A União foi condenada pela 8ª Turma do TRF 1ª Região a proceder ao enquadramento do autor como servidor público federal, nos termos da Lei nº 8.112/90, em cargo do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo compatível com as funções por ele exercidas, com todos os direitos daí inerentes, incluídos os anuênios, bem como ao pagamento de eventuais diferenças salariais. A decisão também afastou a prescrição quinquenal que havia considerado como termo inicial a data da transposição dos servidores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao regime estatutário.
Na apelação, a parte autora sustentou a inocorrência de prescrição por tratar-se de prestação de trato sucessivo e ante a ausência de negativa do direito por parte da Administração Pública, acrescentando, ainda, que não corre prescrição contra os ausentes do país em serviço público. Insistiu no direito ao enquadramento como servidor público estatutário, eis que contratado temporariamente pela Embaixada do Brasil em Londres, na função de auxiliar local, desde 05/05/1980, com sucessivas prorrogações tácitas, não sendo mais por prazo determinado.
O recorrente acrescentou que preenche os requisitos para ser enquadrado como oficial de chancelaria, nos termos do art. 45 da Lei nº 3.917/61 ou das subsequentes Leis 7.501/86, 8.929/93 e 11.440/2006, esta última porque possui formação de nível superior e a compatibilidade salarial, ou, alternativamente, como assistente de chancelaria. Requereu, ainda, a contagem do tempo de serviço para fins de anuênios.
Com relação à prescrição, o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, explicou que, considerando que o vínculo funcional da parte autora com a ré estava em vigor, ao menos até a propositura da ação, sem solução de continuidade, consistindo em prestações de trato sucessivo, bem ainda diante da ausência de negativa formal pela Administração Pública do direito vindicado, não há que se falar em fluência de prazo prescricional quanto ao fundo de direito, mas, apenas, de prescrição das prestações vencidas antes do quinquênio que antecedeu à propositura da ação.
O magistrado citou em seu voto jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo que os servidores públicos da União, dos ex-Territórios, das autarquias e fundações públicas federais anteriormente regidos pela CLT, e submetidos ao regime jurídico único por força do art. 243 da Lei nº 8.112/90, têm direito adquirido à contagem do tempo de serviço público federal para efeito de cômputo de anuênios e de licença-prêmio.
Sobre o argumento de que deve ser enquadrado no cargo de oficial de chancelaria, o relator pontuou não ser admissível “porque as suas atividades exercidas como auxiliar local não correspondem àquelas prestadas pelos dois cargos mencionados, sendo compatível com aqueles dispostos no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, ao qual o Ministério das Relações Exteriores está vinculado, devendo, portanto, ser neste enquadrado”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. AUXILIAR LOCAL. REPRESENTAÇÕES BRASILEIRAS NO EXTERIOR. ENQUADRAMENTO NO REGIME JURÍDICO ÚNICO. POSSIBILIDADE. ART. 19 DO ADCT/88. ART. 243 DA LEI N. 8.112/90. APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. CARGO COMPATÍVEL COM A FUNÇÃO EXERCIDA. PGPE. ANUÊNIOS. CONTAGEM A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI N. 7.501/86. ESTABELECIMETO DO VÍNCULO CELETISTA COM A UNIÃO. CONSECTARIOS LEGAIS. RE N. 870.947/SE 1. Considerando que o vínculo funcional da parte autora com a ré estava em vigor, ao menos, até a propositura da ação, sem solução de continuidade, consistindo em prestações de trato sucessivo, bem ainda diante da ausência de negativa formal pela Administração Pública do direito vindicado, não há que se falar em fluência de prazo prescricional quanto ao fundo de direito, mas, apenas, de prescrição das prestações vencidas antes do quinquênio que antecedeu à propositura da ação, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, legislação que se aplica ao caso concreto dada a sua especialidade, afastando-se, portanto, o quanto disposto no art. 198, II, do CC. 2. Afastado o motivo ensejador da extinção do processo com resolução do mérito, adentra-se ao mérito propriamente dito, com fulcro no art. 1.013, § 4, do CPC. 3. O entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, acompanhado por esta Corte Regional no sentido de que os auxiliares locais, admitidos antes de 11/12/1990 e que prestaram serviços de forma ininterrupta a representações diplomáticas ou repartições consulares do Brasil no exterior, passaram a integrar o serviço público federal no regime estatutário, após o advento do art. 19 do ADCT/88, com fulcro no art. 243 da Lei n. 8.112/90, devendo ser enquadrados em cargo compatível com as funções então exercidas, tendo em vista que, sob pena de ofensa a direitos adquiridos, a Lei n. 8.754/93, na parte em que alterou o art. 67 da Lei n. 7.501/86, não pode retroagir (STJ, EDcl no MS 9.698/DF, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 02/10/2015; EDcl no MS 12.358/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 01/04/2014; MS 14.382/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2010, DJe 06/04/2010; e TRF1, AC 0000033-24.2011.