Durante a viagem no veículo do empregador, ele foi atingido por um tiro.
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Buffet Decorfest Ltda., de Patos de Minas (MG), ao pagamento de R$ 70 mil de indenização à viúva e aos dois filhos de um motorista que morreu durante viagem a trabalho, ao ser atingido por um tiro. Por unanimidade, o colegiado desconstituiu decisão definitiva em que não fora reconhecida a responsabilidade da empresa, por contrariedade ao entendimento consolidado do TST de que o transporte rodoviário de cargas é atividade de risco.
Viagem fatal
O motorista estava de férias, em abril de 2012, quando foi convocado pela empresa para fazer uma viagem para Brasília (DF). Conforme relato feito à polícia pela colega que o acompanhava na caminhonete, cozinheira da empresa, eles saíram juntos de Patos de Minas para trabalhar numa festa no DF. Quando trafegavam na BR-040, já próximo de Brasília, foram ultrapassados por um veículo que os seguia na mesma direção, e o vidro da janela do lado do motorista estourou. A cozinheira pensou que fosse uma pedra projetada pelo pneu do outro carro, mas o motorista disse que tinha sido baleado no peito. Dias depois, ele faleceu.
Risco social
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização da família, e a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que entendeu que as atividades da empresa de bufê e festas não se enquadram como de risco, e, portanto, ela não poderia ser responsabilizada por ação de terceiros sobre seus empregados. Segundo o TRT, trata-se, “incontroversamente, de risco social ao qual, infelizmente, todos nós estamos sujeitos”.
Ação rescisória
Após o esgotamento das possibilidades de recurso (trânsito em julgado), a família ajuizou a ação rescisória em abril de 2015, visando à desconstituição da decisão definitiva. O argumento foi de violação literal do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que trata da obrigação de indenizar. Para o TRT, contudo, não cabe, em ação rescisória, discutir a melhor ou a mais adequada interpretação jurídica de uma norma.
No recurso ao TST, a viúva sustentou que deve ser aplicada, no caso, a teoria da responsabilidade objetiva (quando a culpa não precisa ser provada), pois os riscos a que o motorista estava sujeito eram previsíveis.
Risco acentuado
A relatora do recurso ordinário, ministra Maria Helena Mallmann, observou que, em 2013, quando o pedido de indenização foi rejeitado, o TST já tinha jurisprudência consolidada de que a atividade de transporte rodoviário de cargas feita implica, por sua natureza, risco mais acentuado para o motorista do que para os demais membros da coletividade. Por essa razão, é desnecessária a caracterização da culpa, pois incide, no caso, a responsabilidade objetiva prevista Código Civil.
Por unanimidade, a SDI-2 concluiu que deveria ser reformada a sentença proferida na reclamação trabalhista para julgá-la procedente e, assim, condenar a empresa ao pagamento da indenização. O valor deve ser repartido entre a viúva e os dois filhos do motorista.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA CONTRA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ART. 485, V, DO CPC/73. MOTORISTA BALEADO DURANTE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ACIDENTE DE TRABALHO FATAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. ATIVIDADE DE RISCO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PROCEDÊNCIA DO CORTE RESCISÓRIO. No caso em tela, consta do acórdão rescindendo que o trabalhador era motorista profissional e foi convocado durante o gozo de férias para realizar uma viagem no caminhão do empregador entre a cidade de Patos de Minas/MG e Brasília/DF . Na ocasião, foi atingido por um disparo de arma de fogo procedente de um veículo que o ultrapassava, vindo a falecer. Aplica-se ao caso a razão de decidir consagrada pela Suprema Corte no RE 828.040, segundo a qual “o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade” (Tema nº 932 da Tabela de Repercussão Geral do STF). De outro lado, em 2013, quando proferido o acórdão rescindendo, já era uníssona a jurisprudência da SBDI-1/TST e Turmas do TST no sentido de que a atividade de transporte rodoviário de cargas feita por motorista de caminhão implica, por sua natureza, risco mais acentuado do que para os demais membros da coletividade, razão pela qual, nesses casos, é despicienda a caracterização da culpa ante a incidência da responsabilidade objetiva, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Portanto, a obrigação da reclamada de reparar o dano sofrido pela família do “de cujus” se dá conforme as teorias do risco proveito e profissional, segundo as quais os riscos da atividade devem ser suportados por quem dela se beneficia e o dever de indenizar decorre da atividade profissional da vítima. Desse modo, indene de dúvidas de que a referida regra foi violada em sua literalidade na decisão rescindenda, o que enseja a procedência do corte rescisório. Recurso ordinário conhecido e provido.
Processo: RO-10371-92.2015.5.03.0000