É possível suspender habilitação de crédito até definição sobre a existência da dívida e o respectivo valor no juízo arbitral

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou possível suspender a habilitação de crédito, na recuperação judicial, até que seja definida a existência do próprio crédito e seu respectivo valor na Justiça arbitral, nos casos em que houver cláusula contratual prevendo a resolução de litígio por meio da arbitragem.

O entendimento foi estabelecido ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que suspendeu a habilitação do crédito de uma empresa no processo de recuperação – com o consequente indeferimento de seu direito a voto na assembleia de credores. O tribunal estadual concluiu que os documentos juntados aos autos não fizeram prova do crédito, havendo ainda necessidade de discussão da dívida no juízo arbitral.

A empresa apresentou pedido de habilitação de crédito de mais de R$ 70 milhões, mas teve a solicitação negada pelo juiz da recuperação. A decisão foi mantida pelo TJSP – segundo o tribunal, o administrador judicial questionou a própria existência do crédito e, além disso, haveria pendências no cálculo dos supostos valores devidos, sendo o caso de deliberação do juízo arbitral antes de eventual inclusão do crédito na ação de recuperação.

Em recurso especial, a empresa supostamente credora alegou que existiria prova incontroversa nos autos da existência e do valor de seu crédito, sendo dispensável, portanto, a instauração de procedimento arbitral.

Mesmo com recuperação, juízo da cognição é quem decide sobre existência do crédito

Relator do recurso, o ministro Moura Ribeiro destacou que, no tema repetitivo 1.051, a Segunda Seção fixou a data do fato gerador do crédito como marco para estabelecer se ele deve ser incluído na recuperação judicial. Considerando que as datas de prestação de serviços apresentadas pela empresa – e que justificariam o crédito – são anteriores à recuperação, o ministro apontou que os créditos, se existentes, devem ser submetidos aos efeitos da recuperação.

Por outro, lado, o relator lembrou, também, que o STJ já definiu que, para além da competência do juízo recuperacional sobre os atos de execução de créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, cabe ao juízo de conhecimento (seja ele judicial ou arbitral) a avaliação da existência, da eficácia e da validade da relação jurídica estabelecida entre as partes.

“Assim, verifica-se que a discussão sobre a existência do débito e seus valores, por si só, não afasta a competência do juízo recuperacional quanto à análise dos atos de execução de créditos, até porque nem sequer influem na competência cognitiva considerada, na hipótese dos autos, pertencente ao juízo arbitral”, afirmou.

Segundo Moura Ribeiro, foi verificando essas condições que a Justiça paulista, de forma diligente, suspendeu o pedido de habilitação do crédito e entendeu pela necessidade de comprovação da probabilidade do direito, no juízo arbitral.

“Nada impede que, eventualmente requerido pela parte, o juízo recuperacional, com espeque no artigo 6º, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005, defina reserva de numerário para garantia de crédito discutido perante o juízo arbitral, já que possui essa faculdade, condicionada à análise da certeza, da liquidez e da estimativa de valores, conforme o caso”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO E DIREITO A VOTO EM ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO DE CRÉDITO DE AMAPARI, DETERMINADA PELO TJSP. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 49 DA LEI 11.101/2005. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. CONTROVÉRSIA SOBRE A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO E APURAÇÃO DO QUANTUM DEVIDO. ANÁLISE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 5 E 7, DO STJ. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE AO VALOR SUPOSTAMENTE INCONTROVERSO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 282, DO STF. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016)
serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A Segunda Seção desta Corte, fixou entendimento no tema repetitivo 1.051, considerando a data do fato gerador do crédito, como marco para se estabelecer a sua concursalidade na recuperação judicial.
3. Alegação de que os fatos geradores dos créditos decorreram de relação jurídica estabelecida com a empresa recuperanda nos anos de 2013 e 2014, anteriores, portanto, ao pedido de recuperação judicial que data de 28/8/2015. Possibilidade de, ao menos em tese, tais créditos se submeterem aos efeitos da recuperação judicial.
4. Controvérsia, contudo, acerca da própria existência do crédito e respectivos valores.
5. Reconhecimento pelo TJSP, soberano na análise fática-probatória, que os documentos acostados à Habilitação de Crédito ora impugnada não fazem prova do crédito, entendendo pela necessidade de discussão em Juízo arbitral, ante a existência de cláusula compromissória nesse sentido.
6. A alteração das conclusões do acórdão recorrido exige a análise do contrato firmado entre as partes e reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que encontra óbice nas Súmulas nº 5 e 7, do STJ.
7. Pedido de habilitação quanto ao valor incontroverso que não foi objeto de deliberação pelo TJSP. Ausência de prequestionamento.
Aplicação analógica da Súmula 282, STF.
8. Cabível, portanto, a diligente determinação de suspensão da habilitação de crédito e o indeferimento do direito ao voto de AMAPARI, na assembleia geral de credores, até que se resolva a controvérsia quanto a existência do crédito e respectivo valor, perante o Juízo arbitral, nos termos do bem lançado acórdão recorrido, de relatoria do Desembargador HAMID BDINE.
9. Recurso especial não provido.

Leia o acórdão no REsp 1.774.649.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1774649

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