como dependentes preferenciais dos segurados ou seguradas do Regime Geral de Previdência Social. A decisão é válida para todo o Brasil e determina que o INSS dê aos casais que vivem em união estável homoafetiva tratamento idêntico ao que é dado aos casais heterossexuais, impondo exigências exatamente iguais para todos nos casos de concessão de benefícios previdenciários.
Ainda cabe recurso, mas a determinação já está em vigor desde que a sentença foi proferida, no final de 2001.O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública na 3ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre visando garantir o direito de acesso dos homossexuais aos benefícios previdenciários decorrentes do falecimento ou da prisão de seus companheiros, especificamente pensão por morte e auxílio-reclusão. Após o início da tramitação, as organizações não-governamentais Nuances – Grupo pela Livre Orientação Sexual e Grupo Gay da Bahia (GGB) passaram a atuar no processo ao lado do MPF.
Em dezembro de 2001, a então juíza substituta da vara previdenciária, Simone Barbisan Fortes, proferiu sentença obrigando o INSS a considerar a companheira ou o companheiro homossexual como dependente preferencial dos segurados da Previdência Social. O instituto apelou então ao TRF em 2002. O processo foi julgado hoje pela 6ª Turma. O desembargador João Batista Pinto Silveira, relator do caso na corte, entendeu que a decisão deve ser mantida.
Conforme o desembargador, existiria, num primeiro momento, um conflito aparente entre princípios e normas constitucionais. De um lado, salientou, o ordenamento jurídico parece considerar, para efeitos da proteção do Estado, apenas a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Entretanto, lembrou Silveira, “a mesma Carta Constitucional consagra como princípio inviolável a igualdade de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para o relator, a legislação infraconstitucional, ao proibir aos companheiros de mesmo sexo o acesso aos benefícios devidos aos dependentes dos segurados, “desrespeitou os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à igualdade”. A exclusão dos benefícios previdenciários em razão da orientação sexual, considerou Silveira, “além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas”.
Ressaltando trechos da sentença da Justiça Federal (JF) gaúcha, o desembargador destacou que a orientação sexual do indivíduo – seja voltada para a hetero, homo ou bissexualidade – não lhe confere status excepcional que enseje tratamento diferente daquele dispensado à generalidade dos cidadãos. “Não há distinção, para fins de recolhimento de contribuições previdenciárias, entre segurados hetero ou homossexuais”, salientou Silveira.
As uniões homossexuais também se constituem em entidades familiares, entendeu o relator. Para ele, seria irracional não reconhecer que, nas circunstâncias atuais, as relações entre indivíduos do mesmo sexo estão abrangidas pela noção de entidade familiar. Esta, considerou Silveira, “se constitui por laços de afetividade e necessidades mútuas, não por imperativos de ordem sexual”. De acordo com o voto, as famílias homossexuais estão se proliferando. “O amor e a convivência homossexual são uma realidade que não pode mais ficar à margem da devida tutela jurídica”, argumentou. Dessa forma, destacou o magistrado, na ausência de regras que regulamentem essas uniões, o Poder Judiciário tem tido que se manifestar e grandes estudiosos do tema têm surgido, como a desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça (TJ) do RS, e o juiz federal Roger Raupp Rios, da JF gaúcha.
Decisões jurídicas recentes, considerou Silveira, têm surgido dentro dessa nova perspectiva não discriminatória, como é o caso do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo pelo TJ/RS, inclusive com posicionamento pela competência das varas de família para julgar separações dessas uniões. No âmbito da JF da 4ª Região, lembrou o magistrado, julgamento recente garantiu a uma cidadã britânica a permanência no país em razão de sua união homoafetiva com uma brasileira. Em 1998, outra decisão do TRF, confirmada posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), permitiu a inclusão de companheiro homossexual como dependente em plano de saúde. Também as turmas previdenciárias do TRF, lembrou o desembargador, vêm se posicionando em ações individuais pela concessão do direito de pensão de companheiros homossexuais.
Silveira destacou ainda a existência de normas em tratados e convenções internacionais, das quais o Brasil é signatário, considerando que legislações proibitivas de relações sexuais entre homossexuais seriam uma interferência arbitrária na privacidade. Ele lembrou ainda que quatro países já permitem uniões civis desse tipo: Canadá, Bélgica, Holanda e Suíça.
O que determina a decisão judicial
A sentença confirmada pelo TRF, com abrangência nacional, condenou o INSS a:
a) considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial dos segurados (as) do Regime Geral de Previdência Social ( art. 16 , I , da Lei 8.213 /91 );
b) possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente, no próprio INSS, a ser feita pelo segurado (a) empregado (a) ou trabalhador (a) avulso (a);
c) possibilitar que a inscrição de companheiro ou companheira seja feita post mortem do segurado (a), diretamente pelo dependente, em conformidade com o art. 23 , I , do Decreto 3.048 /99 ;
d) passar a processar e deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros (as) do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais ( arts. 74 a 80 da Lei 8.213 /91 )
, sem exigir nenhuma prova de dependência econômica;
e) possibilitar a comprovação da união entre companheiros (as) homossexuais pela apresentação dos documentos elencados no art. 22 , § 3º , incisos III a XV e XVII do Decreto n.º 3.048 /99, bem como por meio de justificação administrativa ( art. 142 a 151 do mesmo Decreto ), sem exigir qualquer prova de dependência econômica.
2000.71.00.009347 -0
0009347-51.2000.4.04.7100