Viúva de ex-combatente que passa a conviver em união estável não pode manter pensão especial

Para a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a definição do artigo 2º, V, da Lei 8.059/1990 também deve ser aplicada ao caso de viúva de militar que passou a conviver em união estável após a morte do marido, já que essa situação é equiparável ao casamento. De acordo com a lei, viúva é a mulher que era casada com o ex-combatente falecido e que não voltou a se casar.

Com base nesse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que permitiu a possibilidade de recebimento, pela viúva, da pensão especial de ex-combatente da Segunda Guerra, mesmo após o início de um novo relacionamento, em união estável.

Segundo o processo, a mulher, de 49 anos, casou-se com um ex-combatente de 89 anos, segundo-tenente das Forças Armadas, que faleceu poucos meses depois, e passou a receber pensão especial por morte. Por ter sido casada anteriormente, a mulher também recebia pensão estatutária do ex-marido.

No recurso apresentado ao STJ, a União alegou que a mulher não faz jus à pensão especial relacionada ao casamento com o ex-combatente, pois há vedação expressa na lei acerca do recebimento do benefício caso a viúva volte a se casar.

Sem discrimi​​nação

O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, explicou que o STJ, em consonância com o texto constitucional, reconhece a união estável como entidade familiar, sem discriminação alguma dos companheiros em relação aos cônjuges, ainda que a expressa previsão legal só assegure o benefício à ex-esposa.

O ministro esclareceu que a Lei 8.059/1990, ao dispor sobre a pensão especial devida aos ex-combatentes e a seus dependentes, considera “viúva a mulher com quem o ex-combatente estava casado quando falecera, e que não voltou a casar-se”.

Para Gurgel, a restrição do dispositivo alcança a viúva de militar que passou a conviver em união estável após a morte do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porque foi constituída instituição familiar equiparável ao casamento.

“Da mesma maneira que não pode haver discriminação para a companheira receber pensão ao lado da ex-esposa, à míngua de expressa previsão legal, a convivência marital não convolada em núpcias também pode servir de obstáculo para viúva ser beneficiada com a pensão, embora silente a norma acerca da união estável”, explicou.

Segundo o relator, o fato de a lei omitir a condição de companheira não impede que tal status venha a ser considerado para afastar o direito postulado.

“No caso presente, a partir do momento em que a autora passou conviver maritalmente com outra pessoa, deixou de atender ao requisito legal para a percepção da pensão almejada, na condição de viúva, embora a dicção legal não se refira, especificamente, à união estável como óbice, mas apenas a novo casamento”, afirmou o ministro ao dar provimento ao recurso especial da União.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. EX-COMBATENTE. PENSÃO POR MORTE. DIREITO VEDADO NA LEI À VIÚVA QUE VOLTAR A CASAR. EX-ESPOSA EM UNIÃO ESTÁVEL. CONDIÇÃO DE COMPANHEIRA. IMPEDIMENTO.
1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2).
2. “Com o advento da Constituição Federal de 1988, que reconheceu como entidade familiar a união estável (art. 226, § 3º), a companheira passou a ter o mesmo direito que a ex-esposa, para fins de recebimento da pensão por morte, sendo desnecessária sua designação prévia como beneficiária” (REsp 1235994⁄PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20⁄10⁄2011, DJe 03⁄11⁄2011).
3. Esta Corte, em consonância com o texto constitucional, reconhece a união estável como entidade familiar, sem discriminação alguma dos companheiros em relação aos cônjuges, ainda que a expressa previsão legal só assegure tal garantia à ex-esposa (AgInt no AREsp 784.539⁄ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07⁄10⁄2019, DJe 14⁄10⁄2019).
4. A Lei 8.059⁄90, ao dispor sobre a pensão especial devida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e a seus dependentes, considera “viúva a mulher com quem o ex-combatente estava casado quando falecera, e que não voltou a casar-se” (art. 2º, V).
5. Hipótese em que viúva de militar, com quem casou-se em 22⁄06⁄2006, aos 49 anos de idade, poucos meses antes do óbito do ex-marido de 89 anos, ocorrido em 20⁄09⁄2006, e de quem já percebe pensão estatutária do DNER, convive maritalmente há três anos com outro aposentado e, nessa condição, postula a pensão por morte correspondente à deixada por um segundo-tenente das Forças Armadas.
6. A definição de viuvez do art. 2º, V, da Lei n. 8.059⁄90 contempla a viúva de militar que passa a conviver em união estável, após a óbito do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porquanto já constituída instituição familiar equiparável ao casamento.
7. Da mesma maneira que não pode haver discriminação para a companheira receber pensão ao lado da ex-esposa, à mingua de expressa previsão legal, a convivência marital não convolada em núpcias pode obstar a viúva de perceber a pensão, ainda que a lei fale apenas na necessidade de voltar a casar-se.
8. O fato de o preceito legal omitir a condição de companheira não impede a que tal status venha a ser considerado para afastar o direito postulado, posto que sua admissão, no caso concreto, pode ensejar burla à norma legal, a qual exige novas núpcias para perder o direito à pensão militar de ex-combatente.
9. Recurso especial provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1386713

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