O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou nesta quinta-feira (5) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questiona dispositivo de lei complementar que insere na competência da Justiça Militar o julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. O exame da matéria foi suspenso por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
Na ADI, ajuizada em 2013, a PGR pede a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo 7º do artigo 15 da Lei Complementar 97/1999, na redação dada pelas Leis Complementares 117/2004 e 136/2010, que detalham a atuação subsidiária das Forças Armadas em operações para garantia da lei e da ordem (GLO) e de combate ao crime. Conforme a argumentação, o dispositivo ampliou demasiadamente a competência da Justiça Militar para crimes não diretamente relacionados com funções tipicamente militares.
Sustentações
Na sessão de hoje, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, defendeu a constitucionalidade da lei. Segundo ela, a Constituição da República, no artigo 142, atribui às Forças Armadas a natureza de instituições nacionais fundadas em dois princípios básicos – o da hierarquia e o da disciplina – e a missão de defesa da pátria, de garantia dos poderes constituídos e, por iniciativa desses poderes, a garantia da lei e da ordem. “A própria Constituição, no artigo 142, remete a lei complementar a tarefa de estabelecer normas gerais sobre a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas”, sustentou. Segundo a AGU, a Lei Complementar 97/1999 traz, nos artigos 16 e 17, as chamadas atribuições subsidiárias das Forças Armadas, relacionadas, por exemplo, à cooperação e desenvolvimento nacional, à defesa civil, à atuação preventiva ou repressiva aos crimes de fronteira e ambientais. “Na prática, portanto, todas essas atividades, embora definidas como subsidiárias, não perdem a característica de atividade militar”, afirmou.
Na condição de amicus curiae, o defensor público federal Gustavo Zortéa da Silva manifestou, em nome da Defensoria Pública da União, a preocupação com a redação da lei na parte relativa a crimes militares praticados também por civis. Segundo o defensor, a resposta penal militar é muito mais grave do que a da Justiça Comum para crimes sem violência ou grave ameaça, como furto, estelionato e desacato. “Os militares aderem livremente a uma relação de sujeição, marcada por graves restrições a direitos fundamentais, mas não se concebe que isso se dirija contra o civil”, sustentou, defendendo a declaração de inconstitucionalidade da parte do dispositivo que abrange os civis.
Relator
O relator da ADI 5032, ministro Marco Aurélio, votou pela improcedência da ação. “A matéria é sensível, e o pronunciamento do STF inadiável, afetando diretamente as estruturas do Estado Democrático de Direito, especialmente no atual contexto de escalada da violência, não mais restrita aos grandes centros urbanos, mas pulverizada por todo o território nacional, inclusive em regiões de fronteira”, observou no início do voto.
Para o relator, a lei complementar limitou-se a preencher o espaço de conformação franqueado pela Constituição Federal para o estabelecimento de normas legais na organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Na sua avaliação, a atuação na garantia da lei e da ordem, no patrulhamento de fronteiras e nas ações de defesa civil representam a concretização da essência do estatuto militar em todo Estado moderno – “a proteção, mesmo em tempos de paz, da soberania”.
O ministro considerou imprópria a tentativa de igualar as Forças Armadas às instituições policiais ordinárias, sustentando que a ação militar na garantia da paz e da ordem social responde a parâmetros diversos, tanto em virtude da formação e do treinamento específicos de seus membros quanto pelo reconhecimento da finalidade diversa a que se propõe. Os policiais, explicou, atuam na esfera de combate à prática de ilícitos, enquanto as Forças Armadas são acionadas quando verificada a insuficiência daquelas para intervir. “Seja no combate ao crime organizado nas favelas, nas fronteiras, nas eleições livres ou em ações de defesa civil, as Forças Armadas desempenham papel constitucionalmente atribuído na garantia da soberania e da ordem democrática, em dimensão qualitativamente diversa daquela realizada pelas forças ordinárias de segurança”, assinalou.
O entendimento do relator foi seguido pelo ministro Alexandre de Moraes, que destacou que nenhuma das atividades listadas na lei foi considerada, em qualquer decisão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, da Corte Interamericana de Direitos Humanos ou do Tribunal Europeu de Direitos Humanos como não sendo militares ou exageradas. “As próprias forças de paz da ONU, quando requisitadas, exercem essas mesmas atividades”, afirmou. “Não há nos dispositivos incluídos no parágrafo 7º do artigo 15 da lei nenhuma função que não seja considerada pela própria ONU nas forças de paz como não militares”.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu divergência para reconhecer, como pedido pela PGR, a inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, com a redação dada pelas leis posteriores. Ele apresentou um histórico da definição dos crimes militares em tempos de paz nas diversas Constituições brasileiras para concluir que a Constituição de 1988 trouxe um novo quadro normativo, “extremamente sucinto e cuidadoso” ao definir a competência de como processar e julgar os crimes militares definidos em lei. “A Constituição atual retirou o status de foro privilegiado, que diz respeito à condição do militar, aplicável apenas em razão do cargo e das atividades desempenhadas”, afirmou. “Apenas os crimes próprios, cuja realização só é possível pelo militar, é que são alcançados pela jurisdição militar, e não cabe ao legislador ampliar o escopo da Justiça Militar”.
O ministro Roberto Barroso, seguinte na ordem de votação, pediu vista do processo a fim estudar melhor a matéria, que, a seu ver, “envolve complexidades e sutilezas”.
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Processo relacionado: ADI 5032