A interceptação telefônica como meio de prova

“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, XII, CF/88).”

A norma sobre a qual o texto constitucional faz referência é a Lei 9.296/96, editada com o fim de regulamentar o instituto da interceptação de comunicações telefônicas e também em sistemas de informática e telemática.

Em 12 artigos, o legislador tratou da competência, dos requisitos de aplicabilidade, da autorização e do tempo de duração, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais.

Conceito

Interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina não se confundem. Na interceptação telefônica nenhum dos dois interlocutores sabem que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica como a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, já a gravação telefônica pode ser feita sem a autorização do juiz.

Também é importante diferenciar interceptação telefônica de quebra de sigilo telefônico. Na primeira, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, já na quebra do sigilo, a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas.

Autorização

Apenas o juiz poderá autorizar a utilização da interceptação telefônica como meio de prova. Isso poderá ser feito de ofício ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal; ou do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

A ausência de autorização judicial para a captação de conversas enseja a declaração de nulidade da prova obtida, pois constitui vício insanável. Essa condicionante também alcança as mensagens armazenadas em aparelhos celulares, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão do aparelho.

Em um caso apreciado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (RHC 67.379), agentes policiais, ao ingressarem no domicílio de um homem suspeito de tráfico de drogas, apreenderam seu aparelho celular e, ato contínuo, extraíram o conteúdo de mensagens trocadas através do aplicativo WhatsApp, sem prévia autorização judicial.

O colegiado determinou que fossem desentranhadas dos autos as provas obtidas por meio do celular apreendido. Segundo o acórdão, “as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que deve abranger igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, através de sistemas de informática e telemática”.

Autorização dispensada

Em um julgamento da Sexta Turma, envolvendo estupro de menor, a defesa alegava a ilegalidade de gravação telefônica entre o acusado e a vítima, porque esta teria sido instruída por terceiro para extrair provas do crime por meio da conversa ao telefone.

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, não acolheu a argumentação. Ele destacou que as gravações telefônicas, ainda que realizadas com apoio de terceiro, contavam sempre com a ciência e permissão de um dos interlocutores, no caso, a própria vítima do crime de estupro.

“A conduta é, portanto, lícita, sendo despicienda, para tanto, a autorização judicial. E, ainda, a situação dos autos não se confunde com a interceptação telefônica, em que a reserva de jurisdição é imprescindível”, explicou o ministro (o número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).

Não cabimento

O artigo 2º da Lei 9.296 enumera as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica. Segundo o dispositivo, caso não existam indícios razoáveis da autoria ou participação do investigado na infração penal; se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis ou se o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção, não será admitida a interceptação das comunicações telefônicas.

No julgamento do HC 186.118, a Sexta Turma declarou a nulidade de interceptações telefônicas autorizadas para apuração de supostas ameaças feitas contra um promotor de Justiça. No decorrer das investigações, foram interceptados vários números de telefone, mas o acompanhamento dos áudios não conseguiu relacionar os telefonemas às ameaças.

Dois anos depois, um dos investigados no episódio da ameaça foi apontado como suposto líder de uma organização criminosa investigada por fraude em licitações públicas. Um novo pedido de interceptação telefônica foi feito pelo Ministério Público com base na primeira interceptação autorizada para apurar o crime de ameaça.

Como o crime de ameaça é punível exclusivamente com pena de detenção, a turma considerou que as degravações da segunda interceptação, originárias de uma primeira interceptação ilícita, não poderiam servir como meio de prova.

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, ressalvou a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão, mas afirmou que, no caso apreciado, a primeira escuta foi deferida apenas para a apuração do crime de ameaça e que, “além de não terem sido descobertos outros crimes conexos com ele, nem se tinha em foco, naquela oportunidade, a averiguação de delitos de maior gravidade”.

Fundamentação

Em outro caso, também da Sexta Turma (HC 251.540), a defesa impetrou habeas corpus sob o fundamento de que a autorização judicial da interceptação telefônica não observou as formalidades da Lei 9.296, por não ter comprovado a imprescindibilidade da medida.

O colegiado reconheceu que a autorização não demonstrou, de modo pormenorizado, que não houvesse outra forma menos invasiva para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito. O magistrado teria apenas alegado que a pena para o crime investigado era de reclusão e se limitado a transcrever termos legais, o que, segundo o acórdão, “não satisfaz a indispensável fundamentação acerca da necessidade da providência”.

Entendimento diferente foi aplicado no julgamento do RHC 77.175, no qual a Sexta Turma considerou legais as interceptações telefônicas realizadas nas investigações da Operação Voucher, deflagrada pela Polícia Federal em agosto de 2011 para apurar desvio de recursos públicos do Ministério do Turismo.

A defesa alegou que os grampos telefônicos foram autorizados sem fundamentação legal, razão pela qual não poderiam embasar a denúncia contra os acusados, mas o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, entendeu que o requerimento policial da utilização da interceptação foi justificado, em razão de a identificação dos demais membros do esquema não poder ser feita pelos meios de investigação ordinários.

Prazo

O prazo para a interceptação telefônica é de 15 dias, segundo a Lei 9.296. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. O juiz terá um prazo máximo de 24 horas para decidir sobre o pedido.

“Em relação ao prazo de 15 dias, o STJ entende que a contagem se inicia a partir da efetivação da medida constritiva, ou seja, do dia em que se iniciou a escuta telefônica e não da data da decisão judicial (HC 135.771)”.

Degravação

O STJ também já se pronunciou a respeito da necessidade da transcrição integral da conversa interceptada (degravação). Para a corte, não é razoável exigir a degravação integral das escutas telefônicas, “haja vista o prazo de duração da interceptação e o tempo razoável para dar-se início à instrução criminal, porquanto há diversos casos em que, ante a complexidade dos fatos investigados, existem mais de mil horas de gravações (HC 278.794)”.

De acordo com a jurisprudência do tribunal, “a fim de que sejam observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa”, é necessário que sejam transcritos os trechos que serviram de base para o oferecimento da denúncia e que se permita às partes o acesso aos diálogos captados.

Tipificação

artigo 10 da Lei 9.296 estabelece, ainda, que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. A pena prevista é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

O dispositivo foi aplicado no julgamento de recurso especial interposto pelo Ministério Público contra decisão que trancou ação penal movida contra um homem que teria acessado o correio eletrônico da ex-esposa, abrindo as comunicações a ela dirigidas de modo reiterado e continuado para monitorar as mensagens privadas sem autorização judicial.

O Tribunal de Justiça considerou atípica a conduta porque, no seu entender, a interceptação de comunicação pressupõe atualidade (enquanto ela está acontecendo) e supressão do acesso (obstar, desviar ou captar) por seu real destinatário.

No STJ, entretanto, o entendimento foi outro. Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, o “acesso às mensagens armazenadas diretamente no provedor de serviço de correio eletrônico, antes que elas venham a ser acessadas e abertas pelo seu real destinatário, ou transferidas pelo destinatário ao seu dispositivo informático particular, ocorre durante o processo comunicativo”.

O colegiado, por unanimidade, considerou a conduta do ex-marido fato típico previsto no artigo 10 da Lei 9.296 e determinou o prosseguimento da ação penal (o número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).

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