Problemas técnicos de conexão à internet impossibilitaram depoimento
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho anulou uma sentença ao constatar que testemunhas da trabalhadora não puderam depor em audiência telepresencial por problemas técnicos de conexão à internet. O requerimento para que elas fossem ouvidas em outra audiência foi indeferido pelo juízo de primeiro grau, e a sentença acabou sendo desfavorável à trabalhadora. Para o colegiado, houve cerceamento de defesa, e o processo deve retornar à Vara do Trabalho para que as testemunhas possam depor e seja feito novo julgamento.
Vínculo de emprego
A reclamação originária foi ajuizada por uma agente de monitoramento contra a JM Segurança Eletrônica, microempresa de Orlândia (SP), visando ao reconhecimento do vínculo de emprego. Na audiência telepresencial, após o depoimento de sua primeira testemunha, ela requereu que fossem ouvidas mais duas pessoas.
Falha na conexão
Segundo a trabalhadora, as testemunhas se conectaram à sala de audiência. Mas, por problemas em suas conexões com a internet, não conseguiram se manter no ambiente virtual e perderam o sinal. Apesar de ter insistido no depoimento, o juízo de primeiro grau indeferiu o requerimento para marcar nova data e julgou improcedente sua pretensão, baseada também na prova oral.
Protesto
Após o esgotamento dos recursos, a trabalhadora ajuizou ação rescisória, pretendendo anular a sentença. Para o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), que julgou improcedente a ação rescisória, a apresentação das razões finais da agente na ata da audiência significaria concordância com os atos processuais. Ao recorrer ao TST, ela disse que havia protestado formalmente na audiência contra o indeferimento.
Equiparação
O relator do recurso, ministro Evandro Valadão, assinalou que, de acordo com resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o depoimento de testemunha em audiência telepresencial se equipara aos presenciais para todos os fins legais. E, conforme o artigo 849 da CLT, se for impossível concluir a audiência de julgamento no mesmo dia, por motivo de força maior, o juiz deve marcar sua continuação, independentemente de nova notificação.
Força maior
Na avaliação do relator, cabia ao juiz, diante da impossibilidade técnica de as testemunhas prestarem depoimento e do requerimento da trabalhadora insistindo em sua oitiva, remarcar a audiência. “A situação configura força maior”, explicou.
Para Evandro Valadão, o caso é semelhante à situação em que, em audiência presencial, a testemunha está presente na sala de espera, mas deixa o local por alguma razão médica de baixa gravidade. “Não é possível exigir da parte que indicou e convidou a testemunha que solucione a sua necessidade de saúde nem que a obrigue a permanecer na sala de audiência para prestar depoimento”, ponderou.
Ampla defesa
Como a sentença julgou improcedente a pretensão de vínculo de emprego, com base também na prova oral, foi demonstrado prejuízo à trabalhadora, e o indeferimento dos depoimentos contrariou o princípio do contraditório e ampla defesa.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA INTERPOSTO PELA AUTORA. DECISÃO RESCINDENDA TRANSITADA EM JULGADO SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. 1. VÍNCULO DE EMPREGO. ERRO DE FATO. RECURSO ORDINÁRIO QUE NÃO IMPUGNA ESPECIFICADAMENTE O FUNDAMENTO DA DECISÃO RECORRIDA NO TEMA. AUSÊNCIA DE REGULARIDADE FORMAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 422, I, DO TST. NÃO CONHECIMENTO.
I. Ação rescisória ajuizada com amparo no inciso VIII do art. 966 do CPC de 2015 pretendendo desconstituir sentença proferida em reclamação trabalhista , em que julgada improcedente a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego.
II. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou a ação rescisória improcedente no tema , sob o fundamento de que o fato sobre o qual se invoca erro, qual seja, a existência da relação de emprego, consiste exatamente no objeto da controvérsia instalada no processo matriz, circunstância que obsta o corte rescisório por erro de fato, a teor do § 1º do art. 966 do CPC de 2105 e da OJ nº 136 da SBDI-2 do TST .
III. Não obstante, a autora não impugnou o fundamento eleito pelo TRT quanto ao tema no recurso ordinário, razão pela qual o apelo se revela desfundamentado no particular, atraindo a exegese contida na Súmula nº 422, I, do TST.
IV. Recurso ordinário de que não se conhece no particular.
2. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO RESCINDENDA TRANSITADA EM JULGADO SOB A ÉGIDE DO CPC DE 2015. ART. 966, V, DO CPC DE 2015. NULIDADE DA SENTENÇA RESCINDENDA POR CERCEIO DO DIREITO DE DEFESA. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS EM AUDIÊNCIA TELEPRESENCIAL. INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTO DE REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA. VIOLAÇÃO DA NORMA JURÍDICA INSCULPIDA NO ART. 5º, LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. CARACTERIZAÇÃO.
I. Ação rescisória com amparo no art. 966, V, do CPC de 2015, em que se pretende desconstituir sentença em que , com base na prova oral e documental, se julgou improcedente a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego.
