Prejuízo de comprador pelo descumprimento de prazo de entrega de imóvel é presumido e enseja indenização na forma de aluguel mensal e por dano moral

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF1) manteve a condenação da Caixa Econômica Federal (CEF) e de uma Construtora a pagarem indenização a um mutuário por dano moral no valor de R$ 30.000,00, além do valor dos aluguéis correspondentes ao período de atraso na entrega do imóvel, adquirido na planta pelo autor.

No mesmo processo, o colegiado reformou a sentença para reincluir a construtora no polo passivo da ação, e excluiu a condenação ao pagamento de lucros cessantes, por não ter havido comprovação da sua ocorrência.

A CEF apelou da sentença condenatória argumentando que apenas financiou a obra, e que o mútuo (empréstimo) foi contraído no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Portanto, entendendo que a responsabilidade é da construtora, pleiteou a reinclusão dessa no polo passivo.

Sustentou também que sua conduta não causou prejuízo ao autor, pelo contrário, possibilitou o financiamento, e que não é de sua responsabilidade o pagamento de indenização por dano moral e a restituição dos valores dos aluguéis no período do atraso. Argumentou ainda que não são devidos lucros cessantes por falta de prova.

Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, explicou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a legitimidade da CEF evidencia-se quando atuar como agente executor de programas habitacionais para pessoas de baixa renda ou baixíssima renda.

Prosseguindo, o magistrado destacou que, da leitura conjunta das cláusulas do contrato, interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, conforme previsto no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), decorre a responsabilidade da instituição bancária, por ter acompanhado a construção e aceitado as justificativas da empresa quanto ao retardamento e acompanhamento da obra.

Ressaltou o relator que a responsabilidade da CEF é solidária com a construtora pela demora na entrega do empreendimento, conforme já decidido pelo TRF1, devendo ambas arcarem com o ônus das indenizações, porque, conforme precedentes do STJ e do TRF1, o prejuízo causado ao mutuário pelo atraso injustificado é presumido.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PELO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. DEMORA NA ENTREGA DO IMÓVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DA CONSTRUTORA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS (ALUGUÉIS PAGOS PELO REQUERENTE). CABIMENTO. LUCROS CESSANTES INDEVIDOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

1. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado o entendimento de que “a legitimidade passiva da CAIXA não decorre da mera circunstância de haver financiado a obra, nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH, mas do fato de ter provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as especificações, escolhido a construtora e negociado diretamente em programa de habitação popular” (REsp n. 1.671.395/PE – Relator Ministro Marco Buzzi, DJe de 15.03.2018), o que inclui os contratos firmado de acordo com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), instituído pela Lei n. 11.977/2009.

2. Aquele mesmo Tribunal decidiu que: “A questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda” (REsp 1.163.228/AM, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 31/10/2012) – AgInt no REsp 1.536.218/AL, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe  de 14.10.2019.

3. Este Tribunal, com base em precedente jurisprudencial do STJ, estabeleceu que “a legitimidade da CEF para responder solidariamente nos casos de atraso na entrega da obra, quando sua participação ultrapassar os limites de mero agente operador do financiamento para aquisição do bem” (AC 0004767-52.2015.4.01.3311, Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, Quinta Turma, e-DJF1 de 25.10.2019).

4. Hipótese em que a legitimidade da CEF para responder solidariamente com a construtora pela demora na entrega do imóvel deve ser reconhecida, pois ultrapassou os limites de mero agente financeiro, já que a liberação dos recursos destinados à construção do empreendimento imobiliário estava sujeita a acompanhamento de engenheiro por ela designado (cláusula terceira – fl. 57), sendo que está previsto na cláusula quarta do contrato (fl. 58) que a prorrogação do prazo para o término da construção dependia de autorização do agente financeiro, bem como que “o prazo e etapas para as medições e conclusão da obra é aquele previsto no cronograma físico-financeiro e não poderão ultrapassar os atos normativos do Sistema Financeiro de Habitação e da CEF” (quadro resumo, item B4 – fl. 53), cabendo a ela aceitar os motivos de retardamento ou paralisação da obra, por prazo superior a 30 (trinta) dias (cláusula décima, “f” – fl. 65), fatos esses que denotam a sua ampla participação no empreendimento imobiliário.

5. É certo que o parágrafo terceiro da cláusula terceira do contrato estabelece que a vistoria de engenheiro da CEF seria realizada apenas para medição do andamento das obras para fins de liberação de valores e que não tinha qualquer responsabilidade técnica por sua execução. Contudo, diante da leitura conjunta das cláusulas terceira e quarta do contrato e, ainda, da cláusula décima, que discrimina os motivos que dão ensejo à substituição da construtora, é forçoso concluir que, de fato, a CEF detém a responsabilidade pelo acompanhamento da construção, inclusive quanto à aceitação de justificativas da referida empresa quanto ao retardamento e paralisação da obra (alínea “f” da cláusula décima), até mesmo por imperativo previsto no art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual, as “cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, aplicável ao caso dos autos (Súmula 297/STJ).

6. Conforme já decidiu o STJ, “a responsabilidade do agente decorre da comprovação da falha na prestação do serviço, sendo desnecessária a prova do prejuízo em concreto” (REsp 835.531/MG – Relator Ministro Sidnei Beneti – DJ de 27.02.2008, p. 191), bem como que o “simples inadimplemento contratual em razão do atraso na entrega do imóvel não é capaz, por si só, de gerar dano moral indenizável. Entretanto, sendo considerável o atraso, alcançando longo período de tempo, pode ensejar o reconhecimento de dano extrapatrimonial” (AgInt no REsp 1.795.662/RN, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 01.10.2020).

7. Por outro lado, o STJ, em procedimento de recurso repetitivo (art. 1.036 do Código de Processo Civil de 2015), posicionou-se no sentido de que, no caso de descumprimento do prazo para entrega do imóvel, “incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma” (REsp 1.729.593/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, DJe de 27.09.2019).

8. Hipótese em que o atraso da entrega do imóvel superou os limites pactuados, o que levou o autor a continuar arcando com o pagamento dos juros da fase de construção e com o valor do contrato de locação de um apartamento residencial, sem que o agente financeiro tivesse tomado as providências contratualmente previstas, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do atraso na finalização da obra, de forma solidária com a construtora, que deve ser reincluída no polo passivo da lide.

9. Valor fixado, a título de indenização por danos morais (R$ 30.000,00 – trinta mil reais), que se mostra razoável, considerando as peculiaridades do caso.

9. Os lucros cessantes estão conceituados na última parte do art. 402 do Código Civil, como sendo aquilo que a parte deixou de lucrar, sendo necessária a comprovação de sua ocorrência, o que não aconteceu no caso dos autos.

10. O valor da indenização pelos danos emergentes, relacionados ao valor de locação pago pelo autor, deve se dar a partir da data prevista para a entrega do imóvel, isso em janeiro de 2012.

11. Sentença reformada, em parte, para determinar a reinclusão da construtora no polo passivo da lide, e que deverá suportar, de forma solidária, o pagamento do valor da indenização; afastar a condenação da recorrente ao pagamento de lucros cessantes e para estabelecer que a indenização por danos materiais (aluguéis pagos pelo autor) deve se dar partir da data prevista para a entrega do imóvel.

12. Recurso de apelação da CEF, provido, em parte.

Processo 0019023-38.2012.4.01.3300

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