O ano judiciário no Superior Tribunal de Justiça (STJ) começa na próxima quinta-feira (1º), com sessão da Corte Especial, às 14h. Ao longo de 2024, diversos processos com grande impacto jurídico e social passarão pelo colegiado.
Um deles é o REsp 1.795.982, que trata do uso da taxa Selic para a correção de dívidas civis. O entendimento do tribunal servirá de base para todos os processos atuais e futuros nos quais se discute a correção do valor de uma condenação. A Corte Especial analisou o caso pela última vez em junho, ocasião em que o ministro Raul Araújo apresentou voto-vista divergindo do relator e concluindo pela validade da Selic na correção dessas dívidas.
No início do julgamento, em março, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, havia votado a favor de um modelo composto, que inclui a atualização monetária da dívida acrescida de juros moratórios mensais. Após o voto divergente de Raul Araújo, o relator pediu vista regimental do processo. O julgamento desse caso na Corte Especial deve ser concluído ao longo de 2024.
Litigância predatória e outros temas discutidos em repetitivos
Dos 1.231 temas afetados ao rito dos recursos repetitivos, apenas 95 ainda estão pendentes de julgamento no STJ. O tempo médio entre a afetação e a publicação do acórdão de mérito é, atualmente, de 385 dias. Em 2023, o tribunal afetou 55 temas e julgou o mérito de 37. Confira, a seguir, alguns destaques da pauta de 2024 no campo dos precedentes qualificados.
Na Corte Especial, pode ir a julgamento o Tema 1.198, que diz respeito ao poder geral de cautela do juízo diante de ações com suspeita de litigância predatória – situação em que o Judiciário é provocado por demandas massificadas com intenção fraudulenta. A afetação do tema – inicialmente para ser julgado na Segunda Seção – decorreu de um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) na Justiça de Mato Grosso do Sul, em razão da grande quantidade de processos – supostamente abusivos – relativos a empréstimos consignados.
Por iniciativa do ministro Moura Ribeiro, o STJ promoveu em outubro uma audiência pública para discutir o assunto, cuja íntegra está disponível no YouTube.
Após a audiência, a Segunda Seção acolheu, por unanimidade, um pedido para afetar o caso à Corte Especial, à qual caberá definir se o magistrado, diante da suspeita de litigância predatória, pode exigir que a parte autora emende a petição inicial com documentos capazes de embasar minimamente as suas pretensões, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias de contrato e extratos bancários.
Acidentes provocados por animais em rodovias
Outra discussão a cargo da Corte Especial, no rito dos repetitivos, é sobre a responsabilidade civil das concessionárias de rodovias por acidentes causados por animal na pista (Tema 1.122). O recurso representativo da controvérsia foi interposto por uma concessionária condenada a indenizar por danos morais e materiais um motorista que bateu seu veículo em um boi deitado no asfalto. A recorrente alegou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não deveria ser aplicado ao caso.
O tribunal estadual entendeu que a hipótese era de responsabilidade subjetiva e considerou que a concessionária falhou no seu dever de providenciar condições seguras de tráfego. Além disso, com base no CDC, a corte local reconheceu dano moral na omissão da concessionária em responder à reclamação administrativa apresentada pelo consumidor.
Tarifa de água em condomínios
Também objeto de audiência pública em 2023, há uma proposta de revisão do Tema 414, sobre tarifa de água em condomínios com hidrômetro único.
Fixada em 2021, a tese do Tema 414 estabeleceu que não é lícita a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades autônomas do condomínio, quando houver hidrômetro único no local. Com isso, ficou definido que a cobrança em tal situação deve ocorrer pelo consumo real aferido.
O ministro Paulo Sérgio Domingues, relator dos recursos que podem levar à revisão da tese na Primeira Seção, convocou a audiência para rediscutir a legalidade da metodologia de cálculo, a qual foi realizada em 5 de outubro e está disponível no canal do STJ no YouTube.
Empréstimo consignado feito por analfabeto
A Segunda Seção poderá julgar o Tema 1.116, que trata da validade da contratação de empréstimo consignado por pessoa analfabeta, por meio de instrumento particular assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Um dos recursos especiais que serão analisados pela seção, o REsp 1.943.178, foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Ceará no julgamento de IRDR; o outro recurso é originário de Mato Grosso.
Para a corte cearense, é legal o empréstimo consignado contratado pelo analfabeto mediante assinatura a rogo, com duas testemunhas, não havendo necessidade de instrumento público para validar a manifestação de vontade do contratante nem de procuração pública para a pessoa que assina por ele. O recurso de Mato Grosso foi julgado em sentido oposto.
