Portadores de visão monocular podem ser nomeados no cargo de agente da Polícia Federal

A 6ª Turma do TRF 1ª Região determinou que a Polícia Federal nomeie a autora, portadora de visão monocular, no cargo de agente, tendo em vista que ela já concluiu todas as etapas do concurso regido pelo edital 55/2014-DGP/DPF. Na decisão, o relator, desembargador federal João Batista Moreira, destacou não haver razão para que a nomeação da autora aguarde o trânsito em julgado da sentença, uma vez que já se passaram mais de dois anos desde a conclusão do curso na Academia Nacional de Polícia e que, certamente, a União recorrerá às instâncias superiores.

A União recorreu ao tribunal contra sentença que havia anulado o ato que eliminou a autora do referido concurso público e que havia determinado sua inclusão no curso de formação e, em caso de aprovação, a reserva de vaga a fim de resguardar sua nomeação no cargo, que terão cabimento após o trânsito em julgado. Segundo a recorrente, a autora foi eliminada do certame, pois, na etapa do exame médico constatou-se, pela junta médica, a partir do exame oftalmológico, ser ela portadora de visão monocular e estocoma no olho esquerdo, condição incompatível com o cargo pretendido.

“É possível que o policial se depare e seja obrigado a atuar em situações que lhe exija redobrada atenção, cautela, precisão de movimentos, assim como agilidade em suas ações e decisões o que torna indispensável o pleno domínio de todos os sentidos e funções motoras e intelectuais”, argumentou a União. “O policial não defende somente sua vida, mas também a de terceiros. Mesmo a candidata sendo locada em setor burocrático, pode ocorrer sua designação a missões de campo, e pelo fato de ela possuir visão monocular, tendo seu senso de profundidade e noção de espaço seriamente prejudicados, pode vir a expor a si ou a outrem, risco de vida e perigo eminente”, acrescentou.

Para o relator, no entanto, a autora enquadra-se perfeitamente na reserva de vagas destinadas às pessoas com deficiência. “Que tipo de deficiência, então, justificaria a reserva de vaga para os cargos policiais? Em outros termos, estabelecer que há vagas especiais para deficientes e, ao mesmo tempo, não aceitar como tal a visão monocular, é dar com uma mão e tirar com a outra”, ponderou.

O magistrado explicou que “a lotação da apelada em Tabatinga (AM), localidade de notória periculosidade e onde se presume haja número reduzido de policiais, torna mais difícil, mas não impossível poupar a apelada de operações em que sua participação seja arriscada. O DPF pode, por outro lado, se entender necessário ou conveniente, remanejá-la para outro órgão, o que, em razão de sua especial condição física, não constituirá desrespeito à classificação no concurso”.

O relator concluiu seu voto destacando que, “veemente o direito da apelada, não há razão para que sua nomeação aguarde o trânsito em julgado da sentença. A situação é ainda mais grave diante da jurisprudência que não reconhece direito a indenização relativa ao atraso na investidura em cargo público decorrente de situação duvidosa, objeto de processo judicial”.

O recurso ficou assim ementado:

CONCURSO PÚBLICO. CARREIRA POLICIAL. CARGO DE AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. VISÃO MONOCULAR. DEFICIÊNCIA. ENQUADRAMENTO COMO TAL. POSSIBILIDADE. 1. Na sentença, foi confirmada “a decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela” e julgados “parcialmente procedentes os pedidos, na forma do art. 487, I, do CPC, para: a) anular o ato que eliminou a Autora do concurso público destinado ao cargo de agente da Polícia Federal, regido pelo Edital nº 55/2014-DGP/DPF, de 25.09.2014; b) determinar à União que a inclua no curso de formação profissional e, em caso de aprovação, que proceda à reserva de vaga em seu favor, observando-se a ordem de classificação, a fim de resguardar sua nomeação e posse no cargo, que terão cabimento após o trânsito em julgado desta sentença”. 2. Se a visão monocular (que, antes da Súmula 377-STJ, a União resistia em aceitar como deficiência para efeito de concorrer, por exemplo, ao cargo de auditor fiscal), que tipo de deficiência, então, justificaria a reserva de vaga para os cargos policiais? Em outros termos, estabelecer que há vagas especiais para deficientes e, ao mesmo tempo, não aceitar como tal a visão monocular, é “dar como uma mão e tirar com a outra”. 3. O Departamento de Polícia Federal é órgão de âmbito nacional, com milhares de agentes e encarregado de variadas atribuições (art. 144, § 1º, da Constituição), que incluem desde a repressão ao contrabando ou descaminho nos rios amazônicos até a expedição de passaportes. Se é certo que há atividades operacionais, também há atividades burocráticas e trabalho intelectual de coleta e análise de informações sobre organizações criminosas. 4. A lotação da apelada em Tabatinga/AM – localidade de notória periculosidade e onde se presume haja número reduzido de policiais -, torna mais difícil, mas não impossível poupar a apelada de operações em que sua participação seja arriscada. O DPF pode, por outro lado, se entender necessário ou conveniente, remanejá-la para outro órgão, o que, em razão de sua especial condição física, não constituirá desrespeito à classificação no concurso (lista geral). 5. Há precedentes deste Tribunal, inclusive desta Turma (AC 00751106820134013400; AC 00751106820134013400; AC 00734460220134013400; AC 00002689820144010000; AC 00742489720134013400; AC 0012871-91.2014.4.01.3400; AC 0075110-68.2013.4.01.3400) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (201400201096324AGI; 20140110664378APC) sobre a matéria. 6. A questão da falta de impugnação ao edital do concurso não tem pertinência, porque a apelada pressupôs que se enquadrava na situação de deficiente, logo, não havia o que impugnar. Além disso, a exigência de impugnação ao edital – que seria a lei do concurso -, sob pena de preclusão do direito de questionar suas regras, não deve prevalecer, especialmente, quando se trata, como no caso, de direito fundamental assegurado pela Constituição. 7. Veemente o direito da apelada, não há razão para que sua nomeação aguarde o trânsito em julgado da sentença. Já se passaram mais de dois anos desde a conclusão do curso na Academia Nacional de Polícia e é possível que a União recorra às instâncias superiores, de modo que o direito da apelada ficará severamente prejudicado pela morosidade processual. A situação é ainda mais grave diante da jurisprudência que não reconhece direito a indenização relativa ao atraso na investidura em cargo público decorrente de situação duvidosa, objeto de processo judicial. Mas a questão não foi devolvida a este Tribunal mediante apelação. 8. Negado provimento à apelação.

A decisão foi unânime.

Processo nº 0040660-31.2015.4.01.3400

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