Honorários de advogado contratado para ajuizar recuperação devem ter privilégio na falência

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso apresentado pela massa falida de uma empresa que pretendia desclassificar como créditos extraconcursais os honorários devidos a um escritório de advocacia pelos serviços prestados em sua recuperação judicial.

Acompanhando o voto do relator, Luis Felipe Salomão, os ministros entenderam que o fato de a contratação dos serviços ter sido acertada verbalmente antes do deferimento da recuperação não afasta o caráter extraconcursal do crédito.

Em primeira instância, o juiz havia classificado os honorários advocatícios como créditos quirografários (sem nenhum privilégio), por entender que só poderiam ser considerados extraconcursais (que são pagos com precedência sobre os demais) os resultantes de contratos firmados após a efetiva concessão da recuperação judicial. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão e classificou os créditos dos advogados como extraconcursais.

A questão discutida, segundo o ministro Salomão, era saber se podem ser considerados extraconcursais os créditos devidos a advogados que foram contratados para formular e acompanhar o pedido de recuperação judicial, inclusive na hipótese de falência da empresa. No caso, houve contratação verbal anterior ao pedido de recuperação, e a formalização da avença só ocorreu depois.

Para o ministro, é preciso fazer uma interpretação lógico-sistemática e teleológica das normas e dos princípios norteadores da Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial e a falência de empresas.

Execução continuada

A massa falida argumentou que as obrigações com o escritório de advocacia foram assumidas antes da recuperação judicial, não podendo ser enquadradas, portanto, na classificação de extraconcursal.

De acordo com o relator, a afirmação da recorrente precisa ser analisada dentro de um contexto, já que a sociedade de advogados foi contratada justamente para formular e acompanhar o plano de recuperação.

Tendo em vista o objetivo de fomentar a continuidade da empresa, disse Salomão, “quando se tratar de crédito decorrente de contrato de execução continuada ou periódica, a data da celebração deste (verbal ou escrito) não pode ser considerada, por si só, como fato jurídico deflagrador da incidência ou não do benefício legal em comento”.

Para o magistrado, no caso analisado, houve “evidente execução continuada”, com a maior parte dos serviços sendo prestada após o deferimento da recuperação.

Riscos

Segundo o ministro, a questão ganhou importância porque a classificação quirografária poderia desestimular a recuperação judicial, já que implicaria para os advogados o risco de não receber no futuro pelo trabalho prestado às empresas em crise. Ao mesmo tempo, dificultaria que empresas encontrassem profissionais qualificados dispostos a lhes dar assistência na recuperação judicial.

Luis Felipe Salomão afirmou que a regra estabelecida no artigo 84 da Lei 11.101 “decorre da constatação de que uma legislação vocacionada ao saneamento financeiro da empresa deficitária será inócua se não contemplar privilégios especiais àqueles que, assumindo riscos consideráveis, contribuírem, efetivamente, para a reestruturação da fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA. CRÉDITO CORRESPONDENTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS À SOCIEDADE DE ADVOGADOS CONTRATADA PARA FORMULAR E ACOMPANHAR O PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DAS NORMAS E PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LEI 11.101⁄2005.

1. Os artigos 67 e 84, inciso V, da Lei 11.101⁄2005 determinam que, em caso de decretação da falência, os créditos decorrentes de obrigações contraídas durante a recuperação judicial serão classificados como créditos extraconcursais submetidos ao concurso especial estabelecido no artigo 84 do citado diploma legal, sendo pagos antes dos créditos sujeitos ao concurso geral do artigo 83 (créditos trabalhistas e equiparados, créditos com garantia real, créditos tributários, créditos com privilégio especial, créditos com privilégio geral e créditos quirografários).

2. O marco temporal estabelecido pela lei em comento para que seja reconhecida a extraconcursalidade dos créditos é o nascimento da obrigação (ou a prática do ato jurídico válido) durante a recuperação judicial.

3. Ao definir o significado da expressão “durante a recuperação judicial”, a Quarta Turma assentou que “abrange o período compreendido entre a data em que se defere o processamento da recuperação judicial e a decretação da falência, interpretação que melhor harmoniza a norma legal com as demais disposições da lei de regência e, em especial, o princípio da preservação da empresa (LF, art. 47)” (REsp 1.399.853⁄SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 10.02.2015, DJe 13.03.2015).

4. Diante deste quadro, remanesce delimitar o sentido das expressões “créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor” ou “obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados” durante a recuperação judicial, para fins de aferição da extraconcursalidade prevista nos artigos 67 e 84 da Lei 11.101⁄2005.

5. Em se tratando de crédito decorrente de contrato de execução continuada ou periódica (também chamado de contrato de duração), a inferência de que a classificação da extraconcursalidade do crédito vincula-se à data da formalização da avença não guarda coerência com o objetivo primordial do instituto da recuperação judicial, isto é, o restabelecimento da força econômica e produtiva em declínio. Assim, em regra, independentemente da data da celebração do contrato de duração, a extraconcursalidade deve ser atribuída aos créditos decorrentes do fornecimento de bens ou da prestação de serviços ocorridos após o deferimento do processamento da recuperação judicial. Exegese defluente do parágrafo único do artigo 67 da Lei 11.101⁄2005 (privilégio atribuído aos titulares de créditos quirografários que continuam a fornecer bens ou serviços) e da situação dos credores trabalhistas. Inexigibilidade de novos contratos, revelando-se suficiente a aferição do momento em que os bens ou serviços foram fornecidos⁄prestados.

6. No caso concreto, cuidando-se de contrato de evidente execução continuada (estabelecendo prestação de serviços jurídicos até o encerramento da recuperação judicial), deve-se abstrair o fato de ter sido verbalmente pactuado antes do marco temporal reconhecido pela jurisprudência. É que grande parte da assessoria advocatícia contratada foi efetivamente prestada após o deferimento do processamento da recuperação.

7. Ademais, não se pode olvidar que a atuação do advogado é imprescindível para garantir o acesso do empresário ou da sociedade empresária à recuperação judicial. Nessa perspectiva, em virtude do princípio da preservação da empresa, deve-se prestigiar a conduta do advogado (ou sociedade de advogados) que, ciente da crise econômica e financeira que acomete a recuperanda, empreende esforços concretos voltados à reestruturação da atividade empresarial, mediante a elaboração e o ingresso do pedido de recuperação judicial, além da prestação de serviços jurídicos até o seu encerramento com a decretação da falência.

8. À luz do princípio geral da presunção de boa-fé, cabia a qualquer um dos credores, à massa falida ou ao administrador judicial aventar a eventual má-fé do prestador do serviço, o que não ocorreu, sobressaindo, outrossim, a consonância dos honorários contratados com o parâmetro mínimo estipulado pela Tabela da Ordem dos Advogados do Brasil da Seção de São Paulo.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1368550

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