II. Alegação de violação do art. 5º, XXXV e LV, da CRFB em razão do indeferimento da oitiva de duas testemunhas em audiência telepresencial.
III. No caso em exame, a controvérsia consiste em decidir sobre a caracterização de afronta ao art. 5º, XXXV e LV, da CRFB apta a deflagrar o corte rescisório de sentença em que, em reclamação trabalhista, se julgou improcedente pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego amparada também na prova oral, em hipótese na qual, na fase de instrução, em audiência telepresencial, foi indeferido requerimento de oitiva de duas testemunhas que não conseguiram ingressar na sala virtual de audiência, havendo registro em ata que uma delas chegou a conectar-se à sala virtual de espera e que, em relação à outra, não foi informado ao juízo a pretensão de sua oitiva no início dos depoimentos.
IV. O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 1º, ao dispor que ” o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil “, chancela a constitucionalização do processo, que demanda a adoção de critérios hermenêuticos valorativos para a aplicação das normas processuais infraconstitucionais, cuja instrumentalização deve servir ao mister de concretização das disposições constitucionais.
V. O Conselho Nacional de Justiça, por meio da sua Resolução nº 354/2020, que disciplina o cumprimento digital de ato processual, normatizou, em seu art. 7º, I, que, em audiência telepresencial, a oitiva de testemunha será equiparada às presenciais para todos os fins legais, asseguradas as prerrogativas processuais das partes e testemunhas.
VI. De outro lado, nos termos do art. 825 da CLT, no processo do trabalho, as testemunhas comparecerão à audiência independentemente de intimação, sendo certo que as ausentes serão intimadas, de ofício ou a requerimento da parte, ficando sujeitas a condução coercitiva.
VII. Outrossim, o art. 849 da CLT estabelece que ” a audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação “.
VIII. Nesse cenário, sob o prisma hermenêutico da constitucionalização do processo, na reclamação trabalhista matriz, diante da impossibilidade técnica de as testemunhas prestarem depoimento em audiência telepresencial e do requerimento da parte autora insistindo em sua oitiva, cumpria ao magistrado determinar a redesignação da audiência com supedâneo no art. 849 da CLT, porquanto a situação configura força maior que autoriza a marcação de nova audiência.
IX. Cumpre destacar que não era possível exigir a adoção de qualquer conduta pela reclamante em audiência com o fim de solucionar o problema, pois cumprido seu ônus de convidar as testemunhas, na forma do art. 825 da CLT, sendo certo que a testemunha é apenas indicada e convidada pelas partes, podendo também ser inquirida de ofício pelo juiz (art. 461 do CPC de 2015), haja vista que a prova pertence aos autos, não às partes, não cabendo à reclamante, em audiência telepresencial, solucionar problema técnico de conexão à internet da testemunha, tampouco empreender meios de obrigá-la a se conectar, pois a condução coercitiva, por óbvio, é providência que somente incumbe ao juiz determinar, a teor do art. 825 da CLT.
X. De igual modo, não se pode exigir da reclamante que obrigasse as testemunhas a produzirem prova da falha de conexão com a internet, pois, repita-se, à parte incumbe apenas indicar e convidar, sendo-lhe defeso impor qualquer providência a cargo da testemunha.
XI. O quadro narrado na audiência telepresencial do processo matriz se assemelha à hipótese em que, em audiência presencial, a testemunha está presente na sala de espera do pregão, mas, em seguida, deixa a unidade judiciária por alguma razão médica de baixa gravidade. Em tal cenário, não há dificuldade em se compreender pela configuração da força maior que autoriza a redesignação de audiência de que trata o art. 849 da CLT, pois não é possível exigir da parte que indicou e convidou a testemunha que solucione a sua necessidade de saúde e tampouco que a obrigue a permanecer na sala de audiência para prestar depoimento.
XII. Assim, como a audiência telepresencial se equipara à presencial para todos os efeitos, a teor do art. 7º, I, da Resolução nº 354/2020 do CNJ, forçoso concluir que a identidade de circunstâncias impunha ao juiz determinar a redesignação da audiência de instrução para colher o depoimento das testemunhas.
XIII. Nesse cenário, como foi julgada improcedente na sentença rescindenda a pretensão de vínculo de emprego amparada também na prova oral, estando demonstrado o prejuízo da ora autora, tem-se que o indeferimento da oitiva das testemunhas no caso em exame importou em mácula ao princípio do contraditório e ampla defesa, lapidado no art. 5º, LV, da Constituição de República, situação que autoriza o corte rescisório com espeque no art. 966, V, do CPC de 2015.
XIV . Recurso ordinário de que se conhece no tema e a que dá provimento para julgar procedente a ação rescisória.
A SDI-2, seguindo o voto do relator, reconheceu o cerceamento de defesa e anulou a sentença. A decisão foi unânime.
Processo: ROT-9172-89.2021.5.15.0000