A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão de segundo grau que havia condenado uma escola a pagar indenização pelos danos decorrentes de briga entre alunos. Para o colegiado, a responsabilidade objetiva da instituição de ensino somente poderia ser reconhecida se fosse demonstrado nexo de causalidade entre eventual omissão de seus agentes e os danos sofridos pelo estudante que ajuizou a ação indenizatória.
No entanto, a relatora, ministra Isabel Gallotti, observou que a condenação da instituição pela corte de segundo grau foi baseada apenas no artigo 932, inciso IV, do Código Civil, o qual impõe a responsabilidade objetiva de estabelecimentos de hospedagem – inclusive educacionais – pelos danos causados a terceiros por seus hóspedes. Para a relatora, o dispositivo não se aplica ao caso, pois a escola não foi caracterizada no processo como um colégio interno, onde os alunos ficassem albergados.
A briga envolveu dois estudantes de 17 anos, e um deles sofreu lesões no rosto e fratura no maxilar. O juiz de primeiro grau entendeu que houve legítima defesa, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou o outro aluno envolvido na briga e a instituição de ensino, de forma solidária, ao pagamento de R$ 500 por danos materiais e de R$ 6 mil por danos morais.
Acórdão não indica defeito na prestação do serviço
Isabel Gallotti lembrou que, para a jurisprudência do STJ, apoiada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), “os estabelecimentos de ensino têm dever de segurança em relação ao aluno no período em que estiver sob sua vigilância e autoridade, dever este do qual deriva a responsabilidade pelos danos ocorridos”. Essa responsabilidade, porém, exige a caracterização de defeito na prestação do serviço, o que se daria pelo reconhecimento do nexo causal entre a omissão dos funcionários e o dano sofrido pelo aluno.
“A lesão ao autor decorreu de ato súbito de colega, não se depreendendo dos fatos levados em consideração pelo acórdão recorrido nenhuma ação ou omissão da instituição de ensino caracterizadora de defeito na prestação de serviço que tenha nexo de causalidade com o dano, de forma a ensejar a responsabilidade objetiva do colégio com base no artigo 14 do CDC”, declarou a ministra.
Segundo ela, mesmo que o artigo 932, IV, do Código Civil fosse aplicável ao caso em julgamento, seria preciso demonstrar a existência do nexo de causalidade, mas o TJMG não afirmou em seu acórdão que teria havido omissão da escola na preservação da segurança dos alunos.
Descrição dos fatos descaracteriza o nexo de causalidade
“Não se pode exigir dos estabelecimentos de ensino que mantenham bedéis entre cada aluno seu, a fim de evitar que um deles agrida o outro, ou que haja agressões mútuas entre eles”, comentou a relatora, destacando ainda que não se tratava de crianças, mas de jovens de 17 anos.
No entendimento da magistrada, a descrição dos fatos pelo tribunal mineiro descaracteriza o nexo de causalidade entre o evento danoso e a atividade da escola, pois tudo ocorreu de forma repentina, sem que os funcionários tivessem a possibilidade de agir. Além disso, ela apontou – sempre com base nos fatos reconhecidos pela corte estadual – que foi o autor da ação quem iniciou as agressões, “o que também contribui para a descaracterização do nexo de causalidade material”.
Embora tenha afastado a condenação da instituição de ensino, a Quarta Turma decidiu devolver o processo ao TJMG para que ele analise a alegação do autor da ação de que a administração da escola não lhe teria prestado o devido atendimento depois da briga. Essa alegação – rejeitada pela sentença e não apreciada pela corte estadual – poderia, se confirmada, levar à responsabilização com base no artigo 14 do CDC.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSOS ESPECIAIS INTERPOSTOS PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO E POR ALUNO DELA, CONDENADOS A RESPONDER CIVILMENTE PELAS AGRESSÕES PRATICADAS POR ESSE ALUNO CONTRA OUTRO NO INTERVALO DO RECREIO NAQUELA INSTITUIÇÃO.1. Recurso interposto pelo aluno deficiente quanto à sua fundamentação diante da ausência de indicação do dispositivo legal tido por violado. Incidência da Súmula 284 do STF.2. Recurso interposto pela instituição de ensino. Responsabilidade civil da instituição de ensino firmada com base no art. 932, IV, do CC 2002. Inaplicabilidade à hipótese de fato delineada pelas instâncias ordinárias, considerando que não se trata de instituição de ensino “onde se albergue por dinheiro”. Ausência, ademais, de nexo de causalidade entre a suposta omissão da instituição de ensino e o dano causado a um de seus alunos por outro. Caso em que, conforme o panorama de fato traçado pela corte revisora, a desavença ocorrida entre os dois alunos, adolescentes de dezessete anos, ocorreu de forma súbita, descaracterizando o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade imputável aos agentes da instituição de ensino, considerando que não havia a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. (STF, RE 109615 e RE 841526.)3. Ausência de análise, pelo acórdão recorrido, de alegação do autor, rejeitada pela sentença, de que teria ocorrido omissão de socorro e negligência da instituição de ensino quando informada da agressão, o que, se confirmado, acarreta a responsabilidade objetiva, por defeito relativo à prestação de serviço, prevista no art. 14 do CDC.4. Não cabendo, no âmbito do recurso especial, a resolução de controvérsia a propósito de matéria de fato, impõe-se a volta dos autos à origem para que o Tribunal aprecie as demais alegações das partes, especialmente no tocante à conduta do colégio imediatamente após a agressão.5. Recurso especial interposto pelo aluno não conhecido. Recurso especial interposto pela instituição de ensino conhecido e provido em parte.
Leia o acórdão no REsp 1.539.635.