A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus a um homem que buscava autorização para cultivar cannabis medicinal para uso próprio. No acórdão, o Colegiado permitiu a importação e o cultivo, contudo, destacou a necessidade de instrução complementar para determinar os detalhes exatos do cultivo.
Segundo consta dos autos, o paciente sofre de insônia grave e por prescrição médica começou tratamento à base de maconha medicinal há três anos, realizando o cultivo da planta para produzir o óleo de cannabis, o canabidiol. Para isso, ele alegou a necessidade de autorização para cultivo de 90 plantas, que dariam ao requerente a quantidade de óleo necessária à prescrição médica de 90 ml por mês.
Porém, seu pedido de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar (em caráter de urgência), foi indeferido na 1ª instância, pois foi considerado inadequado para o caso em questão.
No processo, o Ministério Público Federal (MPF) opinou pela não concessão da ordem “em razão da falta de comprovação dos requisitos exigidos nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, como o laudo médico para comprovar a enfermidade e a necessidade e/ou imprescindibilidade do canabidiol para o tratamento médico, bem como autorização da Anvisa para importação, prescrição médica, demonstração de expertise para cultivo da planta para fins medicinais, destinação da cultura exclusivamente para uso próprio e fiscalização pelas autoridades brasileiras e dificuldade para continuar o tratamento em razão do alto custo da importação”.
Concessão parcial – Ao analisar o recurso, o juiz federal convocado pelo TRF1 Pablo Zuniga Dourado, relator, considerou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que é cabível a concessão do salvo-conduto para importação de sementes e cultivo de cannabis sativa, assim como para o afastamento das penalidades relativas a essas hipóteses.
Entretanto, o magistrado ponderou a impossibilidade da concessão do habeas corpus nesse caso específico em virtude “dos termos nos quais ela foi requerida, notadamente, ante a carência de prova pré-constituída sobre o quantitativo de importação e produção prescritos pelo médico que acompanha o paciente”, visto que não é possível determinar com precisão a quantidade adequada necessária ao tratamento.
Nesse contexto, o desembargador afirmou que não se trata “de limitação por parte do Judiciário do direito de acesso do paciente à saúde, mas sim de insuficiente instrução da impetração, que exige prova pré-constituída do direito alegado”.
O magistrado pontuou, ainda, que um eventual pedido de ampliação dos efeitos do habeas corpus deverá ser realizado “desde que apresentada a documentação suficiente para a aferição do quantum necessário para importação e cultivo da cannabis sativa no caso específico do paciente”.
Assim sendo, a Turma, acompanhando o voto do relator, concedeu parcialmente o pedido para garantir que “o Estado e seus aparatos policiais se abstenham de apreender, destruir equipamentos ou cercear a liberdade do paciente pelo cultivo de cannabis para fins próprios e medicinais, garantindo-se-lhe também a importação, no momento, de 30 sementes de cannabis de que necessita para o plantio, cultivo e continuidade do seu tratamento de saúde”.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. SALVO-CONDUTO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. CULTIVO DA PLANTA. FINS MEDICINAIS. TRATAMENTO TERAPÊUTICO PRÓPRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. REMESSA OFICIAL PROVIDA. DESCONSTITUIÇÃO DA ORDEM CONCEDIDA.
I – O mais recente entendimento firmado pelos Tribunais Superiores no sentido da atipicidade material das condutas em foco (a saber: importação de sementes e cultivo de cannabis sativa para uso medicinal próprio), assim como, da possibilidade de manejo do habeas corpus para o afastamento das repercussões penais de tais condutas. (REsp n. 1.988.528/RJ, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 11/10/2022, DJe de 17/10/2022; HC n. 779.289/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 28/11/2022). Cabível, portanto, a concessão de salvo-conduto nessa hipótese.
II – Entretanto, há impossibilidade de concessão da ordem em todos os termos nos quais ela foi requerida, notadamente, ante a carência de prova pré-constituída sobre o quantitativo de importação e produção prescritos pelo médico que acompanha o paciente
III – No caso, não há como aferir-se, na estreita via do presente habeas corpus, qual o quantitativo adequado para importação e cultivo relativo ao referido tratamento, nela não sendo cabível a realização de dilação probatória no particular. Não se trata o caso, obviamente, de limitação por parte do Judiciário do direito de acesso do paciente à saúde, mas sim de insuficiente instrução da impetração, que exige prova pré-constituída do direito alegado.
IV – Eventual pedido de ampliação dos efeitos da presente ordem, desde que apresentada a documentação suficiente para a aferição do quantum necessário para importação e cultivo da cannabis sativa no caso específico do paciente, deverá ser realizado, primeiramente, perante o juízo da primeira instância.
V – Ordem parcialmente deferida, para assegurar ao paciente que “‘o Estado e seus aparatos policiais se abstenham de apreender, destruir equipamentos ou cercear a liberdade do paciente pelo cultivo de cannabis para fins próprios e medicinais”, garantindo-se-lhe também a importação, no momento, de 30 sementes de cannabis de que necessita para o plantio, cultivo e continuidade do seu tratamento de saúde'”.
Processo: 1015731-48.2023.4.01.0000