O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concedeu, no final de setembro, indenização por danos morais aos filhos do ex-vereador do PTB de Itaqui (RS) Bernardo Dutra de Araújo, falecido em 2000. A 4ª Turma reformou sentença que havia negado o pedido alegando prescrição do direito e reconheceu a condição de anistiado político de Araújo.
O político foi cassado em 15 de abril de 1964. Considerado subversivo, ele ficou preso por 19 dias no Regimento de Cavalaria de Itaqui, onde teria sofrido tortura física e psicológica. Após deixar a prisão, a família passou por grandes dificuldades financeiras. O ex-vereador era construtor e, até a prisão, responsável por grande parte das construções no município. Com a pecha de ‘subversivo’, não conseguia mais obter trabalho, sendo rechaçado pela comunidade, com medo de represálias.
A família, composta de sete filhos, três meninas e quatro meninos, teve que se mudar para Porto Alegre e viver de favor na casa de parentes, enquanto Araújo seguia tentando trabalho em Itaqui. Além das dificuldades financeiras, a desagregação familiar trouxe sequelas psicológicas aos filhos, alguns precisando de remédios de uso controlado até hoje.
Em outubro de 2011, eles ajuizaram ação pedindo indenização por danos morais de R$ 200 mil. O pedido foi negado pela 3ª Vara Federal de Santa Maria (RS) por prescrição, tendo em vista o óbito do ex-vereador.
Eles recorreram ao tribunal, que chegou a entendimento diverso. Conforme o desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, relator, “segundo a orientação da Corte Superior, a anistia política prevista no art. 8º do ADCT é extensível não apenas àqueles que comprovadamente mantinham atividade laboral na esfera pública ou privada, mas, também, àqueles outros que, embora não trabalhassem, foram perseguidos por agentes estatais em decorrência de motivação política”.
“Não há dúvida de que a prisão injusta, por si só, foi suficiente para impingir no preso e em sua família significativo abalo moral, especialmente considerando-se a época em que os fatos se deram, e, ainda, que o próprio Estado, garantidor natural dos direitos individuais, suprimiu garantias e violou direitos”, avaliou o magistrado em seu voto.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO. CONSIDERAÇÃO ANISTIADO POLÍTICO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR INDENIZAÇÃO NÃO IMPLICA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
A Lei n.º 10.559/2002, ao regulamentar o disposto no artigo 8º dos Atos das Disposições Transitórias da Constituição Federal, contemplou o direito do anistiado político a indenização que abarca tanto os danos materiais como os morais, uma vez que vedou a percepção cumulativa de outro pagamento, benefício ou indenização sob idêntico fundamento, nos termos de seu artigo 16.
O conjunto probatório demonstra a comprovação da motivação política da prisão, arbitrária e ilegal, na época em que exercia o cargo de vereador no município de Itaqui/RS, que foi interrogado no quartel do Regimento de Cavalaria do Exército (27/04/1964) sobre os fatos relacionados com atividades consideradas subversivas ao regime vigente na época dos fatos.
O tempo de duração do período de prisão não ficou devidamente comprovado nos autos, sendo possível apurar que no dia 15/04/1964 a sua prisão foi levada a consideração do Plenário da Câmara de Vereadores de Itaqui/RS (evento 1 – of. com. 22)
Considerando as particularidades do caso (inexistência de provas do tempo de prisão e que a perseguição tenha se estendido no tempo), a indenização pelos danos morais sofridos pelo autor deve ser fixada em patamar inferior ao máximo previsto no § 2º, do art. 4º, da Lei da Anistia (que é de R$ 100.000,00 à época).
Desta forma, tenho que cabe aplicar, para o dano moral, um valor médio da reparação econômica em prestação única, de R$ 50.000,00, corrigido monetariamente desde a data da entrada em vigor da MP nº 62/2002 (28/08/2002).
A Constituição da República, em seu art. 5º, XXXV, consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição, estabelecendo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, portanto tal ato não é de competência exclusiva do Ministro da Justiça.
Ademais, não há óbice ao controle judicial dos atos administrativos vinculados e, por óbvio, o reconhecimento da condição de anistiado político não é ato discricionário, já que não submetido a juízo de conveniência e oportunidade do administrador.
Com efeito, a condição de perseguido político emerge dos fatos, sendo a concessão da anistia política, quando devidamente evidenciada aquela condição, uma imposição constitucional e legal, não se tratando de mero favor do Estado, mas sim um ato sobre o qual a Comissão de anistia não pode fazer juízo de discricionariedade. Logo, cabe reconhecer a condição de anistiado político do falecido genitor dos autores.
Os autores deverão receber R$ 50 mil corrigidos monetariamente desde a data da entrada em vigor da MP nº 62/2002 (28/08/2002), com acréscimo de juros moratórios a contar da citação da União.
5007712-55.2011.4.04.7102