Somente ocorre delação premiada quando as declarações do réu ultrapassam o que já foi apurado na investigação

Não ocorre delação premiada ou perdão judicial, mas apenas atenuante da confissão espontânea, quando as declarações do réu, não ultrapassam o que já havia sido apurado em investigação policial. Essa tese foi adotada pela 3ª Turma do TRF1 ao julgar apelação de acusados pelas práticas das condutas de quebrar sigilo bancário fora das hipóteses previstas em lei, furto qualificado pela fraude e concurso de pessoas, além do crime de quadrilha ou bando.

Consta dos autos que os denunciados realizaram transferências fraudulentas via internet, de valores de correntistas da Caixa Econômica Federal (CEF). Os acusados criavam falsas páginas de internet de instituições bancárias. Os dados digitados pelos usuários nessas páginas eram recebidos por eles que, então, realizavam as transações financeiras.

Os acusados agiam de duas formas. Na primeira, induziam os clientes a acessar tais páginas a partir de mensagens recebidas por e-mail. Quando o cliente abria a falsa mensagem, era instalado um programa de computador denominado Cavalo de Tróia ou Trojan, capaz de monitorar e capturar informações inseridas pelos usuários dos computadores infectados. Na outra, a atuação da quadrilha se baseava na emissão de mensagens ameaçadoras ou anunciando suposta inadimplência da vítima com o Serasa. Nesse caso, eram solicitados diretamente os dados bancários da vítima.

Cada integrante desempenhava uma função: a principal e mais importante figura da organização é o Programador, aquele que criava a página clone, as mensagens eletrônicas e os programas Trojan, é o cérebro da organização. Os demais eram os Usuários, que emitiam as mensagens; em terceiro lugar estão os Biscoiteiteiros, Carteiros ou Cartãozeiros, os criminisos que efetuavam a aquisição de cartões bancários e, por fim, os Laranjas, pessoas que não são simples e ingênuas, que emprestavam suas contas bancárias para recebimento dos créditos obtidos fraudulentamente mediante remuneração.

Todos os acusados apelaram da sentença de condenação. Um deles, considerado o chefe da organização, requereu o perdão judicial ou a redução da pena de 1 a 2/3, nos termos do art. 13 e 14 da Lei nº 9.807/99 alegando ter colaborado com a investigação criminal,  fazendo jus à delação premiada.

Decisão – Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora federal Mônica Sifuentes, destacou que a sentença foi correta ao concluir que a delação somente pode ser admitida quando o réu, além de confessar a prática do crime que lhe é imputado, aponta a participação de outros envolvidos no esquema criminoso, demonstrando a sua colaboração com o Poder Judiciário e uma menor culpabilidade, justificando a aplicação de uma sanção menos grave.