Previdência complementar e Imposto de Renda
No Tema 1.224 dos repetitivos, a controvérsia diz respeito à incidência do Imposto de Renda sobre contribuições extraordinárias em previdência complementar.
O relator, ministro Benedito Gonçalves, destacou que o tema dos recursos especiais é apresentado de forma reiterada no STJ. Segundo o ministro, a corte registrou, entre fevereiro de 2020 e abril de 2023, 51 processos sobre a mesma questão. Nos Tribunais Regionais Federais, já em segundo grau de jurisdição, a pesquisa realizada pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas identificou mais 4.188 processos semelhantes. Todos esses processos estão suspensos aguardando a definição de tese pela Primeira Seção.
Quem tem direito à gratuidade de justiça?
Na Corte Especial, outro repetitivo que deve voltar à pauta em 2024 é o Tema 1.178. O que está em discussão é verificar se as decisões judiciais que adotam parâmetros objetivos (nível de renda, por exemplo) para a concessão da gratuidade de justiça estão de acordo com as determinações legais sobre o tema.
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Um dos recursos afetados diz respeito a um aposentado que, ao ingressar com ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), teve seu pedido de gratuidade negado pelo juiz, o qual levou em conta que a sua aposentadoria, de mais de três salários mínimos, não o impediria de pagar as despesas do processo. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou a decisão, afirmando que a declaração de pobreza do interessado tem presunção juris tantum de veracidade, e não haveria base legal na fixação de critérios objetivos de renda para a concessão da gratuidade.
O julgamento, iniciado em dezembro, foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, após o relator, ministro Og Fernandes, votar contra a possibilidade de adoção de critérios objetivos.
Caso Robinho prossegue na Corte Especial
Os ministros da Corte Especial deverão discutir desdobramentos do caso do jogador Robinho na HDE 7.986. Por intermédio do Ministério da Justiça, a Itália entrou no STJ com o pedido de homologação da sentença que condenou o jogador a nove anos por estupro naquele país, para que a pena possa ser executada no Brasil.
Em março de 2023, o relator, ministro Francisco Falcão, negou o pedido de Robinho para que a Itália apresentasse a tradução integral do processo original. Ao indeferir o pedido, o ministro determinou, com urgência, que o jogador fosse intimado a apresentar contestação ao pedido de homologação. Na mesma semana, Falcão exigiu que Robinho entregasse seu passaporte ao STJ. Enquanto o tribunal analisa o pedido da Itália, o relator proibiu o atleta de deixar o país.
Desembargadores acusados de corrupção
A Corte Especial também deverá retomar o julgamento da APn 989, iniciado em dezembro. O caso envolve quatro desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) acusados pela suposta participação em grupo criminoso que, em troca de propina, atuaria para incluir empresas e organizações sociais em plano especial de execução da Justiça do Trabalho.
Após o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, pela condenação dos desembargadores Marcos Pinto da Cruz, José da Fonseca Martins Junior e Fernando Antonio Zorzenon da Silva e pela absolvição do desembargador Antonio Carlos de Azevedo Rodrigues, e dos votos dos ministros Humberto Martins (revisor), Francisco Falcão, Luis Felipe Salomão e da ministra Assusete Magalhães, todos acompanhando a relatora, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Og Fernandes.
Autorização sanitária para cannabis medicinal
Na Primeira Seção, deverá entrar em pauta o IAC 16, que discute a possibilidade de autorização para importação e cultivo de variedades de cannabis para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais. Todos os processos que discutem a questão estão suspensos até a decisão de mérito do STJ.
A ministra Regina Helena Costa, relatora, destacou que o recurso admitido no IAC aborda questão importante em termos jurídicos, econômicos e sociais, tendo em vista o debate sobre o alcance da proibição do cultivo de plantas que, embora tenham THC em concentração incapaz de produzir drogas, geram altos índices de CBD – substância que não causa dependência e pode ser utilizada para a fabricação de remédios e outros subprodutos.
Pedidos de vista nas turmas
A Segunda Turma poderá concluir o julgamento do REsp 1.652.347, a respeito do enquadramento de empresas fornecedoras de mão de obra terceirizada no Simples Federal e da possível evasão fiscal quanto às contribuições previdenciárias sobre a remuneração dos empregados.
Uma empresa têxtil foi alvo de autuação por ter, supostamente, utilizado empresas de fachada enquadradas no Simples Federal para não pagar as contribuições previdenciárias relativas a empregados terceirizados. De acordo com a Lei 9.317/1996, é vedado a empresas locadoras de mão de obra optar pelo Simples Federal. Para a Fazenda Nacional, a empresa dissimulou a situação e cometeu o crime de evasão fiscal.
