O MPT pretendia que apenas empregados da Ipiranga fizessem a operação.
Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a possibilidade de que os motoristas de caminhões-tanque que prestam serviços à Ipiranga Produtos de Petróleo S.A. em Canoas (RS) executem o carregamento de combustível. Segundo os ministros, não há previsão em lei que impeça a realização do serviço por terceirizados, desde que atendidos os requisitos de proteção e segurança do trabalho.
MPT
Em dezembro de 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) propôs ação civil pública para que a Ipiranga deixasse de utilizar, dentro dos terminais de abastecimento que operava, motoristas dos caminhões-tanque empregados de terceiros (transportadoras, postos, etc.) ou autônomos para carregamento de combustíveis. Segundo o MPT, a permissão para que esses caminhoneiros, sozinhos, carregassem os caminhões contrariava o disposto no Decreto 96.044/1988, que regulamenta o transporte rodoviário de produtos perigosos, e criaria para eles risco adicional não inerente à profissão.
Participação
Em março de 2010, o juízo da 20ª Vara de Trabalho de Porto Alegre (RS) determinou que a Ipiranga se abstivesse de exigir ou de permitir que os motoristas que não fossem seus empregados diretos executassem as atividades de carregamento dos veículos em seus estabelecimentos. De acordo com a sentença, a lei prevê apenas a participação do motorista, ou seja, o acompanhamento das atividades, e não sua execução.
Riscos adicionais
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) entendeu que a atividade era executada de acordo com as normas e as instruções de segurança e saúde do trabalho, mas confirmou a sentença, por considerar que o carregamento de combustível pode acarretar aos caminhoneiros riscos adicionais não relacionados à sua atividade.
Normas
No exame do recurso de revista da Ipiranga, o relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, assinalou que, nas normas que regulamentam o transporte rodoviário de produtos perigosos, “não há, em tese, impedimento para a realização das operações de carregamento desses itens”, desde que atendidas as normas e instruções de segurança e saúde do trabalho estabelecidas pelo extinto Ministério do Trabalho. O ministro ressaltou ainda que a lei prevê a participação do condutor nas operações de carregamento, descarregamento e transbordo da carga desde que haja orientação e autorização pelo expedidor ou pelo destinatário e anuência do transportador.
Ruptura
Na avaliação do relator, o TRT, ao impor obrigação de não fazer sem lastro normativo, fundada na leitura fracionada do artigo 7º, inciso XXII, da Constituição da República, que trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, violou outro princípio constitucional, o da legalidade (o artigo 5º, inciso II, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei).
O recurso ficou assim ementado:
I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DE IPIRANGA PRODUTOS DE PETRÓLEO S.A. PROCESSO REGIDO PELA LEI 13.015/2014. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO COM RELAÇÃO À POSSIBILIDADE DE OS MOTORISTAS PODEREM REALIZAR AS OPERAÇÕES DE CARREGAMENTO E DESCARREGAMENTO DA CARGA E À COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES PARA DECIDIR SOBRE A NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO ESPECIALIZADO NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO. Diante da possibilidade de provimento do recurso e em atenção aos princípios processuais da celeridade e da economia, a matéria não será objeto de exame, com fundamento nos artigos 282, § 2º, do CPC/2015 e 249, § 2º, do CPC/73. 1.1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO COM RELAÇÃO À EFICÁCIA ERGA OMNES DA DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Esta Corte vem consolidando o entendimento no sentido de que os recursos em que se suscita a nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, aviados sob a égide da Lei 13.015/2015, devem conter a transcrição dos argumentos dos embargos de declaração opostos ao acórdão do recurso ordinário, bem assim a transcrição dos fundamentos do acórdão proferido no seu julgamento. O requisito citado está inserido nas disposições do artigo 896, § 1º-A, IV, da CLT (incluído pela Lei 13.015, de 2014). Assim, sem a observância desse requisito, resta desatendida a prescrição legal que buscou agilizar o exame, pelo Relator, do prequestionamento da tese jurídica ou premissa fática suscitada nos Embargos de Declaração . 