A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) concedeu parcialmente o pedido de uma empresa de navegação e de seu sócio contra ato do Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá que determinou bloqueio de diversos bens da apelante no valor de R$ 13 milhões. O objetivo foi o de reparar os danos decorrentes de crimes ocorridos em acidente no Amapá que gerou a morte de 42 passageiros.
Os requerentes buscavam o afastamento do sequestro de bens móveis e imóveis imposto no curso de ação penal.
Ao analisar o mandado de segurança no TRF1, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, ressaltou que diante de comprovação do crime e indícios de autoria, o Juízo estabeleceu medidas cautelares, considerando tratar-se de crime grave que ocasionou a morte de diversas pessoas.
Segundo a magistrada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que as medidas assecuratórias contra sujeitos passivos de investigações e ações penais pelos crimes que resultem prejuízo à Fazenda Pública têm sistemática própria, podendo recair sobre todo o patrimônio dos acusados.
Jurisprudência – A relatora observou que os autos comprovaram indícios veementes e provas documentais de que a empresa e o sócio estão diretamente envolvidos na contratação da embarcação que naufragou. “Portanto, não se trata de sujeitos alheios aos fatos, mas que obtiveram¿benefício econômico da prática ilícita,¿razão pela qual sofrem a presente constrição patrimonial ora impugnada e que¿impõe¿o deferimento da constrição, a responsabilidade penal e a indicação dos bens que devem ser objeto da medida. Não se trata, no caso, de terceiros absolutamente alheios aos fatos e sem qualquer benefício econômico ou financeiro da prática aparentemente lícita”, concluiu.
Apesar de a pessoa jurídica não integrar a ação penal, na opinião da magistrada, o sequestro de bens da empresa é pertinente, tendo em vista que foi beneficiada economicamente, pois efetuou a locação e a operação do navio. Assim, o desbloqueio das contas da referida empresa e a retomada de funcionamento causaria estranheza, considerando a comprovação da contribuição com o trágico acidente.
Contudo, destacou a relatora, também está firmada a jurisprudência do STJ no sentido da impenhorabilidade do valor até 40 salários mínimos poupados ou mantidos pelo devedor em conta corrente ou em outras aplicações financeiras, ressalvada a comprovação de má-fé, abuso de direito ou fraude. Por isso, diante dos fundamentos, o Colegiado liberou o montante de até 40 salários mínimos mantidos em contas ou aplicações financeiras da pessoa física.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE FLUVIAL. NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO FLUVIAL. MORTE DE 42 PASSAGEIROS. SEQUESTRO DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS DAS PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS RESPONSÁVEIS. DECRETO-LEI 3.240/1941 COMBINADO COM ART. 125 DO CPP. OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. MANUTENÇÃO DA MEDIDA SOBRE PATRIMÔNIO PRIVADO. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS ATÉ O LIMITE DE 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. SEGURANÇA PARCIAMENTE CONCEDIDA.
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O Superior Tribunal de Justiça assentou a recepção do Decreto-Lei 3.240/41 pela CF, assim como sua compatibilidade com o Código de Processo Penal, reiterando que as medidas assecuratórias contra sujeitos passivos de investigações e ações penais por crimes de que resulte prejuízo à Fazenda Pública têm sistemática própria, podendo recair sobre todo o patrimônio dos acusados. Nesse âmbito, não há necessidade de se evidenciar concreta e especificamente o “periculum in mora”, que já é pressuposto. Portanto, para decretação de medidas cautelares reais, basta a configuração do “fumus comissi deliciti”. Precedentes do STJ e desta Corte Regional.
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[A] decretação do sequestro com base no Decreto-Lei n. 3.240/1941, o qual, diferentemente do disposto no CPP, permite sejam alvos da medida coisas de proveniência lícita ou ilícita, adquiridas antes ou depois dos atos delituosos, podendo, conforme expressa determinação legal, incidir sobre todo o acervo patrimonial do indivíduo ou de terceiros […] bastando a existência de prova ou indício de algum crime perpetrado contra a Fazenda Pública e que tenha resultado, em vista de seu cometimento, locupletamento ilícito para o acusado (AgRg no REsp 1943519/PE, rel. ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 12/11/2021)
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A jurisprudência entende que se mostra plenamente possível a constrição dos bens de pessoas jurídicas, ainda que não conste do polo passivo da ação penal, mas verificados indícios veementes de que tenha sido utilizada para a perpetração de delitos e se beneficiado direta e economicamente com as condutas delitivas. No caso, devem ser chamadas a assumir a responsabilidade patrimonial pelo ressarcimento decorrente do ilícito, como na hipótese do autos.
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Constam dos autos indícios veementes e provas documentais de que a impetrante EMPRESA DE NAVEGAÇÃO ERLON ROCHA TRANSPORTES LTDA., e o sócio, segundo impetrante, ERLON PEREIRA ROCHA, estão diretamente envolvidos na contratação da embarcação sinistrada. Não se tratam de sujeitos alheios aos fatos, mas que obtiveram benefício econômico da prática ilícita, razão pela qual sofrem a presente constrição patrimonial ora impugnada e que impõe o deferimento da constrição, a responsabilidade penal e a indicação dos bens que devem ser objeto da medida.
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A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido da impenhorabilidade de valor até 40 (quarenta) salários mínimos poupados ou mantidos pelo devedor em conta corrente ou em outras aplicações financeiras, ressalvada a comprovação de má-fé, abuso de direito ou fraude (AgInt no AREsp 1512613/MG, Rel. ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 4/5/2020, DJe 7/5/2020).
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A pessoa física está imune à medida constritiva de indisponibilidade os valores correspondentes a até 40 salários mínimos.
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Segurança parcialmente concedida.
Processo: 1009270- 94.2022.4.01.0000