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, PRIMEIRA SEÇÃO, e-DJF1 p.89 de 30/05/2012). 4. Ainda que a contratação tenha sido realizada “a título precário”, com possibilidade de serem os contratados “demissíveis ad nutum”, conforme o art. 44 da Lei n. 3.917/61, houve a permanência do contratado no exercício de suas funções, o que descaracteriza a natureza temporária e precária, resultando em admissão de caráter permanente, consubstanciando a expressão demissível ad nutum erro de técnica legislativa. 5. Os servidores públicos da União, dos ex-Territórios, das autarquias e fundações públicas federais, anteriormente regidos pela CLT, e submetidos ao regime jurídico único por força do art. 243 da Lei nº 8.112/90, têm direito adquirido à contagem do tempo de serviço público federal para efeito de cômputo de anuênios, licença-prêmio, tendo sido essa questão reconhecida pelo STF, no julgamento do RE 209.899-0/RN, Relator Ministro Maurício Corrêa. 6. Hipótese em que o autor foi admitido como auxiliar técnico da Embaixada do Brasil em Londres em 05/05/1980, exercendo funções de mensageiro, serviços gerais e auxiliar de arquivo, razão porque, preenchidos os requisitos do art. 19 do ADCT/88 e do art. 243 da Lei 8.112/90, faz jus ao enquadramento no regime estatutário, em cargo compatível com as funções acima indicadas, com todas as vantagens e deveres a ele inerentes, aí incluído o direito à contagem do tempo de serviço público federal prestado sob o regime celetista, antes da passagem para o regime estatutário, para fins de anuênios, com termo inicial a partir da vigência da Lei 7.501/86, ocasião em que pode ser reconhecido seu vínculo celetista com a União, e termo final na data de extinção deste direito. 7. Os auxiliares locais, admitidos na forma do art. 44 da Lei n. 3.917/61, passaram a integrar o pessoal dos postos no exterior, com regência pela legislação brasileira que lhes fosse aplicável, apenas após a edição da Lei n. 7.501/86, que instituiu o regime jurídico dos funcionários do Serviço Exterior, razão porque, não sendo titular de cargo público, o vínculo da parte autora com a União era regido pela CLT, porquanto enquadrada na regra do art. 3º, que considera empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (TRF1, AC 0036251-61.2005.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 p.187 de 01/03/2013). 8. Não é admissível o enquadramento nos cargos de oficial de chancelaria ou de assistente de chancelaria, não apenas ante a ausência de comprovação de que o autor possuía nível superior ou mesmo nível médio – não servindo para tal desiderato meras declarações em curriculum vitae por ele mesmo preenchido -, mas, especialmente, porque as suas atividades exercidas como auxiliar local não correspondem àquelas prestadas pelos dois cargos mencionados, sendo compatível com aqueles dispostos no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, ao qual o Ministério das Relações Exteriores está vinculado, devendo, portanto, ser neste enquadrado. 9. As diferenças salariais entre a remuneração então percebida e a remuneração do cargo, em havendo, devem observar a prescrição quinquenal das parcelas, nos termos da Súmula n. 85/STJ, sendo pagas com correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que está em consonância com o quanto definido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no RE 870.947/SE, descontado, ainda, o recolhimento das contribuições não prescritas para o plano de seguridade social da respectiva carreira. 10. O pleno do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do RE 870.947/SE, quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, pacificou o entendimento de que a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, devendo ser aplicado o quanto disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, ao passo que elegeu o IPCA-E como melhor índice a refletir a inflação acumulada do período, ante a inconstitucionalidade da utilização da taxa básica de remuneração da poupança, por impor restrição desproporcional ao direito de propriedade, não podendo, portanto, servir de parâmetro para a atualização monetária das condenações judiciais impostas à Fazenda Pública. 11. Em razão da inversão na distribuição do ônus da sucumbência, fica a parte ré condenada ao pagamento das custas processuais em ressarcimento e dos honorários advocatícios em percentual a ser determinado quando da liquidação da sentença, por força do quanto disposto nos §§ 3º e 4º, II, do art. 85 do CPC. 12. Apelação parcialmente provida, nos termos do item 6.
A decisão foi unânime.
Processo nº: 0032733-87.2010.4.01.3400