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, em que se pretende a tutela inibitória para que a empresa Ré não mais exija ou permita – nos estabelecimentos que possui, opera ou administra -, que os motoristas executem atividades de carregamento dos caminhões-tanque, determinando-se, ainda, que a execução dessa atividade seja realizada apenas por empregados próprios. Nesse sentido, a competência da Justiça do Trabalho para julgar esta demanda decorre da relação de trabalho que permeia a execução da terceirização de mão de obra, nos exatos termos do artigo 114 da Constituição Federal, sendo irrelevante a natureza civil do contrato celebrado entre a empresa tomadora (ora Recorrente) e a prestadora de serviços (transportadora de combustível). Ademais, conforme noticiado na peça inicial, são destinatários dos interesses jurídicos ora tutelados “… motoristas empregados de terceiros (das transportadoras, dos postos de combustível etc.) ou mesmo motoristas autônomos, agregados e pseudoautônomos” , portanto, também, sujeitos de direito in abstrato , não abrangidos no citado contrato de prestação de serviços de natureza civil. Desse modo, exsurge a competência desta Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, nos exatos termos do artigo 114 da Constituição Federal. Ilesos os dispositivos de lei indicados. 3. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NORMAS RELACIONADAS À SEGURANÇA DO TRABALHO. 1 . O Tribunal Regional rejeitou a arguição de ilegitimidade ativa, sob o fundamento de que o Ministério Público do Trabalho, por expressa previsão constitucional e legal, possui legitimidade para defender direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de trabalhadores. Ressaltou, ainda, a Corte Regional, tratar-se de defesa da ordem jurídica trabalhista. 2. Consta do acórdão regional que o Ministério Público pretende por meio desta Ação Civil Pública: “(…) a) a abstenção da empresa em “exigir ou permitir, nos estabelecimentos que possui, opera ou administra, que os motoristas dos caminhões executem atividades de carregamento dos veículos, sejam esses motoristas empregados próprios ou de terceiros ou mesmo trabalhadores autônomos, podendo eles apenas acompanhar, estar presentes, quando das operações de carregamento”; e b) a determinação para que a reclamada passe “a executar diretamente, com empregados próprios, todas as atividades relacionadas ao carregamento dos combustíveis e demais produtos que comercializa, notadamente quanto ao carregamento dos caminhões-tanque, abstendo-se de contratar ou utilizar terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, para realização dessas atividades (…)”. 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte em reconhecer a legitimidade ativa do Parquet nas ações coletivas para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de trabalhadores integrantes da categoria. É o que se extrai, inclusive, da interpretação sistemática dos artigos 127, caput , e 129, III, da CF/88 e 83, III, da Lei Complementar 75/93, 81 e 82 da Lei 8.073/90, não havendo falar, pois, em ilegitimidade ativa. Incidência da diretriz da Súmula 333/TST. 4. EFICÁCIA ERGA OMNES DA SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARTIGO 896, § 1º-A, I, DA CLT. INDICAÇÃO DO TRECHO DA DECISÃO RECORRIDA QUE CONSUBSTANCIA O PREQUESTIONAMENTO DA CONTROVÉRSIA. PRESSUPOSTO RECURSAL NÃO OBSERVADO. De acordo com o § 1º-A do artigo 896 da CLT, sob pena de não conhecimento do recurso de revista, é ônus da parte: “I – indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista”. No caso dos autos, a parte não transcreveu os trechos da decisão recorrida que consubstanciam o prequestionamento da controvérsia, de forma que a exigência processual contida no referido dispositivo não foi satisfeita. 5. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOTORISTA. CAPACITAÇÃO PARA O TRANSPORTE DE CARGA ESPECIAL. CARREGAMENTO DE COMBUSTÍVEL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER IMPOSTA. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 5º, II, DA CF). CARACTERIZAÇÃO . Ante a aparente vulneração do artigo 5º, II, da Constituição Federal, merece ser provido o agravo de instrumento para melhor exame da revista. 6. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. DESVIO DE FUNÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ÓBICE DA SÚMULA 297/TST. Não editada tese no acórdão regional à luz das disposições do art. 193/CLT (ausência de proibição de exercício de atividade perigosa), desde que pago o adicional de periculosidade respectivo (§ 1º do art. 193 da CLT), tampouco acerca de eventual desvio ou acúmulo de funções, a ponto de repercutir na integralidade das cláusulas contratuais pactuadas (CLT, art. 456), incide o óbice da Súmula 297/TST ao cabimento do recurso de revista, ante a ausência do necessário prequestionamento da tese jurídica. Agravo de instrumento parcialmente provido.
II. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. PROCESSO REGIDO PELA LEI 13.015/2014. CARREGAMENTO DE COMBUSTÍVEIS. OBRIGAÇÃO DE CONTRATAR EMPREGADOS PRÓPRIOS. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. 1. ARTIGO 896, § 1º-A, I, DA CLT. INDICAÇÃO DO TRECHO DA DECISÃO RECORRIDA QUE CONSUBSTANCIA O PREQUESTIONAMENTO DA CONTROVÉRSIA. PRESSUPOSTO RECURSAL NÃO OBSERVADO. De acordo com o § 1º-A do artigo 896 da CLT, sob pena de não conhecimento do recurso de revista, é ônus da parte: “I – indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista” . No caso dos autos, a parte não transcreveu o trecho do acórdão regional que consubstancia o prequestionamento da controvérsia, de forma que a exigência processual contida no referido dispositivo não foi satisfeita. 2. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 273 DO CPC/1973 (ARTIGO 294 DO CPC/2015). Na esteira da motivação exposta na análise do recurso de revista da empresa Ré, em que se deu provimento ao referido recurso para afastar a obrigação de não fazer imposta na sentença e ratificada pela Corte Regional, julgando-se, portanto, improcedentes os pedidos deduzidos nesta ação civil pública, reputo prejudicada a análise da questão atinente à antecipação dos efeitos da tutela. Agravo de instrumento prejudicado quanto ao tema.
III. RECURSO DE REVISTA DE IPIRANGA PRODUTOS DE PETRÓLEO S.A.. PROCESSO REGIDO PELA LEI 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOTORISTA. CAPACITAÇÃO PARA O TRANSPORTE DE CARGA ESPECIAL. CARREGAMENTO DE COMBUSTÍVEL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER IMPOSTA. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 5º, II, DA CF). CARACTERIZAÇÃO. Caso em que a Corte Regional, embora reconhecendo que o carregamento dos caminhões com combustível, realizado pelos motoristas, era executado em consonância com as normas e instruções de segurança e saúde do trabalho, estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE (art. 19 Decreto 96.044/88 c/c o art. 25 da Resolução ANTT 3886/2012), manteve a sentença em que imposta obrigação de não fazer , ligada ao exercício da referida atividade, com base na parte inicial do artigo 7º, XXII, da CF. Tal preceito dispõe que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” . Ao assim decidir, a Corte Regional conferiu autonomia normativa à fração descritiva do bem jurídico objeto da tutela constitucional, desconsiderando que o próprio legislador vinculou a realização daquele objetivo às normas de segurança e proteção ao trabalho. Em outras palavras, na forma disposta no Texto da Constituição, a redução dos riscos inerentes ao trabalho há de ser implementada em conformidade com as normas editadas pelo Poder Público, no exercício do poder de polícia assegurado no art. 21, XXIV, da própria Constituição Federal. A técnica de interpretação adotada na esfera regional, portanto, acabou impondo a ruptura da unidade de sentido do texto normativo, alcançando resultado contrário ao próprio procedimento inscrito no dispositivo constitucional. A reserva de conformação administrativa constitucionalmente expressamente prevista no art. 7º, XXII, da CF, impede a adoção de vias outras para a realização daquele ideal – redução de riscos no ambiente laboral, disso resultando a ausência de competência político-institucional do Poder Judiciário para dispor sobre a questão. Consequentemente, ao impor obrigação de não fazer sem lastro legal, fundada na leitura fracionada do preceito constitucional (CF, art. 7º XXII), a Corte de origem malferiu o artigo 5º, II, da Constituição Federal que consagra o princípio da legalidade, autorizando a intervenção desta Corte para a adequação cabível. Recurso de revista conhecido e provido .
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-2-25.2010.5.04.0020