A transferência de presos para penitenciárias federais de segurança máxima e a jurisprudência do STJ

Em um país com tamanhos desafios na segurança pública, as prisões tradicionais do Brasil têm se mostrado insuficientes para garantir a aplicação da lei e evitar a prática de novos crimes pelos detentos, principalmente no caso de membros de facções criminosas, que continuam atuando de dentro do sistema prisional – situação que exigiu do Estado a adoção de medidas mais rígidas para o controle da população carcerária.

Os presídios federais de segurança máxima já estavam previstos desde 1984 na Lei de Execução Penal (LEP), mas o sistema só se tornou realidade a partir de 2006, com a inauguração da penitenciária de Catanduvas (PR). Além dela, atualmente, existem outras quatro unidades federais de segurança máxima, localizadas em Campo Grande (MS), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF).

A inserção e a transferência de presos para o sistema federal são reguladas, em especial, pela Lei 11.671/2008 e pelo Decreto 6.877/2009, mas o tema não escapa de controvérsias jurídicas. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os colegiados de direito penal já decidiram muitas questões relacionadas às unidades de segurança máxima, como os limites da competência dos juízos estadual e federal, a possibilidade de prorrogação do prazo de permanência no presídio federal e o direito do preso a ficar perto da família.

A chegada do preso ao sistema federal: diferenças para o sistema estadual e o RDD

Organizados dentro da segurança pública brasileira como exceções ao encarceramento comum – cujas penitenciárias, em geral, são administradas pelos estados –, os presídios federais de segurança máxima possuem requisitos específicos para o recebimento de detentos. Em primeiro lugar, o artigo 3º da Lei 11.671/2008 estabelece que a inclusão no sistema federal deve ser justificada pelo interesse da segurança pública ou da segurança do próprio preso, seja ele condenado ou provisório.

Como ressaltado pela Quinta Turma no RHC 182.232, também é necessário que o preso se enquadre, pelo menos, em uma das hipóteses relacionadas no artigo 3º do Decreto 6.877/2009:

1- ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante de organização criminosa;

2- ter praticado crime que coloque em risco a integridade do ambiente prisional de origem;

3- estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD);

4- ser membro de quadrilha ou bando ligados a atos praticados com violência ou grave ameaça;

5- ser delator ou colaborador premiado, desde que essa condição traga risco à sua integridade física na prisão de origem; ou

6- estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – um dos requisitos para a colocação do preso no sistema federal – está previsto no artigo 52 da LEP. É uma forma de cumprimento da pena no regime fechado para o detento que praticar falta grave e causar a subversão da ordem ou da disciplina no presídio. Entre as restrições do RDD, estão o recolhimento em cela individual, a fiscalização do conteúdo de correspondências e a redução das visitas e das saídas da cela.

Ainda segundo o artigo 52 da LEP, havendo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, o RDD será obrigatoriamente cumprido em prisão federal.

O Decreto 6.877/2009 diz que o Departamento Penitenciário Nacional deve ser ouvido sobre a transferência, para opinar quanto à pertinência da medida e indicar o estabelecimento penal adequado à custódia.

Autorizada a transferência, o preso encontrará na penitenciária federal uma estrutura com regras mais rigorosas do que nos presídios comuns estaduais.

De acordo com o artigo 10 da Lei 11.671/2008, o tempo de permanência do preso no estabelecimento penal federal é de três anos, mas o prazo pode ser renovado por iguais períodos, dependendo da análise do juízo de origem e da persistência dos requisitos que autorizaram a transferência.

Permanência no sistema não exige fato novo, e defesa não precisa ser ouvida previamente

Na discussão de controvérsias sobre a transferência de detentos para o sistema federal, o STJ já editou duas súmulas.

Apesar de entender que não é necessário um fato novo para justificar a prorrogação da permanência do preso no sistema federal, o STJ também já se manifestou no sentido de que essa medida, por ser excepcional, não pode ser determinada em decisão judicial que apenas repete os fundamentos utilizados anteriormente (CC 114.478).

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Seção em processo no qual a Justiça estadual do Rio de Janeiro considerava necessário manter o preso em penitenciária federal, ao passo que o juízo federal se opôs à prorrogação porque, segundo afirmou, não foram apresentadas novas razões que justificassem a medida.

Relatora do conflito de competência, a ministra Maria Thereza de Assis Moura observou que o juízo federal, além de mencionar a ausência de fatos novos, levou em consideração o longo período de isolamento diário do preso, o distanciamento da família e a sua situação processual, já que estava sendo sistematicamente absolvido das acusações feitas contra ele.

Segundo a ministra, apesar das condutas graves descritas no caso – o réu seria ligado a uma facção criminosa e ao narcotráfico –, é indispensável que o Judiciário pondere os interesses em jogo e faça preponderar o “eixo estrutural” do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.

 

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A já dilacerante situação do cárcere, agravada pelas rigorosíssimas condições das unidades penitenciárias federais, deve ser manejada pelo julgador com o enfoque constitucional, sob o risco de malferir, num só golpe, dois vetores fundamentais: a segurança e a humanidade da pena.
CC 114.478

Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Ainda de acordo com a relatora, seria imprescindível que a prorrogação defendida pela Justiça estadual fosse motivada por fundamentos contemporâneos, e não apenas pela repetição de argumentos constantes de requerimentos prévios.

