Vítima de acidente em linha de trem é indenizada pela União por danos morais e estéticos por amputação de membro

A 5ª Turma do TRF1 deu parcial provimento à apelação da União da sentença, do Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Divinópolis/MG, que condenou o ente público à indenização por danos morais e estéticos ao autor em virtude de perda de um membro do requerente em acidente sofrido em linha férrea, à renda alimentar no valor de um salário mínimo mensal e ao pagamento de uma prótese ortopédica para a substituição do membro amputado.

O juiz federal convocado Ilan Presser, relator, ao analisar o caso, destacou que, em se tratando de omissão do Poder Público, a responsabilidade civil é subjetiva, sendo necessário perquirir a existência de culpa por parte da Administração. Assim, na hipótese dos autos, o elemento subjetivo na conduta omissiva da União na medida em que a culpa, em casos tais, é “aferida pela falha na prestação dos serviços de competência do Estado para que o Poder Público não venha a se converter em segurador universal”.

Para o magistrado, estão presentes, portanto, os requisitos que autorizam o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado e a condenação da ré ao pagamento de indenização em favor do autor, a saber: a) ocorrência de danos; b) nexo de causalidade entre o acidente e ação ou omissão do Estado e c) elemento subjetivo, consubstanciado na falha na prestação do serviço.

Há de se reconhecer, por outro lado, as circunstâncias que mitigam a responsabilidade estatal, tendo em vista que a vítima brincava em local inapropriado mesmo após ser advertida por funcionário do local. Dessa maneira, afirmou o relator, impõe-se a redução à metade do valor fixado na sentença a título de danos morais e estéticos.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE EM LINHA FÉRREA. ATROPELAMENTO POR LOCOMOTIVA DA RFFSA. AMPUTAÇÃO DO MEBRO INFERIOR. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. SENTENÇA CONGRUENTE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL DE SEGURANÇA E FISCALIZAÇÃO DA LINHA FÉRREA. FATO DA VÍTIMA. MITIGAÇÃO. REDUÇÃO PELA METADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PENSÃO MENSAL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EQUIDADE.

I – Nos termos do que dispunha o art. 177 do Código Civil vigente na época que ocorreu o evento danoso (25 de maio de 1989), era de 20 (vinte) anos o prazo prescricional das ações pessoais, como no caso, que trata de pedido de indenização em decorrência de atropelamento em ferrovia administrada pela extinta Rede Ferroviária Federal – REFSA. Referido prazo foi reduzido para 3 (três) anos, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, dispondo, ainda, o art. 2.028 do referido diploma legal que “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.

II – Na espécie, verifica-se o decurso de mais de 10 (dez) anos entre a data em que o autor completou 16 (dezesseis) anos de idade e a entrada em vigor do novo Código Civil, que se deu em 11 de janeiro de 2003, devendo-se aplicar, portanto, o prazo prescricional de vinte anos previsto no art. 177 do CC/1916.

III – Sendo assim, o prazo prescricional para a busca da satisfação da pretensão da parte autora encerrar-se-ia em outubro de 2012, de modo que, tendo sido a ação ajuizada em março de 2008, não há que se falar na ocorrência da prescrição.

IV – É certo que sobre dívidas passivas da União Federal incide a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/1932. No entanto, como a espécie dos autos trata de pedido de indenização em face de ato atribuído à extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA, que foi sucedida pela União Federal em 22 de janeiro de 2007, com o advento da Medida Provisória nº 353/2007, convertida na Lei nº 11.483/2007 (art. 2º, I), o aludido prazo prescricional especial do Decreto nº 20.910/1932 conta-se somente a partir da ocorrência da sucessão definitiva, de modo que não há que se falar em prescrição. Desse modo, antes da sucessão, por se tratar de ação de reparação civil contra sociedade de economia mista (RFFSA), o prazo prescricional aplicável à época dos fatos (25 de maio de 1989) era o vintenário do art. 177 do CC/1916.

V – Em que pese a nomenclatura distinta utilizada para se referir aos danos materiais, a sentença concedeu exatamente o quanto pleiteado na petição inicial, isto é, a condenação da ré a indenizar vitaliciamente o autor por lucros cessantes no valor de um salário mínimo mensal, não havendo que se falar em sentença extra petita.

