Servidora com dois filhos autistas tem direito a horário especial de trabalho sem compensação e sem redução de remuneração

Por unanimidade, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a sentença, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Piauí, que concedeu horário especial de trabalho a uma servidora pública federal, sem compensação de horário e sem redução de remuneração, para que ela acompanhe seus filhos autistas.

O INSS alegou que a concessão de horário especial ao servidor que tenha filho com deficiência está vinculada à compensação de horário, não havendo discricionariedade do agente público de forma diversa daquela prescrita na lei de regência.

Consta dos autos que a servidora tem dois filhos com Transtorno Invasivo de Desenvolvimento (autismo), menores de dezoito anos, com necessidade de acompanhamento materno nas terapias e em domicílio. Em virtude dos fatos, ela argumentou que tem direito ao benefício requerido, sem compensação de horário e sem redução de remuneração, pelos filhos necessitarem de acompanhamento e tratamento constantes com equipes multidisciplinares, sendo imprescindível a sua presença.

O relator, juiz federal convocado Ailton Scharamm de Rocha, afirmou que a Lei nº 8.112/1990, em seu artigo 98, § 3º, com a redação dada pela nº Lei 9.527/1997, em vigor à época da impetração do mandado de segurança, previa o direito de horário especial ao servidor que possuísse cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência, exigindo-se, contudo, a compensação de horário.

No entanto, destacou o magistrado, a Lei nº 13.370/2016 deu nova redação ao artigo 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990, estendendo ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência o direito à redução da jornada de trabalho, independentemente de compensação de horário.

Salientou o magistrado que exigir compensação de horário, no caso em análise, viola a proteção constitucional concedida à família e à pessoa com deficiência, eis que dificulta o acompanhamento das necessidades dos filhos da impetrante. “Propiciar bem-estar a dois menores autistas que, comprovadamente, necessitam de acompanhamento, perpassa, certamente, por permitir o horário especial de trabalho à sua genitora, a fim de que possa estar presente em todas as atividades necessárias ao seu pleno desenvolvimento”, ressaltou.

Diante dos fatos, a Segunda Turma do TRF1 entendeu que a servidora faz jus à concessão da redução de jornada, sem necessidade de compensação do horário e sem redução remuneratória. “Antes de ser uma benesse à impetrante, constitui a materialização da proteção da família e da pessoa com deficiência e do princípio da proteção integral que deve ser conferida à criança e ao adolescente”, concluiu o relator.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. HORARIO ESPECIAL SEM NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO. POSSIBLIDADE. FILHOS COM DEFICIÊNCIA.  PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À FAMÍLIA.

  1. Visa a impetrante à concessão de horário especial de trabalho, sem compensação de horário e sem redução de remuneração, devido ao fato de seus filhos serem portadores de Transtorno Invasivo de Desenvolvimento – TID (autismo) e necessitarem de acompanhamento constante e tratamento constante com equipes multidisciplinares, sendo imprescindível a sua presença.

  2. A Lei 8.112/1990, em seu artigo 98, §3º, com a redação dada pela Lei 9.527/1997, em vigor à época da impetração do mandamus, previa o direito de horário especial ao servidor que possuísse cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência, exigindo-se, contudo, a compensação de horário. Todavia, consoante bem alinhavado pelo juízo a quo, exigir a compensação de horário, no caso em análise, viola a proteção constitucional concedida à família e à pessoa com deficiência, eis que dificulta o acompanhamento das necessidades dos filhos da impetrante.

  3. Consoante previsto no artigo 2º da Lei 7.853/1989, incumbe ao Poder Público assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive “dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico”. Em observância a referido comando legal, propiciar bem-estar a dois menores autistas que, comprovadamente, necessitam de acompanhamento, perpassa, certamente, por permitir o horário especial de trabalho à sua genitora, a fim de que possa estar presente em todas as atividades necessárias ao seu pleno desenvolvimento. Tal entendimento é, inclusive, corroborado pela alteração legislativa promovida pela Lei 13.370/2016, que, ao dar nova redação ao artigo 98, §3º, da Lei 8.112/1990, estendeu ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência o direito à redução da jornada de trabalho, independentemente de compensação de horário.

  4. Antes mesmo da mencionada alteração legislativa, a jurisprudência desta Corte Regional era no sentido de conferir tal direito ao servidor, nas hipóteses de comprovada necessidade de acompanhamento da pessoa com deficiência, conferindo primazia às normas constitucionais que dispensem especial proteção à família (AMS 0012807-72.2014.4.01.3500, DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 – PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 13/09/2016; AG 0051316-33.2013.4.01.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 – PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 05/08/2016).

  5. Na hipótese, a impetrante, servidora pública federal, tem dois filhos com Transtorno Invasivo de Desenvolvimento (autismo), menores de dezoito anos, com necessidade de acompanhamento materno nas terapias e em domicílio, nas atividades direcionadas pelos profissionais (laudos e relatórios às fls. 21/28). Dessa forma, faz jus à concessão da redução de jornada, sem necessidade de compensação do horário e sem redução remuneratória, o que, antes de ser uma benesse à impetrante, constitui a materialização da proteção da família e da pessoa com deficiência e do princípio da proteção integral que deve ser conferida à criança e ao adolescente (artigos 226 e 227 da Constituição da República e 3º da Lei 8.069/1990).

  6. Apelação e remessa oficial desprovidas.

Processo: 0027292-03.2012.4.01.4000

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