Na Primeira Turma, no REsp 1.933.440, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recorre de decisão que considerou ilegal, em processo administrativo, a intimação para apresentação de alegações finais por edital, devendo o autuado ser intimado pessoalmente quando a administração conhece seu endereço. Recentemente, a Segunda Turma decidiu a favor da autarquia federal sobre questão idêntica.
O assunto tem grande impacto para as finanças públicas e o combate aos crimes ambientais, pois, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Ibama usou a notificação por edital em 183 mil processos administrativos relativos a infrações ao meio ambiente, com multas superiores a R$ 29 bilhões.
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No mesmo colegiado, os ministros discutem, no REsp 1.528.200, se caracteriza ato de improbidade administrativa o atraso na prestação de contas das verbas repassadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ou a aplicação de parte dessas verbas em despesas que, embora também relacionadas à educação, não sejam aquelas para as quais se destina o repasse.
Cobertura de tratamentos alternativos para pessoas com TEA
A Quarta Turma deverá analisar três recursos em segredo de justiça que discutem a obrigatoriedade de cobertura, pelo plano de saúde, de terapias ou procedimentos não comprovados cientificamente para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) pelo método ABA, especificamente musicoterapia e equoterapia. O relator é o ministro Antonio Carlos Ferreira, que votou contra a obrigatoriedade da cobertura.
Em novembro, a ministra Isabel Gallotti abriu divergência votando no sentido de que a negativa de custeio do tratamento é abusiva se há expressa indicação médica, ainda que experimental e não passível de aplicação ambulatorial ou em consultório. Na sequência, o ministro Raul Araújo pediu vista. A Terceira Turma já tem precedente sobre o assunto.
Competência para julgar pedidos de medicamentos
No CC 192.170, em trâmite na Primeira Seção, discute-se o entendimento do STJ, firmado no IAC 14, segundo o qual a competência para julgar pedidos de fornecimento de remédios não inseridos na lista do SUS, mas registrados na Anvisa, é determinada de acordo com os entes públicos contra os quais a ação foi proposta.
Os demandantes alegam que a questão ainda não teve uma solução definitiva no STJ, pois estão pendentes de julgamento os embargos de declaração apresentados por Santa Catarina e pelo Rio Grande do Sul. Segundo os demandantes, enquanto se aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, o STJ deveria se pronunciar novamente a respeito.
Anúncios no Google e concorrência desleal
Ao longo do ano, a Terceira Turma deve concluir o julgamento dos embargos de declaração da empresa Google Brasil no REsp 2.032.932, processo que discute se a utilização da ferramenta Google AdWords a partir da inserção de nome empresarial como palavra-chave implica a prática de concorrência desleal.
Em agosto, o colegiado definiu que a contratação de links patrocinados, em regra, caracteriza concorrência desleal quando: (I) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente a marca registrada ou a nome empresarial; (II) o titular da marca ou do nome e o adquirente da palavra-chave atuam no mesmo ramo de negócio (concorrentes), oferecendo serviços e produtos tidos por semelhantes; e (III) o uso da palavra-chave é suscetível de violar as funções identificadora e de investimento da marca e do nome empresarial adquiridos como palavra-chave.
Nos embargos, a Google Brasil alega suposta omissão do julgado quanto à alegada impossibilidade de imposição de um dever amplo de monitoramento, prévio e futuro, de atividades voláteis e subjetivas de terceiros. Para a empresa, há violação ao parágrafo 1º do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Confissão informal e reconhecimento fotográfico viciado
Na Terceira Seção, o AREsp 2.123.334 discute a condenação de réu por furto baseada apenas em confissão extrajudicial informal, obtida pelos policiais no momento da prisão, e em reconhecimento fotográfico que não seguiu as exigências legais.
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STJ traz novos avanços no entendimento sobre o reconhecimento de pessoas
O recurso é da Defensoria Pública de Minas Gerais, que alega fragilidade das provas e invoca recentes decisões do STJ segundo as quais o artigo 226 do Código de Processo Penal não traz apenas recomendações, mas regras que devem ser seguidas para que o reconhecimento seja válido. Para a defensoria, a inobservância do procedimento legal é um “campo fértil para erros judiciários e injustiças”.
O recurso sustenta que o reconhecimento só pode ser considerado válido se atendidos os requisitos legais e se corroborado por outras provas produzidas sob o contraditório e a ampla defesa, conforme vem entendendo o STJ. A peculiaridade deste caso é a confissão extrajudicial informal.