Um policial civil de Florianópolis, que ficou cego de um olho após ser baleado em um assalto, terá direito a indenização por invalidez permanente parcial. O caso aconteceu em 2015, em um estabelecimento comercial. Em ação movida no Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital, o policial narra que esperava para fazer a recarga de créditos do celular quando dois homens entraram e anunciaram o roubo. Apesar de não estar de plantão, o agente sacou sua arma e deu voz de prisão aos assaltantes. Na fuga, um dos criminosos fez disparos e o atingiu no olho direito, fato que provocou sua cegueira unilateral.
O autor manifestou nos autos que, como policial civil, é seu dever agir em defesa da segurança pública ao presenciar um crime, como de fato aconteceu durante o assalto. Em contestação, o Estado alegou que o fato não ficou caracterizado como acidente em serviço.
Na sentença, a juíza Alexandra Lorenzi da Silva destacou as competências atribuídas aos policiais civis no estatuto da categoria, que inclui atribuições como “velar permanentemente sobre todos os fatos e atos que possam interessar à prevenção e repressão de crimes e contravenções”. A magistrada também cita o artigo 301 do Código de Processo Penal, que determina às autoridades policiais o dever de prender quem estiver em flagrante delito.
Embora o caso não tenha sido classificado como acidente em serviço pela perita médica, a profissional solicitou esclarecimentos ao setor de gestão de pessoas ao qual o agente estava vinculado. Questionou-se, caso o policial não estivesse em plantão, se o setor deveria registrar a ação armada como trabalho ou defesa pessoal. Em resposta, foi indicado que deveria registrar como trabalho, “pois o policial deve estar pronto para agir sempre que necessário”.
Na avaliação da magistrada, ficou demonstrada no próprio meio policial a ideia de que o agente de polícia tem o dever de agir quando se depara com um crime. “Restou claro, portanto, que o agente policial tem o dever de zelar pela sociedade, mesmo que fora do horário de serviço, motivo pelo qual fica caracterizado que a lesão do autor foi em decorrência de ato em efetivo exercício de suas atribuições como agente de Polícia Civil”, anotou a juíza.
A indenização foi fixada em R$ 15 mil. A sentença ainda impõe ao Estado o pagamento de R$ 1.080 a título de ressarcimento pelas despesas médicas.
Cabe recurso, o que ocorreu e o recurso ficou assim ementado:
RECURSO INOMINADO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. POLICIAL CIVIL. PLEITO DE RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NA LEI Nº 14.825/2009. CEGUEIRA MONOCULAR EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO POLICIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. APONTADA ILEGITIMIDADE PASSIVA DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE ACIDENTE DE TRABALHO. CIRCUNSTÂNCIA QUE SE CONFUNDE COM O PRÓPRIO MÉRITO DA QUESTÃO. SUSTENTADA INEXISTÊNCIA DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO PERPETRADA FORA DE SERVIÇO QUE RESULTOU EM CEGUEIRA MONOCULAR EM DECORRÊNCIA DE FERIMENTO À BALA. NÃO ACOLHIMENTO. LEI N. 14.825/2009 QUE ESTABELECE INDENIZAÇÃO POR ÓBITO OU INVALIDEZ PERMANENTE, TOTAL OU PARCIAL, EM DECORRÊNCIA DE ATO OU FATO OCORRIDO EM EFETIVO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES, OU EM RAZÃO DESTAS. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO (OU NÃO) COMO ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REALIZADA QUANDO O SERVIDOR SE ENCONTRAVA DE FOLGA. DEVER, TODAVIA, VELAR PERMANENTEMENTE SOBRE TODOS OS FATOS E ATOS QUE POSSA INTERESSAR À PREVENÇÃO E REPRESSÃO DE CRIMES E CONTRAVENÇÕES. EXEGESE DA LC N. 453/2009. ZELO PELA MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA EM GERAL. DEVER DO POLICIAL DE PRESTAR A DEFESA AOS INTERESSES DOS CIDADÃOS MESMO QUE EM PERÍODO DE FOLGA. SERVIDOR QUE BUSCOU EVITAR A OCORRÊNCIA DE ROUBO NO ESTABELECIMENTO EM QUE SE ENCONTRAVA. ZELO COM O PATRIMÔNIO E A INTEGRIDADE FÍSICA DAS PESSOAS QUE ALI SE ENCONTRAVAM. CLARIVIDENTE EXISTÊNCIA DE DANO FÍSICO OCASIONADO POR ATIVIDADE DESENVOLVIDA NO DESEMPENHO DE SUAS ATRIBUIÇÕES COMO POLICIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ART. 3º DA LEI N. 14.825/2009, ADEMAIS, QUE DEIXA CLARO QUE O POLICIAL POSSUI DIREITO À INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE “ATO OU FATO DECORRENTE DO EFETIVO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES, OU EM RAZÃO DESTAS, QUE POR SI SÓ E INDEPENDENTEMENTE DE TODA E QUALQUER OUTRA CAUSA, RESULTE NA SUA INVALIDEZ PERMANENTE, TOTAL OU PARCIAL […]”. CLARIVIDENTE DEVER DO POLICIAL DE ZELAR PELO BEM PÚBLICO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ACIDENTE OCORRIDO EM RAZÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO POLICIAL CIVIL. DEVER DO ESTADO DE RESSARCIMENTO DAS DESPESAS MÉDICAS. EXEGESE DO DECRETO ESTADUAL Nº 665/2016. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
(TJSC, PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 0300749-92.2018.8.24.0090, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcio Rocha Cardoso, Primeira Turma Recursal – Florianópolis (Capital), j. 08-04-2021).
Procedimento do Juizado Especial Cível n. 0300749-92.2018.8.24.0090