Na mesma linha, no CC 183.212, a Terceira Seção reforçou que o desaparecimento das circunstâncias que fundamentaram o encarceramento em presídio federal, se não surgirem novos elementos, autorizam o retorno do custodiado ao sistema estadual.

Fundamentada a decisão da Justiça estadual, juízo federal só pode analisar legalidade da medida

Por outro lado, no CC 190.601, a Terceira Seção fixou que, caso a manutenção do detento em prisão federal seja devidamente fundamentada pelo juízo estadual, não cabe à Justiça Federal fazer valoração da fundamentação apresentada, mas apenas examinar a legalidade da prorrogação.

No caso analisado, o réu foi colocado no sistema federal em caráter emergencial por exercer liderança na facção Comando Vermelho e por indícios de que estaria envolvido no planejamento de ataques contra presídios e agentes públicos.

Expirado o prazo de permanência, o juízo federal determinou o retorno do preso ao sistema estadual, ante a falta de decisão do juízo local sobre a prorrogação. A Justiça estadual, contudo, suscitou conflito de competência e argumentou que ainda persistiam os fundamentos que justificaram a decisão de transferência do detento.

Para o ministro Sebastião Reis Junior, relator do conflito, a prorrogação da permanência do preso na penitenciária federal foi fundamentada pelo juízo estadual em elementos concretos, sobretudo no risco que o seu retorno traria ao sistema penitenciário estadual, além da possibilidade de atentados contra prisões. Nessa situação, segundo o ministro, cabe ao juízo federal apenas verificar se a prorrogação do prazo respeitou os limites legais da medida.

Direito de cumprimento da pena próximo da família é relativo

Em diversas situações, o STJ já analisou pedidos de retirada do preso do sistema federal sob o argumento de que ele teria o direito de cumprir a pena mais perto de sua família. Como fundamentação, os pedidos costumam citar o artigo 103 da Lei de Execução Penal, segundo o qual as comarcas devem instalar, ao menos, uma cadeia pública, a fim de permitir a permanência do preso em seu meio social e perto de seus parentes.

Esse direito, contudo, é relativo, conforme reforçado pela Quinta Turma no AREsp 1.804.584, no qual a defesa questionava a renovação da permanência do preso na unidade federal pela quarta vez consecutiva. Para a defesa, o encarceramento em local próximo da família é direito do preso, que só pode ser afastado mediante justificativa adequada.

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que, como apontado pelas instâncias ordinárias, a manutenção do preso no sistema federal teve como justificativa a sua ligação com a alta cúpula do grupo criminoso Terceiro Comando Puro, além de indícios de que continuaria recebendo recursos da organização mesmo dentro da prisão.

Citando precedentes do STJ, o relator apontou que, havendo embasamento para a manutenção em penitenciária federal, o fato de essa circunstância afastar o preso da família não pode servir como argumento para inviabilizar a medida.

Também sob relatoria do ministro Reynaldo, no CC 195.810, a Terceira Seção negou pedido de retirada de preso da penitenciária federal de Mossoró (RN) sob o argumento de que a sua saúde exigiria atendimento médico não disponível na unidade prisional ou no município.

 

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A necessidade de tratamento específico da saúde do apenado não justifica a devolução do preso ao sistema prisional estadual, se houver a possibilidade de realização do procedimento médico indicado pelo SUS do estado em que se encontra o presídio federal.
CC 195.810

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Na decisão, o relator lembrou que é dever do Estado zelar pela saúde do preso, providenciando o atendimento médico dentro do presídio ou, se isso não for possível, a transferência para o hospital especializado mais próximo. “E não há evidências de que tal tratamento não possa ser realizado no estado do Rio Grande do Norte”, apontou.

Com a mesma posição, no HC 651.629, a Sexta Turma, sob relatoria da ministra Laurita Vaz (aposentada), negou um pedido de devolução do preso ao sistema estadual por motivos de saúde. Para a ministra, os autos demonstravam que, além de estar comprovado que o detento tinha acompanhamento de saúde dentro do presídio, não ficou evidenciada a incompatibilidade do seu tratamento médico com a inclusão no regime disciplinar diferenciado.

Não há limite para as renovações da prorrogação de permanência na prisão federal

No HC 683.886, a Quinta Turma analisou uma importante alteração sobre o prazo máximo de permanência do preso no sistema federal, ocorrida com a publicação do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que alterou o artigo 10, parágrafo 1º, da Lei 11.671/2008.

Em seu voto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca comparou as duas redações do dispositivo – a antiga e aquela trazida pelo Pacote Anticrime:

Segundo o ministro, o prazo inicial de permanência do detento em presídio federal passou de 360 dias para três anos. Contudo, o prazo final (ou seja, o período máximo permitido de renovação) nunca foi especificado, tanto que o texto legal anterior falava apenas que o prazo era “renovável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juiz de origem”.

“Tal previsão foi mantida [após a alteração da Lei 11.671/2008], mediante a devida motivação pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência, e se persistirem os motivos que a determinaram. Com efeito, a nova lei fala em possibilidade de renovação ‘por iguais períodos’, no plural”, finalizou o ministro.

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