“No presente caso, não há que se falar no reconhecimento de delação premiada em favor de qualquer um dos acusados, mas apenas na atenuante da confissão, para os réus confessos, prevista no artigo 65 do CP, tendo em vista que as delações dos réus em nada contribuíram para além do que já havia sido objeto de investigação, do que já fora apurado pela interceptação telefônica”, elucidou a magistrada. “Pelos mesmos fundamentos, ressaltou a magistrada, o apelante não faz jus à extinção da punibilidade pelo perdão judicial”, acrescentou.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSO PENAL. FURTO QUALIFICADO PELA FRAUDE. INTERNET. CONTINUIDADE DELITIVA. QUADRILHA. COMPETÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LICITUDE DA PROVA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA DE OFÍCIO. MENOR DE 21 ANOS NA DATA DOS FATOS. CAPITULAÇÃO. MATERIALIADADE E AUTORIA COMPROVADAS. PERDÃO JUDICIAL. DELAÇÃO PREMIADA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DOSIMETRIA DA PENA. REPARAÇÃO POR DANOS. 1. Compete à Justiça Federal processar e julgar a causa, quando há delitos apurados (furto por meio da internet) praticados contra a Caixa Econômica Federal – CEF, empresa pública federal (art. 109, IV, da Constituição Federal). Ainda que a Ação Penal também se refira a furtos cometidos contra o Banco do Brasil e bancos privados, a competência federal se mantém, em razão da conexão, conforme consagrado pela Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça. (Precedentes deste Tribunal Regional). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, mantém entendimento de que a prolação da sentença condenatória torna preclusa a alegação de inépcia da denúncia. (Precedentes do STJ). 3. “O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção”. (AI-AgR 626214, Ministro Joaquim Barbosa, STF). 4. “Embora a Lei n° 9.296/96 tenha previsto que a interceptação tem prazo de 15 dias, renovável pelo mesmo período, a jurisprudência tem decidido que o prazo poderá ser renovado quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada”. (HC 00050275620114030000, Juiz Convocado Adenir Silva, TRF3 – Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 25/05/2011 PÁGINA: 299. FONTE_REPUBLICAÇÃO). 5. “As condutas praticadas pelos réus, consistentes na aplicação de várias espécies de fraudes, para, a partir daí, subtraírem valores mantidos em contas-correntes das vítimas, caracteriza o crime de furto mediante fraude, tipificado no art. 155, § 4º, do Código Penal. (…)” (APELAÇÃO 00010725220044013901, DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TRF1 – TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:30/06/2011 PAGINA:388.) 6. Nos termos do art. 110 do CP, havendo trânsito em julgado da sentença condenatória para acusação, a prescrição será regulada pela pena aplicada, de acordo com prazos fixados no art. 109, também do Código Penal. A pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão regula-se pelo prazo prescricional de 08 (oito) anos (art. 109, IV, do CP). Contudo, o acusado menor de 21 (vinte e um) anos à época dos fatos, tem prazo prescricional reduzido de metade (art. 115 do CP). Dessa forma, transcorrido lapso superior a 04 (quatro) anos entre a publicação da sentença penal condenatória e a presente data, faz-se mister o reconhecimento, de ofício, da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado quanto ao delito do art. 155, § 4º, II, do CP. 7. Tem-se por comprovadas a materialidade e autoria dos crimes de furto qualificado pela fraude, em continuidade delitiva e concurso material com o crime de quadrilha, quando as provas documentais, escutas telefônicas, depoimentos de corréus e testemunhas, além de confissões, demonstram a prática dos delitos por parte dos acusados. 8. Não ocorre delação premiada ou perdão judicial, mas apenas atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, do CP), quando as declarações do réu, além de terem sido em parte retratadas em Juízo, não ultrapassam o que já havia sido apurado em investigação policial. 9. Não podem servir para agravar a pena-base fundamentos ínsitos ao tipo penal, tais como, envolver-se em prática criminosa, buscar lucro fácil, dedicar tempo a atividades ilícitas. Tampouco o fato do acusado ser usuário de drogas pode influenciar negativamente o exame da dosimetria. 10. A primariedade, bons antecedentes e o fato do crime não ter sido cometido com o uso da violência não justificam por sí sós a fixação da pena-base do acusado no mínimo legal, pois, o art. 59 do CP prevê o exame também de outras circunstâncias judiciais. 11. O aumento da pena pela continuidade delitiva dentro do intervalo de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), previsto no art. 71 do CP, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. (Precedentes do STF e STJ). 12. A reparação por danos, com fundamento no art. 387, IV, do CPP, impõe condição mais gravosa ao acusado, em termos de consequência da condenação, dessa forma deve ser arbitrada apenas aos delitos posteriores à modificação dada ao referido dispositivo pela Lei 11.719, de 20/06/2008. 13. Apelações parcialmente providas.

Ante o exposto, o Colegiado reconheceu a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa em relação a um dos acusados, e manteve a condenação dos demais, às penas descritas no voto da relatora.

Processo nº: 0018245-94.2005.4.01.3500

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