5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em matéria sob a relatoria do desembargador Vilson Fontana, decidiu condenar o Estado a indenizar uma mulher que perdeu a visão de um dos olhos pela negativa de cirurgia decorrente de falta de material em hospital público na Grande Florianópolis. Em função da falta de óleo de silicone e de outro líquido, a cirurgia foi realizada somente quatro meses depois e o deslocamento de retina provocou a cegueira. A vítima será indenizada em R$ 15 mil, valor a ser reajustado desde a data da negativa da cirurgia, em janeiro de 2001.
Para corrigir uma lesão na vista, a mulher foi submetida a um procedimento médico. Após duas semanas foi observado o início de descolamento da retina e proposta cirurgia com óleo de silicone. Como não havia óleo e o líquido necessário para promover o acoplamento de retina antes da aplicação do endolaser, a cirurgia teve que esperar pela chegada dos materiais. De acordo com a perícia, neste tempo houve apoptose (autodestruição programada de uma célula) de retina e, embora a cirurgia posterior tenha promovido o acoplamento topográfico, a visão não se reconstituiu.
Diante da situação, a paciente entrou com a ação de dano moral. Como a própria mulher reconheceu que abandonou o tratamento em determinado hospital, o laudo pericial atestou que a situação pode ter contribuído para a perda da visão. Com base nessa informação, o magistrado de origem negou o dano moral. Irresignada, a mulher recorreu e alegou que a perícia foi nula, porque o perito não é especialista em oftalmologia. Além disso, afirmou que o hospital foi relapso ao remarcar sua segunda cirurgia.
“O quadro inconteste é que havia uma urgência oftalmológica constatada e comunicada pelo médico com perigo de agravamento e, mesmo assim, por falta de estrutura e organização técnica do hospital, a cirurgia só foi realizada, em termos clínicos, muito tempo depois: quase quatro meses”, disse o relator em seu voto.
A sessão foi presidida pelo desembargador Hélio do Valle Pereira e dela também participou a desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski. A decisão, adotada em sessão no último dia 8 de agosto, foi unânime.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. CPC/73. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESÍDIA MÉDICA EM HOSPITAL PÚBLICO. PERDA DA VISÃO DE UM OLHO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO. AGENTE PÚBLICO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. ATUAÇÃO EM NOME DO ESTADO. CF, ART. 37, § 6º. DUPLA PROTEÇÃO. PRECEDENTES DO STF E DESTA CÂMARA. ILEGITIMIDADE PERANTE TERCEIROS RECONHECIDA.
MÉRITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. NEXO CAUSAL DEMONSTRADO PELA PERÍCIA. QUADRO URGENTE (DESCOLAMENTO DE RETINA) DESATENDIDO POR FALTA DE CONDIÇÕES TÉCNICAS DO HOSPITAL. DEMORA INJUSTIFICADA. RESPONSABILIDADE MATERIAL DO ENTE ESTATAL NESTE PONTO. CONSTATAÇÃO, ENTRETANTO, DE CAUSALIDADE CONCORRENTE. PACIENTE QUE DEMORA PARA BUSCAR ATENDIMENTO E ABANDONA PRECOCEMENTE O TRATAMENTO. INDENIZAÇÃO PONDERADA. FIXAÇÃO EM R$ 15.000,00. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Apelação Cível n. 0000137-62.2004.8.24.0045