Por ofensa ao princípio da individualização, Sexta Turma reduz pena de réu condenado a 40 anos por tráfico

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a violação ao princípio da individualização da pena e concedeu habeas corpus para reduzir a condenação de 40 anos de reclusão imposta pela Justiça de São Paulo a um homem envolvido com tráfico de drogas.

O juiz aplicou ao acusado, flagrado transportando cerca de 50 quilos de cocaína, pena similar à do corréu, que mantinha guardados em depósito, além de grande quantidade de armas de fogo de uso restrito e munições, aproximadamente 647 quilos da droga. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento à apelação da defesa.

Seguindo o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, a Sexta Turma decidiu readequar a pena para 14 anos e nove meses, visto que não havia na denúncia indicação da participação do paciente nos crimes atribuídos ao corréu.

“Sem necessidade de revolvimento de matéria fático-probatória, é de ser reconhecida ofensa ao princípio da individualização da pena na primeira etapa da dosimetria, haja vista inexistir nas decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, e tampouco nos fatos imputados pela denúncia, nenhuma menção ou fundamentação expressa no sentido de que o paciente tinha conhecimento das drogas que estavam armazenadas na residência do corréu (total de 647 kg de cocaína), tampouco, por extensão, de que teria participado dos núcleos do tipo de guardar ou ter em depósito os referidos entorpecentes. Ao contrário, no que se refere ao delito do artigo 33 da Lei 11.343/06, imputou-se ao paciente apenas a conduta de transportar 50 kg de cocaína”, afirmou a ministra.

Correlação

De acordo com a relatora, além da individualização da pena, foi violada a correlação que deve haver entre a denúncia e a sentença, uma vez que o total de drogas encontrado no depósito foi considerado pelo juiz para elevar a pena-base do paciente sem que a denúncia lhe houvesse imputado as condutas de guardar ou ter em depósito substâncias ilícitas.

Laurita Vaz observou que o princípio da individualização da pena foi violado ainda quando a sentença considerou o armamento apreendido no local como uma das razões para justificar a imposição ao paciente – que nem sequer foi denunciado por posse ilegal de arma – de uma reprimenda igual à do corréu.

“Sendo assim, há de ser reparada a primeira etapa da dosimetria da pena, não para reduzi-la ao mínimo legal, como pretende a defesa, mas para fixá-la em nível proporcional à quantidade de drogas transportada pelo paciente – 50 quilos”, decidiu a ministra.

Confissão

A Sexta Turma também reconheceu que a confissão do réu, por ter sido usada como fundamento para a condenação, deve ter efeito na redução de pena, conforme estabelece a Súmula 545.

Por entender que o acusado só teria confessado após a prisão e com o intuito de acobertar corréus, o juiz afastou a possibilidade de redução de pena prevista para a confissão espontânea, classificando o ato como confissão qualificada, a qual não seria alcançada pela benesse processual.

A ministra Laurita Vaz afirmou que, em casos de confissão qualificada, a jurisprudência do STJ não admitia a aplicação da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal. No entanto, “em recentes julgados, tem prevalecido a orientação de que a atenuante da confissão deve ser aplicada ainda que se trate de confissão qualificada, especialmente se a confissão do agente é um dos fundamentos da condenação”.

No caso em análise, ela considerou que a confissão foi um dos elementos levados em conta para a condenação. “Sendo assim, deve incidir a atenuante do Código Penal”, decidiu a relatora, tendo em vista a Súmula 545.

Apesar de requerida pela defesa, a turma afastou a hipótese de tráfico privilegiado, prevista no artigo 33, parágrafo 4º, na Lei de Drogas. Segundo Laurita Vaz, é pacífico no STJ o entendimento de que a condenação pelo crime de associação para o tráfico (artigo 35 da Lei 11.343/06) “denota a dedicação do agente às atividades criminosas e, por conseguinte, por si só, impede a incidência da minorante”.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE NA PENA-BASE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. OCORRÊNCIA. ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. VIABILIDADE DE RECONHECIMENTO. SÚMULA N.º 545 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MINORANTE DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA. CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. FATO QUE, POR SI SÓ, DEMONSTRA DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Hipótese em que o Paciente foi condenado a 40 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 4500 dias-multa, como incurso nos arts.
33, § 1.º, inciso I, c.c. art. 40, inciso V, e 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006.
2. As circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, cotejadas com o juízo de valor a ser feito caso a caso na delimitação da gravidade concreta do crime, conduzem a algum grau de discricionariedade na aplicação da pena-base.
3. Todavia, convém não confundir o conceito de discricionariedade com o conceito de arbitrariedade. Este refere-se a uma liberalidade decisória não permitida pelo Direito, advinda de meros impulsos emotivos ou caprichos pessoais que não se apóiam em regras ou princípios institucionais. Aquele, ao revés, envolve o reconhecimento de que a vagueza de certas normas jurídicas implica a necessidade de apelo ao juízo subjetivo de Magistrados que interpretam o Direito à luz de diferentes concepções de justiça e de diferentes parâmetros de relevância, bem como de que a decisão tomada dentro dessa zona de incerteza deverá ser considerada juridicamente adequada caso seja informada por princípios jurídicos e esteja amparada em critérios como razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e sensatez. Daí falar-se em discricionariedade guiada ou vinculada.
4. A margem de discricionariedade autorizada ao julgador de primeira e segunda instâncias inviabiliza, em regra, que o Superior Tribunal de Justiça, ao qual a sistemática constitucional não atribui a competência de reexaminar fatos e provas, substitua, seja em habeas corpus, seja em recurso especial, o juízo de valor acerca do grau de culpabilidade do agente e da pena necessária e suficiente à sua reprovação, salvo em hipóteses excepcionais em que se verifique patente ilegalidade ou desproporcionalidade.
5. No caso, sem necessidade de revolvimento de matéria fático-probatória, é de ser reconhecida ofensa ao princípio da individualização da pena na primeira etapa da dosimetria, haja vista inexistir nas decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, e tampouco nos fatos imputados pela denúncia, nenhuma menção ou fundamentação expressa no sentido de que o Paciente tinha conhecimento das drogas que estavam armazenadas na residência do corréu (total de 647 kg de cocaína), tampouco, por extensão, de que teria participado dos núcleos do tipo de guardar ou ter em depósito os referidos entorpecentes. Ao contrário, no que se refere ao delito do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, imputou-se ao Paciente apenas a conduta de transportar 50 kg de cocaína.
6. A violação ao princípio da individualização da pena mostra-se ainda mais nítida quando se percebe que, não obstante o Paciente nem sequer tenha sido denunciado pela prática do delito previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/2003, o Juízo sentenciante considerou “a grande quantidade e variedade de armas e munições encontradas no local” como uma das razões para justificar a imposição da reprimenda em idêntico patamar do corréu, com relação ao qual não pairam dúvidas acerca do tráfico de drogas na modalidade “guardar” ou “ter em depósito” e da prática do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito.
7. O Paciente confessou a prática do crime e a confissão foi um dos fundamentos para a condenação. Incide, por conseguinte, o enunciado da Súmula n.º 545/STJ: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”.
8. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que a condenação pelo crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei n.º 11.343/2006) denota a dedicação do agente às atividades criminosas e, por conseguinte, por si só, impede a incidência da minorante do art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006.
9. Ordem parcialmente concedida, a fim de reduzir a pena definitiva do Paciente para 14 (quatorze) anos, 9 (nove) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais 2.221 (dois mil, duzentos e vinte e um) dias-multa.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 460286

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