A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 manteve, por unanimidade, a decisão de primeira instância que garantiu o fornecimento, através do Sistema Único de Saúde (SUS), do medicamento Translarna (Ataluren) a um paciente com Distrofia Muscular de Duchenne (Síndrome de Duchenne), negando provimento à apelação da União contra a sentença que confirmou a tutela de urgência e determinou o fornecimento do remédio, por prazo indeterminado, imediato e contínuo, nos termos da prescrição médica.
De acordo com o voto do relator do processo, desembargador federal Vladimir Carvalho, a argumentação de que há política pública do SUS (Sistema Único de Saúde) para o tratamento da patologia diagnosticada não se sustenta, uma vez que os laudos médicos apresentados são legítimos para eleger o fármaco adequado às peculiaridades da doença. Além disso, a demanda atende os requisitos da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o fornecimento de medicamentos não contemplados em lista do SUS (RESP 1657156/RJ).
O relator frisou, ainda, que o custo do medicamento não deve ser fundamento para suplantar o dever constitucional de prestar assistência à saúde, que a eficácia da medicação e de sua imprescindibilidade para o tratamento ficaram comprovadas, a partir do relatório médico, e que o paciente já havia sido submetido, sem sucesso, aos tratamentos fornecidos pelo SUS, apresentando progressão da doença.
A Distrofia Muscular de Duchenne é um distúrbio degenerativo, progressivo e irreversível do tecido muscular, que causa fraqueza, podendo afetar os movimentos voluntários e involuntários do corpo. Por isso, pode também afetar a musculatura cardíaca e o sistema nervoso.
O recurso ficou assim ementado:
Constitucional, Administrativo e Processual Civil. Apelação da União ante sentença que julgou procedente o pedido e confirmou a tutela de urgência, para determinar o fornecimento ao autor do medicamento Translarna (Ataluren), 90 saches de 250mg, nos termos da prescrição médica. Preliminar de inclusão de litisconsorte passivo necessário afastada. Responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, na garantia do direito à saúde. Medidas de contracautela. Inexistência de óbice no pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública da União.
1. Inicialmente, torna-se desnecessária a inclusão do Estado de Sergipe e/ou Município, como litisconsorte passivo necessário, porquanto o art. 196 da Constituição, ao dispor que é dever do Estado garantir a todos o direito à saúde, emprega a expressão Estado, Poder Público, de modo genérico, sendo essa responsabilidade solidária de incumbência da União, dos Estados – enquanto unidades federadas, Distrito Federal e dos Municípios, conforme sumulado no Tema 793, do Supremo Tribunal Federal, no RE 855.178/SE.
2. Observa-se que não aproveita ao apelante a argumentação de que há política pública do SUS para o tratamento da patologia diagnosticada, uma vez que os laudos médicos acostados aos autos são legítimos, para eleger o fármaco adequado às peculiaridades da doença, na paciente.
3. Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese submetida a julgamento no Tema 106, no RESP 1.657.156/RJ, que, para o fornecimento do fármaco, deverão ser preenchidos estes requisitos: (I) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do tratamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (II) incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (III) existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
4. Frisa-se que o custo do medicamento não deve ser fundamento para suplantar o dever constitucional de prestar assistência à saúde, cometida a todos os entes federativos, especialmente quando não demonstrada, efetivamente, a impossibilidade da obrigação.
5. No caso concreto, resta incontroverso que o autor faz jus ao uso e ao recebimento do medicamento Translarna (Atalureno), 90 saches de 250mg, para tratamento da enfermidade, pois, a) o autor foi diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) – CID: G71.0, enfatizando que a medicação requerida é imprescindível devido ao risco de morte caso não faça uso dela; b) demonstra a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e, c) existe registro do medicamento na ANVISA indicando o medicamento para tratamento da enfermidade nos termos estabelecidos pela tese firmada no Tema 106, no RESP 1.657.156/RJ.
6. Destarte, a União deve garantir o tratamento médico de que necessita o autor, tendo a obrigação de fornecer ao autor o medicamento Translarna (Atalureno), 90 saches de 250mg, gratuitamente, nos termos da prescrição médica, pelo tempo necessário. Precedente: PJe 0806617-11.2019.4.05.8500, Apelação Cível, desta relatoria, assinado em 29 de julho de 2022.
7. Como medida de contracautela, deverá o autor, ora apelado, colacionar aos autos nova receita médica e relatório, a cada intervalo de três meses, a fim de comprovar a necessidade de manutenção do tratamento, ressalvando que, em caso de não utilização do medicamento efetivamente recebido pela parte apelante, o mesmo deverá ser devolvido ao órgão público competente, sob pena de ressarcimento ao erário, em face do seu elevado custo.
8. Relativamente à impossibilidade de condenação da União em honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União, não assiste razão a apelante. É que a Defensoria Pública da União tem autonomia funcional, administrativa e orçamentária, a teor das Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, consoante julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal [STF], nos autos do Agr na AR n. 1937, julgado em 30 de junho de 2017.
9. Improvimento à apelação da União.
10. Honorários advocatícios recursais fixados em 01% (um por cento) sobre o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais (arbitrados no importe de 10% do proveito econômico obtido, na forma do art. 85, caput, §3º, inc. I, do Código de Processo Civil), com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.
PROCESSO Nº: 0800154-36.2022.4.05.8504