Ele se deslocava para o local do serviço
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso de três empresas contra a condenação ao pagamento de indenização à viúva e aos filhos de um apanhador de aves vítima de acidente de trânsito quando se deslocava para o trabalho. Para o colegiado, a empresa, ao se responsabilizar pelo transporte dos empregados, se equipara ao transportador, assumindo o ônus da atividade.
“Pega do frango”
A ação foi ajuizada contra a Serviços de Carregamentos DJ e a JM Serviços de Carregamento, de Dois Vizinhos (PR), e a filial da BRF S.A. em Uberlândia (MG). As duas primeiras prestavam serviços de carga e descarga de animais à BRF e contratavam trabalhadores para a chamada “pega do frango”. Nos veículos das empresas, eles iam a fazendas ou granjas em Minas Gerais para carregar os caminhões com os animais. Esgotado o serviço em uma localidade, partiam para outra.
Morte
O acidente ocorreu em janeiro de 2018, quando um micro-ônibus da JM, que transportava cerca de 20 pessoas de Uberlândia para Monte Alegre de Minas, num dia de forte chuva, tombou e colidiu com uma proteção metálica e com um poste, causando a morte do trabalhador e de um colega e ferindo diversos outros. Na ação, a mulher e os filhos pediram a responsabilização civil objetiva das empresas pelo ocorrido.
Força maior
Em sua defesa, as empresas alegaram, entre outros pontos, que o acidente ocorrera por motivo de força maior. Segundo elas, o motorista conhecia o trajeto e era respeitador dos limites de velocidade e o veículo estava em ótimas condições de uso.
Pessoas, não coisas
O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG) considerou indevida a indenização, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) condenou as empresas ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais no valor de R$ 50 mil e de pensão mensal de 1/5 do salário do empregado à viúva e aos filhos do falecido, como indenização por danos materiais.
O TRT destacou que o veículo, apesar da forte chuva, continuou o trajeto, priorizando a continuidade da prestação dos serviços em detrimento da saúde e segurança dos passageiros. “Em se tratando de transporte de pessoas – e não de coisas -, a possibilidade de acidentes com risco à vida é algo não apenas previsível, mas que deve ser precavido”, ressaltou. “Em condições climáticas severas, a aquaplanagem é evento totalmente previsível, impondo o aumento da atenção e do cuidado”.
Ônus e risco
O relator do recurso das empresas ao TST, ministro Augusto César, assinalou que a empresa, ao se responsabilizar pelo transporte de empregados até o local da prestação dos serviços, se equipara ao transportador. Desse modo, assume o ônus e o risco desse transporte, sobretudo porque o deslocamento visa ao atendimento do seu negócio e dos seus interesses. “A empresa, ao assumir essa responsabilidade, assume também a obrigação de responder pelos danos causados aos transportados em decorrência de eventual acidente, porque tem o dever de garantir a incolumidade física da pessoa transportada”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PRIMEIRA E SEGUNDA RECLAMADAS. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRAJETO. RODOVIA. TRANSPORTE FORNECIDO PELA EMPREGADORA. MORTE DE TRABALHADOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. Discute-se a responsabilidade civil do empregador pelo pagamento de indenização por danos morais e materiais em face de acidente de percurso, o qual levou a óbito o empregado transportado em ônibus fornecido pela empresa. Nestas circunstâncias, o empregador, ao se responsabilizar pelo transporte de seus empregados para que cheguem ao local da prestação dos serviços, equipara-se ao transportador, assumindo o ônus e o risco desse transporte para os efeitos dos artigos 734 a 736 do Código Civil, sobretudo porque tal transporte objetiva o atendimento do negócio e interesses da empresa. Os textos legais atinentes à matéria tratam com rigor as situações em comento, justamente em decorrência da obrigação a qual se deve ter em transportar pessoas , em perfeitas condições de segurança , ao seu destino, estando a cláusula de incolumidade implícita no contrato de transporte. A empresa, ao assumir essa responsabilidade, não obstante de maneira informal ou de forma gratuita, gera, como consequência, a obrigação de responder pelos danos causados aos transportados em decorrência de eventual acidente porque tem o dever de garantir a incolumidade física da pessoa transportada. Não se pode alegar que a responsabilidade objetiva se dá apenas nos casos em que o transporte se faz por empresas concessionárias desse serviço porque a lei não faz tal distinção, mas se aplica a qualquer que seja o transportador. Em síntese, se a empresa avoca para si tal responsabilidade, a transportador se equipara, conforme determinam os artigos 734 e 736 do Código Civil. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir acerca do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido.
VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE. MORTE DO OBREIRO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. O valor arbitrado a título de reparação por dano moral somente pode ser revisado na instância extraordinária nos casos em que se vulneram os preceitos de lei ou Constituição que emprestam caráter normativo ao princípio da proporcionalidade. E, considerando a moldura factual definida pelo Regional (morte do obreiro transportado pela empresa decorrente do acidente de trânsito), o valor atribuído (indenização no importe de cinquenta mil reais – R$ 50.000,00) não se mostra excessivamente elevado a ponto de se o conceber desproporcional. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir acerca do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido.
DIREITO DE ACRESCER. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. As reclamadas alegam que a reversão das cotas – partes dos filhos, ao atingirem a idade de 25 anos, em favor da companheira e mãe dos filhos, viola o artigo 23, § 1º, da EC 103/219. Não se vislumbra ofensa direta e literal ao artigo 23, § 1º, da EC 103/2019 na medida em que o aludido dispositivo se refere à pensão concedida a dependente de segurado no Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal, hipóteses distintas do caso em tela. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido.
MANUTENÇÃO DA SEGURADORA NA LIDE. APELO DESFUNDAMENTADO. SÚMULA 422, I, DO TST. PREJUDICADO EXAME DA TRANSCENDÊNCIA. O agravo de instrumento encontra óbice nos termos da Súmula 422, I, do TST, porquanto as agravantes não impugnaram o fundamento adotado pelo Regional para denegar seguimento ao recurso de revista, qual seja, não atendimento da exigência do artigo 896, § 1º-A, I, da CLT. Apesar de o art. 896-A da CLT estabelecer a necessidade de exame prévio da transcendência do recurso de revista, a jurisprudência desta Corte tem evoluído para entender que esta análise fica prejudicada quando o apelo carece de pressupostos processuais extrínsecos ou intrínsecos que impeçam o alcance do exame meritório do feito, como no caso em tela. Agravo de instrumento não conhecido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DA TERCEIRA RECLAMADA (BRF S.A.). RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA REAL TOMADORA DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO OBREIRO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. Tendo o Regional asseverado que a terceira reclamada foi a real tomadora dos serviços prestados pelo obreiro, o qual faleceu em decorrência do acidente com o ônibus que lhe transportava para o labor, verifica-se que sua decisão está em sintonia com a Súmula 331, IV e VI , do TST. Dessa forma, incide o teor da Súmula 333 desta Corte. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido.
A decisão foi unânime.
Processo: AIRR-10653-70.2019.5.03.0104