VI – Em julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, o colendo STJ firmou entendimento no sentido de que, em caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado (REsp 1172421/SP, Rel. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA TURMA, e-DJF1 de 19/09/2012).

VII – Na espécie dos autos, a inexistência de cercas ou barreiras no local do acidente afigura-se inconteste, na medida em que um grupo de crianças (o autor, seu irmão e seu primo), todas com até 12 (doze) anos de idade, obteve livre acesso aos trilhos e aos vagões. Está configurada, portanto, o elemento subjetivo na conduta omissiva da RFFSA, ora sucedida pela União, na medida em que a culpa, em casos tais, é aferida pela falha na prestação dos serviços de competência do Estado (teoria da faute du service).

VIII – Há de se reconhecer, por outro lado, as circunstâncias que mitigam a responsabilidade estatal, tendo em vista que a vítima brincava em local inapropriado mesmo após ser advertida por funcionário da estação de trem. Dentre os depoimentos prestados em sede policial, duas testemunhas asseveraram que o maquinista acionou a buzina do trem antes de dar partida, sendo que ainda assim o autor e seus acompanhantes não se afastaram do local.

IX – Não se trata de atribuir culpa a um menor impúbere, que ainda não possui total consciência e controle de seus atos, mas sim de reconhecer o chamado fato da vítima, circunstância objetiva que mitiga a responsabilidade do Estado.

X – Sabe-se que o fato da vítima mitiga a responsabilidade do ente público, mas não a exclui, de modo que subsiste o dever da União de arcar com o pagamento mensal de pensão em favor do autor em decorrência da diminuição de sua capacidade laboral, consoante laudo médico acostado aos autos. Com efeito, o STJ já considerou devido tal pensionamento em caso de concorrência de culpas (AgRg no AREsp 181.235/SP, Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 30/05/2016)

XI – O termo inicial da obrigação não é a data do acidente, tampouco a data de ajuizamento desta demanda, mas sim o aniversário de 14 (quatorze) anos do autor, que é a idade mínima prevista na Constituição Federal para o exercício de atividade remunerada (REsp 903.258/RS, Rel. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 17/11/2011)

XII – Na espécie, os juros moratórios e a correção monetária devem ser calculados por meio da aplicação de: (I) 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do Código Civil de 2002, de acordo com o art. 1.062 do CC/16; (II) taxa SELIC, desde a entrada em vigor do CC/02 até a promulgação da Lei 11.960/2009; (III) a partir da vigência do referido diploma legal, o crédito deverá ser corrigido pelos índices oficiais aplicados à caderneta de poupança, (art.1º-F da Lei 9.494/97).

XIII – Em relação aos danos morais, devem os juros moratórios fluir a partir do evento danoso, aplicando-se à espécie o enunciado da Súmula nº 54 do STJ, por se tratar de responsabilidade extracontratual. Embora o pensionamento mensal também decorra de responsabilidade extracontratual, a aludida súmula deve ser afastada, para que os juros moratórios incidam a partir do vencimento de cada prestação (REsp 1270983/SP, Rel. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 05/04/2016).

XIV – Tendo em vista que a correção monetária objetiva manter o poder aquisitivo da moeda, o termo inicial, em relação à pensão mensal, é a data do efetivo prejuízo (Súmula nº 43 do STJ), isto é, o aniversário de 14 anos do autor, conforme já fundamentado. No que se refere aos danos morais e estéticos, a correção monetária deve incidir a partir da data do arbitramento, nos termos da Súmula nº 362 do STJ.

XV – Não há que se falar em redução dos honorários advocatícios, arbitrados por equidade, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73, em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, por atender satisfatoriamente à importância da causa, à natureza da demanda e ao esforço despendido pelo advogado do autor.

XVI – Apelação e remessa oficial parcialmente providas. Sentença parcialmente reformada.

A decisão foi unânime.

Processo nº:

2008.38.11.000697-3

0000694-36.2008.4.01.3811

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