A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1, por unanimidade, deu provimento à apelação da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do ato da União que excluiu candidato do curso básico de formação de Oficiais da Marinha Mercante sob o argumento de que o laudo pericial teria constatado que o apelante não atendia os requisitos de acuidade visual exigidos no edital.
Consta dos autos que o candidato comprovou “que não possui estrabismo convergente e que sua acuidade visual não é de 20/60, no olho direito, e de 20/25, no esquerdo. Sustenta que sua exclusão do curso teria sido equivocada pois, com a correção, sua acuidade ótica é de 20/20 em ambos os olhos, conforme comprovado pelos laudos médicos juntados e, também, pelo laudo pericial”.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, explicou que, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e deste tribunal de que “não se trata de mera aplicação da teoria do fato consumado — com a consolidação de uma situação fática pelo simples decurso do tempo —, mas de comprovação de que a parte recorrida é habilitada ao cargo, tendo sido aprovada no curso de formação, e efetivamente exercido a função por vários anos”.
O magistrado, em seu voto, ressaltou que “há nos autos laudos médicos comprovativos de que o autor, após a cirurgia realizada, atingiu a acuidade visual exigida pelo edital, 20/20 sem correção, em ambos os olhos. Mais ainda, foram juntados atestados de saúde conferindo aptidão física para o desenvolvimento de suas atividades em plenitude, sem qualquer ressalva.”
Ao finalizar sua decisão, o desembargador destacou que “tratando-se, pois, de situação comprometedora de anos de vida do apelante e que, portanto, não deve ser revertida, torna-se necessária a convalidação da situação jurídica consolidada pelo tempo, em vista da imprescindível efetivação dos princípios gerais de direito, mormente os princípios da boa-fé, da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. OFICIAL DA MARINHA. ACUIDADE VISUAL SATISFATÓRIA COM USO DE LENTES CORRETIVAS. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. DEFERIMENTO. FATO NOVO: REALIZAÇÃO DE CIRURGIA REFRATIVA CORRETIVA. PRREENCHIDO REQUISITO DO EDITAL DE ACORDO COM PERÍCIA JUDICIAL. MATRÍCULA, FREQUÊNCIA E APROVEITAMENTO LEVADAS A EFEITO. TEORIA DO FATO CONSUMADO. 1. A revigoração da eficácia da tutela antecipada deferida, possibilitando o autor a dar continuidade à sua formação, permitiu a ocorrência de fatos novos, que vieram aos autos. 2. Finalizou o curso básico de formação de oficiais da Marinha Mercante com aproveitamento, conforme diploma de bacharel em ciências náuticas, que teve início em 30/01/2012 e término em 19/11/2015 (ID Num. 41696023 – Pág. 48; pág 325 do pdf de rolagem única crescente). 3. O autor submeteu-se, com êxito, a cirurgia refrativa a laser, em 22/01/2014 fazendo a correção da acuidade visual. Juntou atestados médicos. Um demonstrou que apresenta acuidade visual 20/30 nos dois olhos (ID Num. 41696024 – Pág. 266; pág 268 do pdf de rolagem única crescente); outro que tem acuidade visual 20/20 nos dois olhos, sem correção, para longe e AO J1 para perto. Chama a atenção a observação lançada no laudo de que o paciente se submeteu a cirurgia bem conduzida por PRK em ambos os olhos com residual mínimo e boa função visual, sem correção (ID Num. 41696024 – Pág. 267; pág. 269 do pdf de rolagem única crescente). 4. Foi submetido a um exame clínico, em dez/2014, elaborado pela Marinha, tendo sido considerado apto para o desenvolvimento das atividades, conforme demonstra certificado de saúde juntado aos autos (ID Num. 41696023 – Pág. 11; pág 288 do pdf de rolagem única crescente). 5. Foi admitido em seleção para a realização de estágio na empresa Farstad Shipping S/A,), intermediado pelo Centro de Instrução Almirante Graça Aranha, conforme termo juntado aos autos (ID Num. 41696023 – Págs. 7 a 9; págs 284 a 286 do pdf de rolagem única crescente. Para tanto, foi submetido a exame admissional, que atestou sua capacidade na avaliação de acuidade visual (vide atestado de saúde ocupacional ASO ID Num. 41696023 – Pág. 10; pág 287do pdf de rolagem única crescente). 6. O apelante comprovou a celebração de contrato de trabalho por prazo indeterminado com a PETROBRAS Transporte S/A TRANSPETRO, celebrado em janeiro de 2018, e respectivos exames admissionais e periódicos, demonstrativos da sua aptidão para o desenvolvimento das atividades profissionais marítimas, preenchido satisfatoriamente, entre os demais aspectos, o requisito de acuidade visual (ID Num. 41696023 – Págs. 61 a 68; págs 338 a 346 do pdf de rolagem única crescente). 7. Os novos documentos juntados aos autos formam um robusto conjunto probatório de que o apelante preencheu todos os requisitos constantes do edital para a realização do Curso de Oficiais da Marinha Mercante. Primeiramente, com a realização da correção cirúrgica, a situação fática já se delineia com os contornos expostos no laudo do perito judicial de que o autor teria a possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia e o astigmatismo e se enquadrar no item 2.2 do anexo IV do edital em questão. Outrossim, há nos autos laudos médicos comprovativos de que o autor, após a cirurgia realizada, atingiu a acuidade visual exigida pelo edital, 20/20 sem correção, em ambos os olhos. Mais ainda, foram juntados atestados de saúde conferindo aptidão física para o desenvolvimento de suas atividades em plenitude, sem qualquer ressalva. 8. Aliado a isso, o decurso do tempo consolidou uma situação fática, cuja desconstituição não se mostra viável, pois o apelado já realizou o curso de Oficiais da Marinha Mercante (ID Num. 42704531 – Pág. 81) e não há como desfazer este fato concreto. Precedente: TRF da 1ª Região, AC 2006.34.00.010522-0/DF, Desembargadora Federal Gilda Sigmaringa Seixas, Primeira Turma, julgamento em 05/10/2016, e-DJF1 em 26/10/2016. 9. A hipótese atrai a aplicação do fato consumado, tendo em vista o lapso temporal decorrido desde a decisão que deferiu a medida liminar em 05/12/2013, que determinou a continuidade da participação do apelante no curso de formação de Oficiais da Marinha Mercante -, mormente considerados o estágio profissional já realizado, com êxito, bem como o contrato de emprego firmado, demonstrativos de que bem adquiriu o conhecimento fornecido através do curso, e que está apto fisicamente para o exercício do seu labor. 10. Tratando-se, pois, de situação comprometedora de anos de vida do apelante e que, portanto, não deve ser revertida, torna-se necessária a convalidação da situação jurídica consolidada pelo tempo, em vista da imprescindível efetivação dos princípios gerais de direito, mormente os princípios da boa-fé, da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica. 11. Em razão da inversão na distribuição do ônus da sucumbência, fica a parte ré condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com fulcro no art. 20, §3º, do CPC/73, vigente ao tempo da prolação da sentença. 12. Apelação provida para reconhecer a invalidade do ato de exclusão do autor do curso básico de formação de Oficiais da Marinha Mercante, determinando sua correspondente matrícula e frequência no dito curso, pois atendido satisfatoriamente o quanto exigido no edital com relação ao requisito da acuidade visual. Agravo interno prejudicado.
Processo: 0001163-73.2012.4.01.3801