Sindicato tem legitimidade para propor ação coletiva sobre cláusulas de cédulas de crédito rural individuais

Ao reconhecer a comunhão de circunstâncias fáticas e jurídicas e a conexão de interesses entre os substituídos processuais, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legítima a propositura, por sindicato de agricultores, de ação coletiva de consumo para o questionamento de cláusulas inseridas em contratos de cédulas de crédito rural firmados individualmente pelos trabalhadores.

Com a decisão, tomada de forma unânime, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que havia afastado a legitimidade do sindicato.

Por meio de ação civil pública, o Sindicato Rural de Tangará da Serra questionava a validade de cláusulas inseridas em contratos assinados pelos sindicalizados no âmbito de programa de financiamento destinado à modernização da frota de colheitadeiras e tratores.

O juiz de primeiro grau extinguiu a ação, sem resolução do mérito, sob o fundamento de que os interesses seriam heterogêneos, o que acarretaria a falta de legitimidade do sindicato para discutir, em ação coletiva, contratos de financiamento firmados individualmente pelos agricultores com as instituições financeiras. A sentença foi mantida pelo TJMT.

Interesse social

A relatora do recurso especial do sindicato, ministra Nancy Andrighi, apontou que o elemento que caracteriza um direito individual como coletivo é a presença de interesse social qualificado em sua tutela, ou seja, a ampliação da esfera de interesse particular em virtude do comprometimento de bens, institutos ou valores jurídicos cuja preservação importe à comunidade como um todo.

“A divisibilidade e a presença de notas singulares são também características fundamentais dos interesses individuais homogêneos, as quais não os desqualificam como interesses coletivos em sentido amplo ou impedem sua tutela em ação civil coletiva de consumo”, disse a ministra.

No caso dos autos, a relatora ressaltou que o TJMT classificou os interesses discutidos na ação civil pública como heterogêneos, na medida em que os sindicalizados firmaram, individualmente, os contratos de crédito, com valores, prazos e finalidades de usufruto diferentes.

Todavia, Nancy Andrighi afirmou que foram descritos na petição inicial os elementos genéricos das relações jurídicas de cada um dos associados, a exemplo da cobrança de comissão de permanência, da cláusula de vencimento antecipado da dívida e da multa moratória. Segundo a ministra, esses fatores homogêneos foram identificados nos contratos assinados pelos agricultores, substituídos pelo sindicato na ação coletiva.

“Está, pois, presente a possibilidade da utilização da ação coletiva de consumo para a tutela do interesse delimitado na inicial, não sendo obstáculo para tanto as peculiaridades da situação singular de cada agricultor, que devem ser enfrentadas na segunda fase da ação coletiva, nas ações de cumprimento da eventual sentença de procedência”, concluiu a ministra ao reconhecer a legitimidade do sindicato.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CARACTERIZAÇÃO. ORIGEM COMUM. SITUAÇÃO FÁTICA OU DE DIREITO GENÉRICA. CONEXÃO DE INTERESSES PELA CAUSA DE PEDIR REMOTA OU PRÓXIMA. SUFICIÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. SINDICATO. EXISTÊNCIA.
1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, ajuizada pelo recorrente, por meio da qual questiona a validade de cláusulas inscritas em Cédulas de Crédito Rural Pignoratícias e Hipotecárias e seus Aditivos, assinadas por seus sindicalizados em virtude de programa de financiamento destinado à modernização da frota de máquinas colheitadeiras e tratores agrícolas.
2. O propósito do presente recurso especial é determinar se a discussão a respeito de cláusulas contratuais inseridas em cédulas de crédito rural configura interesse individual homogêneo, apto a ser tutelado por meio de ação coletiva, e se, consequentemente, o sindicato recorrente possui legitimidade para a presente ação de consumo.
3. A origem comum, que caracteriza o interesse individual homogêneo, refere-se a um específico fato ou peculiar direito que é universal às inúmeras relações jurídicas individuais, a partir dos quais haverá conexão processual entre os interesses, caracterizada pela identidade de causa de pedir próxima ou remota.
4. A divisibilidade e a presença de notas singulares são também características fundamentais dos interesses individuais homogêneos, as quais não os desqualificam como interesses coletivos em sentido amplo ou impedem sua tutela em ação civil coletiva de consumo.
5. Na hipótese em exame, a petição inicial delimitou a controvérsia aos elementos genéricos das relações jurídicas singulares de cada um dos associados da recorrente, constantes em contratos assinados no contexto de programa de financiamento destinado à modernização da frota de máquinas colheitadeiras e tratores agrícolas e implementos denominado FINAME agrícola, estando caracterizada a origem comum dos direitos vindicados.
6. Recurso especial conhecido e provido.

Com o provimento do recurso especial, a ação coletiva deverá ter prosseguimento no primeiro grau de jurisdição.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1537856

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