Para estabelecer as balizas do cabimento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal (Puil), previsto no artigo 14 da Lei 10.259/2001, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu como jurisprudência dominante da corte não apenas as hipóteses relacionadas no artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC), mas também os acórdãos proferidos em embargos de divergência e no julgamento de outros Puils pelo tribunal superior.
Ao fixar o novo entendimento, a seção superou posicionamento definido anteriormente no Puil 1.799, no qual o colegiado havia limitado o conceito de jurisprudência dominante aos precedentes firmados pelo STJ em IRDR instaurado nas ações originárias da corte, em IAC, em recursos repetitivos ou súmulas e, ainda, em julgamentos da Corte Especial.
Nos termos da Lei 10.259/2001, é cabível o pedido de uniformização quando houver divergência entre decisões de direito material proferidas por turmas recursais na interpretação de lei federal. O pedido deve ser decidido pela Turma Nacional de Uniformização (TNU) quando estiver baseado em divergência de turmas de diferentes regiões ou for relativo a decisão que contraria súmula ou jurisprudência dominante do STJ. Se o entendimento da TNU divergir de súmula ou jurisprudência dominante do STJ, a corte poderá ser acionada para decidir.
O novo precedente da Primeira Seção foi estabelecido em Puil no qual a União contestou decisão da TNU, sob o fundamento de que o julgamento contrariou decisão da Segunda Turma do STJ em AREsp, além de decisões monocráticas de ministros do mesmo colegiado.
Embargos de divergência e Puil não podem ficar fora da jurisprudência dominante
O ministro Sérgio Kukina, relator, explicou que o Puil está inserido no microssistema dos juizados especiais federais, no qual o juízo de admissibilidade segue critérios semelhantes aos do STJ para a admissão de recursos especiais. Considerando esse contexto, o relator votou pelo não conhecimento do pedido da União, pois não apontou claramente a norma federal que teria sido violada, nem os motivos dessa suposta violação, além de se basear essencialmente em fundamentos constitucionais.
Quanto à necessidade de que a decisão contestada no Puil seja contrária a súmula ou à jurisprudência dominante do STJ, o relator encampou a posição defendida em voto-vista da ministra Regina Helena Costa, segundo a qual não seria possível limitar o conceito de jurisprudência dominante ao rol dos precedentes listados pelo artigo 927, inciso III, do CPC/2015 (IRDR, IAC e recursos repetitivos).
Para a ministra, a adoção dessa restrição impediria a TNU de analisar possível violação aos entendimentos firmados em embargos de divergência pelo STJ, bem como às teses fixadas pelo tribunal em pedidos de uniformização.
Seguindo essa posição, no caso dos autos, Sérgio Kukina concluiu que a União invocou acórdão que não se insere em nenhuma das modalidades consideradas como jurisprudência dominante do STJ, motivo pelo qual também não seria possível admitir o pedido de uniformização.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL – PUIL. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. ART. 14 DA LEI N. 10.259⁄2001. INADEQUAÇÃO DOS FUNDAMENTOS OFERTADOS PELA UNIÃO. CONTRARIEDADE À JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. INOCORRÊNCIA. SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO RESTRITIVO FIRMADO NO AGINT NO PUIL 1.799⁄DF. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NÃO CONHECIDO.1. O pedido de uniformização de interpretação de lei federal encarna meio de impugnação de decisão judicial bastante peculiar e próprio do microssistema dos juizados especiais, cujo juízo de admissibilidade se dá por critérios assemelhados aos que esta Corte emprega para a admissão do recurso especial. Precedentes.2. No caso, como seria de rigor, a União não aponta, com clareza, a norma federal que diz violada, nem tampouco os motivos pelos quais a tem por malferida, o que inviabiliza o conhecimento do pedido, em virtude da apontada analogia com o juízo de admissibilidade do recurso especial. Ademais, as razões articuladas pela requerente, fundadas, essencialmente, em preceitos constitucionais (como se destinadas a debate em recurso extraordinário), revelam-se inadequadas para exame no âmbito do Pedido de Uniformização. Por fim, não desponta presente a necessária similitude fática entre a hipótese decidida pela TNU nestes autos e aquela vertida no acórdão ofertado a título de paradigma.3. Consoante prevê o art. 14 da Lei n. 10.259⁄2001, o pedido dirigido a esta Corte Superior somente será cabível “quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ”.4. À falta de baliza normativo-conceitual específica, tem-se que a locução “jurisprudência dominante”, para fins do manejo de pedido de uniformização de interpretação de lei federal (PUIL), deve abranger não apenas as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC, mas também os acórdãos do STJ proferidos em embargos de divergência e nos próprios pedidos de uniformização de lei federal por ele decididos, como proposto no alentado voto-vista da Ministra Regina Helena Costa, unanimemente acatado por este Colegiado.5. No caso sob exame, ressalte-se, o único acórdão invocado pela parte requerente (União) não se insere em nenhuma das modalidades decisórias acima demarcadas, em contexto que faz inviabilizar o conhecimento de seu pedido uniformizador.6. Estabelecidos, pois, esses novos parâmetros acerca da expressão “jurisprudência dominante”, agora com maior amplitude, dá-se por superado o entendimento restritivo outrora firmado no AgInt no PUIL n. 1.799⁄DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe de 7⁄10⁄2022.7. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal não conhecido, inclusive com superação de precedente.